Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A voz do dono

Quem tem razão? Aquele que prova o que diz. Provar consiste em apresentar fatos e demonstrar o argumento estabelecido com base neles. Muitos se dizem donos da verdade, mas não estão dispostos a se submeter ao teste de consistência do que dizem. O governo Ana Júlia Carepa, por exemplo. Nenhuma administração estadual distribuiu tanto material de propaganda quanto a dela. Todos os dias os jornalistas recebem numerosos press-releases (sem falar nas peças publicitárias encaminhadas às empresas jornalísticas). A assessoria de imprensa do governo do PT é grande e trabalha. Muitos dos textos que ela produz aparecem integralmente na mídia, o que tanto pode ser tomado como prova da qualidade dos assessores quanto de desídia dos profissionais que atuam nas redações (e, mais ainda, dos seus superiores).

Tão pródigo em propagandear o que faz e diz, e de instilar o que lhe interesse através desse bombardeio de noticiário chapa branca, o governo petista é indigente na resposta às denúncias – sobretudo as mais consistentes – feitas contra si e nas respostas aos questionamentos que lhe são feitos de público. Quem vasculhar nos jornais e nos blogs as demandas feitas ao governo e apurar seu atendimento, constatará um déficit monumental. O governo é loquaz, quase boquirroto. Mas detesta crítica, não quer ser incomodado por perguntas inconvenientes.

Podia enfileirar exemplos pessoais. Vou me referir, porém, aos graves questionamentos que o jornalista Paulo Bemerguy fez no seu blog Espaço Aberto sobre o kit escolar que a Secretaria de Educação do Estado distribuiu a um milhão de alunos da rede de ensino sob sua jurisdição (agora intensamente repercutidos pelo Diário do Pará). Durante vários dias o silêncio do governo sobre questão de tal gravidade foi ensurdecedor. As denúncias se sucediam e nenhum sinal de que a grande assessoria governamental as levaria em conta e prestaria os esclarecimentos necessários para repor a verdade. Certamente porque a verdade no Pará foi seqüestrada pelo governo e está em cárcere seguro. Essa presunção forja os ditadores, Mas também responde pelas suas quedas.

Exemplo acabado

Finalmente, quando o deputado oposicionista José Megale cobrou explicações da tribuna da Assembléia Legislativa e um pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito começou a zoar, finalmente a Secretaria de Estado de Educação emitiu uma nota oficial. Respondeu a todas as perguntas feitas, não só por Bemerguy, como por vários outros profissionais? Não. Ignorou os questionamentos concretos e fez uma digressão em abstrato, cheia de declarações de propósitos, mas tangenciando as informações numa linguagem ruim, a depor contra uma secretaria encarregada de zelar pela boa educação de todos.

A principal questão era a contratação de serviços, em valor declarado oficialmente como sendo de 27,8 milhões de reais, sem licitação pública. A iniciativa de fornecer blusas, mochila e material didático (de qualidade aparentemente duvidosa) aos alunos da rede pública é meritória. Mas mérito algum, mesmo o já gasto bordão da ‘educação democrática e de qualidade’, autoriza o governo a passar por cima das exigências da lei, da moral e do zelo pelo dinheiro público. E numa operação tortuosa, provavelmente lançando mão de verba que deveria ter outra destinação, de um agenciador que não foi contratado com tal finalidade, talvez favorecendo uma empresa amiga e indo comprar o produto fora do território paraense. Como o cérebro da ação é uma das cinco agências contratadas para fazer sua publicidade, o governo acha que educação é oportunidade para se promover.

Exemplo acabado de incoerência e mau procedimento, duas das marcas da atual gestão do Estado.

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Plim-plim

No mesmo dia em que a edição anterior deste jornal começou a circular, O Liberal voltou a encartar uma peça publicitária do grupo Y. Yamada. No último sábado, o encarte foi repetido – pequeno, mas fazendo pingar as 30 moedas no caixa do jornal dos Maiorana. Desde então, nenhuma referência sobre a possível crise de liquidez do maior grupo de varejo do Pará, assunto que motivou uma nota do ‘Repórter 70’, menos para informar o distinto público e mais para forçar os Yamada a voltarem a anunciar na casa. Provavelmente por terem o que recear do aprofundamento da questão, os donos da rede de supermercados preferiram voltar a comparecer à tesouraria da Delta Publicidade.

Há indícios de que o fim do funcionamento 24 horas dos supermercados e a adoção de algumas outras medidas de contenção de despesas não se devem à redução nas vendas (que continuaram a crescer, embora em escala menor), mas à combinação de aumento da inadimplência nas operações de crédito e investimentos mais altos do que os previstos (principalmente no Yamada de Castanhal). O capital próprio se tornou escasso e o custo financeiro cresceu. Mas não faltará dinheiro para atender a demanda de empresa jornalística que, quando atendida, prefere esquecer que sua função profissional é bem informar a sociedade – e não só atender aos seus interesses comerciais.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)