Fora das redes nacionais de TV há quatro meses, o jornalista Jorge Kajuru estreou na semana passada seus novos programas em emissoras locais de Ribeirão Preto, no interior paulista. Ele lançou Hora do Kajuru e Kajuru Liberado, na TV Thathi, e Kajuru Anti-Jabá, na Rádio 79/Globo AM. É a segunda vez em pouco mais de um ano que Kajuru tenta fazer jornalismo na cidade. A primeira não deu muito certo, já que sua empreitada na Rádio 79, ao lado do colega José Luiz Datena, foi interrompida.
Nesse retorno à cidade, o destaque da semana foi o Kajuru Liberado, programa de entrevistas que anuncia ir ao ar todas as noites, às 23h, na Thathi. Na edição de quinta-feira (7/10), o apresentador fez longas entrevistas com os candidatos a prefeito da cidade que disputam o segundo turno das eleições – o tucano Welson Gasparini e o peemedebista Baleia Rossi. Durante a semana, ele propagou que faria um programa revolucionário, pautado pelo ‘jornalismo de verdade’ que, na visão dele, não existiu em Ribeirão Preto na cobertura de TV no primeiro turno do pleito municipal. Prometeu fazer perguntas críticas e cobrar de Gasparini e Baleia questões consideradas relevantes para o eleitor/telespectador.
A propaganda de Kajuru acabou sendo melhor do que o programa, mas o jornalista e apresentador ofereceu, sim, alguns bons momentos de jornalismo.
O lado bom de Kajuru Liberado pode ser resumido em dois aspectos: o formato do programa e a contundência do jornalista em algumas perguntas, de fato algo ausente nos debates da TV em Ribeirão Preto. Um exemplo positivo dessa contundência: Kajuru questionou os dois candidatos sobre os doadores de campanha, ressaltando que nenhum político divulga seus financiadores. Gasparini e Baleia falaram um monte de coisas, tentaram dizer sem explicar nada, mas não responderam. ‘Vocês dois escorregaram na minha pergunta e nenhum respondeu quem financia quem e se o doador vai, por exemplo, ter perdão fiscal caso vença a eleição’, cutucou o jornalista, com seu estilo polêmico.
De longe o melhor
O maior destaque do programa foi, no entanto, seu formato. Os dois candidatos tiveram o tempo que quiseram para responder às perguntas. Por isso, Kajuru Liberado descumpriu a grade de horário da TV Thathi e durou mais de três horas. Antes de começar o programa, o jornalista explicou que o formato tradicional de debates entre candidatos ou de entrevistas veiculadas na TV, com o tempo de respostas e réplicas cronometrado e limitado a no máximo três minutos por vez, não mostra o candidato em sua essência e na verdade acaba não servindo para o telespectador avaliar criticamente os políticos. A limitação de tempo, alegou Kajuru, restringe os programas e faz com que os candidatos bem assessorados – principalmente por marqueteiros – se sobressaiam aos demais. Ou seja, não expõe o melhor candidato, mas sim o melhor político na tela.
Sem essa limitação do tempo, no Kajuru Liberado os candidatos puderam expor melhor suas idéias e também acabaram sendo mais questionados pelo jornalista. No formato tradicional, mesmo que um candidato invente uma mentira para se safar de uma pergunta mais crítica, a questão não é esclarecida, já que esse modelo não permite interrupções fora do script.
Na quinta-feira, ocorreu um exemplo típico que não teria questionamento por parte dos jornalistas num programa tradicional: o candidato Gasparini insistiu em dizer que a Ceterp (empresa telefônica municipal privatizada em 1999) foi vendida pelo atual ministro Antônio Palocci Filho, prefeito duas vezes na cidade (1993-96 e 2001-2002), e não por Luiz Roberto Jábali (PSDB), que comandou o município de 1997 a 2000 – ou seja, durante o período em que a companhia foi vendida para a espanhola Telefónica. Kajuru replicou: ‘O senhor não vai me convencer. Quem vendeu a Ceterp foi Jábali. Palocci só vendeu suas ações.’
Por esses motivos, Kajuru Liberado foi de longe o melhor programa de TV veiculado com entrevistas ou debates com os candidatos a prefeito de Ribeirão neste ano. Esse título de ‘melhor programa da TV sobre as eleições’ não deve, no entanto, ter grandes comemorações, já que Kajuru também teve seus escorregões, muitos deles por não ter conhecimento da realidade regional – apesar de ter repetido diversas vezes que se preparou muito para as entrevistas. Vamos falar de alguns deles.
Jetons
Na entrevista com Baleia, Kajuru fez perguntas ao peemedebista sobre alguns benefícios que os vereadores de Ribeirão têm e que estão sendo questionados na Justiça. São eles o ‘auxílio-paletó’ – verba extra a que os parlamentares têm direito para comprar paletós – e os jetons. O jornalista da Thathi falou mais sobre o primeiro, mas deixou de explicar ao telespectador o segundo caso, o mais absurdo. Os tais jetons são simplesmente um acréscimo de salário a que os vereadores têm direito sem trabalhar. Isso porque a Câmara local aprovou um projeto que garante que os vereadores ganhem verba extra a cada sessão que os deputados estaduais fizerem na Assembléia. Isso mesmo: os parlamentares trabalham em São Paulo e os vereadores de Ribeirão recebem por isso.
Nos dois casos, os vereadores foram condenados em primeira instância – Baleia Rossi incluído –, mas Kajuru não explorou o episódio dos jetons. Pior: contentou-se com um argumento pobre do peemedebista, que disse: ‘O processo é contra a Câmara, não contra mim’.
Kajuru também não soube explorar uma pergunta da platéia, que questionou Baleia sobre o problema habitacional na cidade. Na campanha eleitoral gratuita, o peemedebista tem criticado a atual administração – do petista Gilberto Maggioni, o vice de Palocci que perdeu as eleições de 3 de outubro – na condução da Cohab (empresa municipal que administra a área na cidade). O candidato se esqueceu de dizer, no entanto, duas coisas: a primeira é que seu partido fez parte da coligação que elegeu Palocci em 2000; além disso, o PMDB (incluindo um irmão de Baleia) comandou a Cohab até 2002. Talvez por desconhecer esses fatos, Kajuru permitiu que o candidato ignorasse a pergunta e fugisse da questão com uma resposta vazia.
Tucano
Com o candidato do PSDB, Kajuru também deixou escapar algumas questões. Um exemplo é o fato de Gasparini ter um passado associado a partidos autoritários. Primeiro, ainda no início dos anos 1960, o tucano pertenceu ao PRP, o partido de Plínio Salgado, líder do movimento integralista dos anos 1930, e que apoiou o golpe de 1964. Depois, já como prefeito, Gasparini foi da Arena, a sigla de sustentação dos governos militares (1964-1985), partido pelo qual foi eleito deputado estadual e prefeito pela segunda vez, em 1973.
Hoje, nas campanhas eleitorais gratuitas e nas entrevistas que dá, Gasparini tenta passar uma imagem de bom moço, destacando sua ‘preocupação democrata-cristã’. Na TV e em Kajuru Liberado, esse passado do candidato foi ignorado. Na imprensa em geral, só a Folha de S.Paulo (10/10) e o jornal A Cidade (7/10), em artigo meu, lembraram esse aspecto da biografia do candidato tucano. Embora Gasparini não tenha tido participação direta em torturas ou qualquer outro ato de repressão, a informação sobre sua filiação a partidos com ideais autoritários pode ser relevante ao eleitor de Ribeirão Preto.
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Jornalista