Ombudsman da Folha e editor do Nexo são entrevistados 72 horas após a revelação da conversa pouco republicana entre Temer e o empresário Joesley Batista. No centro do debate: quando o jornalismo erra
Publicada originalmente pela Agência Pública
Setenta e duas horas após a revelação do site do jornal O Globo que noticiou uma conversa pouco republicana entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS, o repórter da Agência Pública Lucas Ferraz se reunia com a ombudsman da Folha de S.Paulo, Paula Cesarino, e o editor do Nexo Jornal, João Paulo Charleaux, para uma entrevista no quente dos acontecimentos que convulsionou o país.
Se o “erro é da natureza do jornalismo”, como afirmou Cesarino, como é possível reduzir a possibilidade de errar? Qual o impacto que as decisões tomadas nas redações têm na sociedade e qual é o papel do jornalista ao enfrentar os erros?
“A mesa é sobre erros, imprecisões… tudo que está nesse guarda-chuva. Acho que sempre que a gente fornece mais informação e é mais preciso, a gente reduz o risco de errar”, diz Charleaux, que organiza no Congresso da Abraji uma mesa sobre erros na profissão. Como não poderia deixar de ser, a cobertura da Operação Lava Jato pela imprensa foi um dos pontos altos da entrevista realizada na Casa Pública, no Rio.
Os principais trechos você lê a seguir.
Lucas Ferraz ̶ O país teve uma revelação bombástica, feita pelo Lauro Jardim na quarta-feira, dia 17 de maio. Depois, quando as informações começaram a sair, causou uma enorme polêmica a frase citada na matéria: “Tem que manter isso aí”. O áudio da gravação, revelado depois, mostrou que não era bem assim o diálogo entre Temer e Joesley da JBS. Então, queria iniciar essa conversa sabendo o que vocês acharam dessa matéria de O Globo e os seus desdobramentos.
João Paulo Charleaux ̶ Eu trabalhei nesse assunto e ficou forte para mim a cronologia. Muito se falou quando surgiu a informação de O Globo e, depois, do Jornal Nacional de que a gravação continha declaração do Joesley dizendo que pagava uma espécie de mesada a Eduardo Cunha na cadeia e que Temer respondeu: “Tem que manter isso aí, viu?”.
Essa era a única informação disponível no momento. Era um furo de O Globo. E foi com base nisso que aquela noite transcorreu. O Temer, quando fez o discurso dizendo que não ia renunciar, começa dizendo que não teve acesso à gravação. A fonte era, até então, uma só. Só depois é que aparece o áudio que, efetivamente, não fala na palavra mesada, na palavra dinheiro, propina… É um diálogo muito menos assertivo, o que fez com que a Folha de S.Paulo dissesse que era um diálogo inconclusivo.
A pergunta que a gente se fazia era: de onde veio essa constatação inicial tão forte de que se tratava de um relato de dinheiro? Era uma interpretação de quem? Só então veio o documento da PGR, onde no início se diz que aos 11 minutos e não sei quantos segundos existe um diálogo entre Joesley e o presidente Michel Temer… e aí o procurador preenche as lacunas e afirma que esse trecho do diálogo diz respeito ao pagamento mensal de dinheiro pro Cunha etc. e tal.
Aparentemente, a informação que o Lauro Jardim tinha era essa, e não o áudio. Portanto, o que ele reportou, do meu ponto de vista, foi essa constatação da PGR. Agora quem é a PGR? Ela é que pede a abertura da investigação, ela é que está na parte acusatória. Frequentemente isso vem com essa força, né? A mesa é sobre erros, imprecisões… tudo que está nesse guarda-chuva. Acho que sempre que a gente fornece mais informação e é mais preciso, a gente reduz o risco de errar.
Lucas Ferraz ̶ Paula, você acha que o Lauro Jardim poderia ter sido mais cuidadoso na divulgação dessa primeira reportagem?
Paula Cesarino Costa ̶ Não é meu papel julgar o Lauro. A minha impressão é que em todos esses casos o que é fundamental é passar para o leitor o que você tem, de onde vem a informação e qual é a abrangência dela. A impressão que você tem no caso do Globo é que, de fato, ele tinha uma parte da história, mas não tinha a história toda. Precisava ter ficado claro que aquela história era uma parte dela. Em nenhum momento se diz assim: “O Globo não ouviu o áudio”. Esse cuidado era decisivo. Por que isso leva o leitor a poder julgar. Então, eu posso pelo menos ter o direito à dúvida de que essa informação é exatamente nesse sentido. Os jornais têm que cada vez mais criar mecanismos de como receber essas informações, processá-las e passar para o leitor.
Você tem o desafio da concorrência. Será que você precisa colocar imediatamente e mais rápido que os outros? Sem ter lido, sem ter o mínimo de reflexão, de calma? O que é melhor para o leitor? É ter uma informação mais rápida, mas menos precisa? Ou você ter um pouco mais de tempo para poder dar uma informação de maior qualidade?
No caso específico, o que me estranhou é a reação rápida com que colunistas, jornalistas e mercado condenaram o Temer, já pedindo a renúncia. Foi um caso um pouco surpreendente. E, no dia seguinte, você começa a ter uma reversão porque as pessoas começaram a ouvir. “É, não é bem assim”; “Será que é?”. Mas ao mesmo tempo não dá para você voltar tudo para trás. Tem uma gravação, tem um encontro de um presidente no subsolo de um palácio. Então, assim, não dá nem para condenar o Temer imediatamente nem para dizer que não tem nada. Acho que a dificuldade dos jornais foi conseguir organizar todo esse material.
Lucas Ferraz ̶ A gente tem acompanhado uma dependência muito grande dos jornalistas e dos jornais pelos documentos, por aquilo que é vazado ou repassado pela investigação. O que eu queria saber é quais são os erros de procedimento no caso da Lava Jato nos últimos anos.
Paula Cesarino Costa ̶ Primeiro, a sensação de que os jornalistas esquecem que o Ministério Público é parte. É uma parte da história. Você tem quem acuse, você tem quem defende. Os jornais comem muito na mão do MP. E, como as informações não são dadas oficialmente, são passadas em off, torna a situação pior ainda. Então, uma das falhas é acreditar de mais sem questionar o MP, a qualidade daquelas informações, as contradições e falhas. Acho isso um dos pontos principais.
João Paulo Charleaux ̶ A Lava Jato é muito nova e não tem paralelo. Numa circunstância normal, se uma pessoa tão importante quanto o dono da JBS chega e diz para a Justiça, que é um órgão que tem fé pública: “Eu dei dinheiro para o presidente da República”, normalmente você notícia com a gravidade que isso tem.
O problema é que isso está acontecendo todo dia. E o problema é que o próprio mecanismo da delação premiada, pelo que vai se descobrindo, premia o exagero, aparentemente. Toda vez que um relato é realmente espetacular, aquilo é muito atrativo para a acusação. E, evidentemente, para o leitor através da imprensa. Todo mundo se seduz por uma narrativa espetacular que envolve corrupção de uma pessoa importante no governo.
Então, isso sai com a força que tem e é difícil de conter. Agora, onde é que entra a importância da edição jornalística da coisa? É situar isso no contexto geral. Qual etapa da investigação está? Quem diz isso? Qual o papel do MPF no processo? Qual é o papel do procurador?
Quando o Lula senta na frente do Sergio Moro e fala por cinco horas, e o jornalista reportar aquilo construindo a versão da defesa e colocando os furos que possa ter, as críticas que são feitas. Da mesma forma, quando sai a delação. Para tentar criar um equilíbrio. Não é o papel da imprensa dizer qual dos dois lados vai ter a razão. Isso é um papel da Justiça e depois, lendo o jornal, de cada leitor.
Paula Cesarino Costa ̶ Além disso, e serve para qualquer situação, é você ouvir os vários lados de uma história ̶ não apenas protocolarmente, mas ver o que eles têm para te trazer de informação e, eventualmente, mudar o rumo da sua reportagem.
O que acho uma das falhas de procedimento nesse caso da Lava Jato? São tantas informações que no mínimo, periodicamente, os jornais têm que fazer pequenas análises do que já saiu. A Folha até fez, por acaso, uma reportagem que mostrou as contradições e erros de algumas delações. Isso é meio óbvio. Não é possível que você tenha 60 e tantos delatores e o jornal esteja publicando diariamente cinco, sete, dez matérias, dez acusações, 10 outros lados, e não se consiga fazer um balanço, uma análise do que de fato existe.
Quantas delações ou pré-delações foram feitas há um ano? E, houve contradição depois? Pouco se mostrou nesse sentido. Por exemplo, você pega o caso do Renato Duque. Agora, depois de três anos preso, ele voltou a falar e acusou o Lula de algumas coisas. Estranho! O sujeito foi preso há três anos e agora está dando um depoimento e resolveu falar? A imprensa tem que ter mais desconfiança. É saudável a desconfiança do que a Procuradoria fala e do que a defesa fala. E tem que tentar mostrar em coisas reais.
Lucas Ferraz ̶ Vocês acham que a imprensa agiu nos últimos anos de maneira cartorial?Paula Cesarino Costa ̶ Não sei se dá para dizer “de maneira cartorial”, mas em muitos momentos tem um pouco essa atitude. Tenho cobrado muito nas colunas. Quais foram os momentos em que houve investigação própria? Tem uma delação, o cara falando tudo, e o jornalista vai atrás de uma história. Tem também, citando o caso da Folha, o jornalista Flávio Ferreira, que investigou e conseguiu levantar detalhes do sítio supostamente do Lula. Eu acho que os jornais se acostumaram muito com essa quantidade de informação fácil que chega e não têm uma política de investimento em investigação própria. É difícil.
Outra coisa: tem que pensar que nós estamos falando num cenário de corte de pessoal de crise financeira das empresas. As condições de trabalho das redações, hoje, não são fáceis. Faço uma análise como ombudsman e, pelo leitor, não tenho que levar isso em consideração. Eu tenho que levar em consideração o resultado final. Mas a realidade é que as versões digitais dos jornais deveriam ter muito mais mecanismos de permitir ao leitor ter essas informações.
Lucas Ferraz ̶ Sobre a questão do Lauro Jardim, a reportagem trouxe essa imprecisão do áudio, mas ela mostrou que realmente havia uma investigação contra o Temer, trouxe detalhes que depois ficamos sabendo nos últimos dias. Como é que ele poderia ter feito de maneira diferente? É difícil para um jornalista que está envolvido num trabalho desses receber uma informação dessa e não botar logo, né?
João Paulo Charleaux ̶ É difícil porque tem um nome que é o do Lauro. Assim, eu não tinha essa informação de que ele estava trabalhando nisso há três semanas.
Paula Cesarino Costa ̶ O tempo, em tese, pode ser bom. O fato de ele ter ficado três semanas com uma informação, trabalhando, não é um problema. Pelo contrário. Teve um caso recente daquele ministro da cultura, o Calero. A primeira informação que a repórter teve foi justamente três ou quatro semanas antes; a informação de que ele estava pensando em pedir demissão porque tinha recebido pressões do Geddel. Então, ela foi trabalhando, conversando com ele, apurando por outros lados. Quando saiu a reportagem, era completa. Ela poderia ter dado logo de cara “ministro da Cultura diz que sofre pressão”. Eu acho quase saudável que tenha ficado três semanas com a informação.
Douglas Gonçalves ̶ Eu queria saber essa questão de você conferir legitimidade para uma notícia a partir do que alguém disse: “diz delator”. O Perseu Abramo fez uma análise no final dos anos 1980 que avalia que conferir título para notícia é um dos padrões de manipulação mais recorrente. Eu queria saber como vocês veem essa questão da manipulação. Tanto no Nexo quanto na Folha.
João Paulo Charleaux ̶ Sempre que eu dou palestra e tem pessoas mais jovens, e eu fazia isso quando eu estava no lugar de vocês, surge a palavra “manipulação”. Eu gosto de fazer uma provocação a respeito disso. Eu manipulo informação o dia inteiro, e me pagam para isso, é isso que eu faço. E pôr a mão é manipular a informação. Manipular uma informação não é um problema, é uma coisa boa. O problema começa quando você manipula de forma torpe, quando você manipula com um fim outro que não reportar com fidedignidade o que você está fazendo. Então, assim, a gente manipula, e acho que no Nexo a gente tenta fazer isso de forma a agregar contexto; então, é uma boa manipulação.
O que a gente persegue é exatamente uma manipulação com um critério editorial positivo. Colocar contexto, colocar significado do ponto de vista histórico, quando foi que aconteceu da última vez, que consequência teve, que significado isso pode gerar no futuro, como é que funciona em outro país, qual a ordem de grandeza disso em relação ao todo. Para que o leitor possa tomar decisões.
O “diz que”, frequentemente, é um ponto de partida para o jornalismo. “Fulano diz” é declaração. Ao manipular jornalisticamente, com critérios positivos, com competência, o que a gente faz é agregar contexto, e transformar essa declaração numa coisa que tem mais significados, que abre outros caminhos. A gente não tem que se intimidar diante disso. A gente tem que assumir esse papel. Uma das dificuldades que a rede social coloca é que todo mundo manipula. O que a gente tem, na verdade, são mais mãos trabalhando ̶ cada uma com seu critério, com seu interesse. É uma oportunidade de o jornalismo mostrar sua relevância de maneira renovada, mostrar que faz essa manipulação com critérios que são positivos para a sociedade. A gente dedica a vida ao nosso trabalho. Então uma foto que tenha sentido, um título que seja correto, uma linha fina que funcione, uma hierarquização da coisa, uma comparação, uma matéria que apoia, uma suíte no dia seguinte. Todos os recursos que o jornalismo tem para extrair o máximo de significado daquele fato. O debate se dá sobre os critérios. “Tamo manipulando bem?”.
Thiago Tanji ̶ A imprensa, pelo menos os grandes veículos, é comandada por famílias que têm interesses diretos nos desdobramentos políticos e econômicos do país. Quando as empresas de comunicação e os jornalistas dizem “somos defensores da democracia, da ética, da pluralidade…”, não seria mais fácil que eles dissessem realmente qual é a opinião sobre determinado assunto, em vez de ficar nessa isenção que, de fato, não existe?
Paula Cesarino Costa ̶ Os jornais têm opinião. Eu vou falar da Folha. A Folha tem, nesse sentido, um papel muito específico. O jornal não deixa de ter opinião. Os editoriais do jornal dão opinião sobre a reforma da Previdência, sobre enfim… temas os mais diferentes, aborto, drogas. Tem uma coisa específica que o jornal não faz, e é uma postura muito clara: o jornal não declara voto. Em muitos jornais do mundo, a praxe é dizer quem apoia nas eleições. A Folha não tem essa posição, é uma coisa histórica. Nunca declarou e continua sem declarar. Uma coisa é a opinião nos editoriais. Agora, o jornal busca a isenção. É neutro? É possível ser neutro? É uma discussão o ovo e a galinha. Não existe neutralidade total.
Ao editar, ao colocar no alto de uma página um determinado assunto e outro embaixo, eu estou tomando uma posição. Você é neutro ou tem um viés político? Você está defendendo uma posição política, ideológica, econômica… Eu acho que a Folha busca, de fato, o maior equilíbrio possível; daí a questão da pluralidade, de ter várias opiniões. Em muitos momentos, o jornal perde o equilíbrio. Tem momentos em que a cobertura pode ir mais para um lado ou mais para o outro. O motivo é por uma questão intencional, por incompetência técnica? Não dá muito para falar, é muito genérico. Jornal pode ter opinião, e a opinião do editorial não pode influenciar o noticiário.
Na minha experiência, em 90% dos fatos isso não acontece. Em outros jornais é diferente. O Estadão declara voto. Também acho que o fato de declarar voto não o impede de fazer uma cobertura jornalística equilibrada. Você pode apoiar o Serra e fazer matérias. Até muitos leitores preferem isso. É muito melhor eu ler um jornal que sei que apoia determinado candidato do que fingir que ele é independente. Eu entendo a desconfiança. Eu entendo que há erros, deslizes.
João Paulo Charleaux ̶ Dá para pegar a pergunta por vários lados. Não vejo problema em ter grandes empresas de comunicação, de existirem grandes grupos econômicos. Qual a alternativa? Que sejam grandes grupos econômicos acho um pouco inevitável no mundo capitalista. O problema é quando não tem pluralidade. Você não tem o grande grupo, não tem o pequeno, não tem a comunicação pública. Aí me preocupa mais. Uma vez que isso está posto como realidade, como que é você trabalha com isso? São grupos que têm interesse em determinados temas na sociedade e exercem pressão para que isso aconteça. Eu gosto da ideia de um mercado editorial plural, gosto da ideia de que haja veículos que declaram voto, outros que não declaram, os que tendem para a direita, para a esquerda. Eu acho que o que importa é a pluralidade.
Mariana Simões ̶ O que acontece depois do erro? Vocês lembram do caso que aconteceu com o Catraca Livre, quando teve a queda do avião da Chape?
Paula Cesarino Costa ̶ Eu acho que, quando o jornal comete um erro e assume que cometeu e explica que errou, porque errou e tal, acho que isso resolve grande parte. Eu até cito o caso polêmico de uma pesquisa Datafolha em que o jornal fez uma edição equivocada, errada, na verdade. Escrevi uma coluna que o título dizia: “A Folha errou e persistiu no erro”. Quando o jornal tenta, apesar de saber que errou, não assumir o erro, tenta caminhos tortos, não dá certo. O leitor percebe. O erro é da natureza do jornalismo. A cada segundo a gente tem milhares de chances de errar. No jornalismo mais ainda, porque você tem a pressão do tempo. Ela é, de fato, desesperadora. Mas não se justifica o erro por excesso de informação e falta de tempo. Mas ele acontece. Quanto mais rapidamente o jornal corrige o erro e explica o erro, eu acho que é a solução, não tem muita saída. A coisa do “Erramos” da Folha faz diferença. Tem muitos jornais que erram e nunca mais assumem o erro. Isso é ruim. O “erramos” faz diminuir o número de erros do jornal? Acho que sim. Você fica mais atento sabendo que seu erro será corrigido publicamente. Eu também acho que tem uma coisa educativa. Você corrigir o erro faz com que, na próxima vez, fique mais atento para não errar. Tem erros de todos os tipos, né?
João Paulo Charleaux ̶ No Nexo tem uma coisa muito clara: publicar rápido que errou. No mesmo texto, no pé, “estava errado”. Esse texto informava que tal coisa era assim e assado e na verdade não era assim e assado. Isso foi corrigido no dia tal e tal hora.
Um dia, conversando com o jornalista Marcelo Beraba, eu falava sobre cobertura de guerra e conflitos no congresso da Abraji: “Eu não quero mais falar disso porque são muitos anos, não está me fazendo bem, não estou mais trabalhando com isso”. Ele perguntou: “O que você faria se você quisesse?”. Disse que faria uma mesa do que dá errado no jornalismo. Ele achou uma boa ideia, mas ninguém aceitaria falar, né? E, de fato, é muito difícil. As pessoas recebem isso como uma ofensa. “Oi, tudo bem, queria te convidar para fazer uma mesa de erros.” “Eu não erro, né?”. “Tá bom, obrigado.” Foi uma forma psicanalítica de resolver meu próprio problema.
Lucas Ferraz ̶ Paula, você escreveu uma coluna no mês passado citando a greve geral, que no “dia da greve o jornalismo não saiu para trabalhar”. Interessante que você cita que a imprensa brasileira abriu mão da discussão sobre a floresta. Você enquadraria isso como uma espécie de erro? Ou isso tem uma implicação um pouco diferente do erro?
Paula Cesarino Costa ̶ Eu acho que pode considerar um erro de avaliação, de enfoque. É aquela coisa. O furo não é só a informação exclusiva, o furo é também o enfoque sobre um determinado assunto. O erro também. Essa situação foi de fato uma cobertura equivocada. Qual foi a conclusão que eu mostrei? Todos os jornais cobriram da mesma forma, essencialmente preocupados com os efeitos da greve no cotidiano das pessoas e falando os conflitos que as manifestações tiveram no final.
Sendo que não era nem manifestação, era greve. Você tinha que discutir qual era o significado, qual era a intenção, qual foi o efeito… se você for ver, nos últimos 40 anos, 30 anos, não houve nenhuma mobilização desse tipo. Foi uma greve geral como você vê na Argentina? Não. Porque a gente não tem na nossa cultura brasileira esse tipo de situação. Nesse caso é um erro de enfoque, um erro de cobertura mesmo. Foi feita uma cobertura burocrática como se fosse uma manifestação. A minha crítica é que não se tentou uma cobertura que fosse além do óbvio.
Mariana Simões ̶ Nós não somos jornalistas americanos. E foi falado na época das últimas eleições que os jornalistas estavam convencidos de que a Hillary Clinton iria ganhar. No final, eles erraram. Erraram na convicção de que ela ganharia. O jornalista tem que levar essa culpa? Foi um erro na cobertura?
Paula Cesarino Costa ̶ Eles não viram os EUA inteiros, não perceberam o movimento que havia no país. Claramente há um EUA que estava escondido, digamos assim. E havia uma convicção de que a Hilary era melhor. Mas, no fundo, a imprensa americana tem vários momentos em que ela vacilou, tratou o Trump como uma piada. Acho que houve uma falha de visão do que estava acontecendo. De certa forma, é um erro.
João Paulo Charleaux ̶ A gente não sabe como lidar com esse negócio. Como é que você faz? Ele existe, está lá. Quando você aponta o que você considera grotesco no discurso, isso acaba funcionando como gasolina para pessoas que consideram esse valor positivo. E nós vamos viver isso aqui no Brasil com o Bolsonaro. Como é que vamos cobrir esses fenômenos? É bizarro. Quando você diz que ele é um cidadão que apoia tortura, as pessoas tomam isso como elogio.