Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Governo critica baixos índices de audiência

Desde os anos 1980, ocorrem ocasionalmente movimentos de questionamento da legitimidade do repasse de recursos pelo estado para emissoras públicas. A nova onda no Brasil teve início após a última reunião do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta (FPA), mantenedora da TV Cultura de São Paulo, realizada no dia 16/2. O conselheiro e Secretário de Relações Institucionais do governo de São Paulo, José Henrique Reis Lobo, encaminhou uma carta para os demais membros do órgão na qual questionava, entre outras coisas, a baixa audiência da emissora.


Reis Lobo, que além secretário da gestão Serra é presidente municipal do PSDB de São Paulo, argumenta em carta encaminhada aos outros 46 conselheiros que a ínfima audiência da TV Cultura não justifica os R$ 200 milhões anuais investidos pelo governo do estado na emissora. Ele questionou ainda a capacidade de seus pares em contribuir para a melhoria da TV.


‘O Conselho, da maneira como está organizado, teve a sua importância e a sua contribuição num dado momento da instituição, mas hoje é necessário fazer-se uma grande reflexão sobre as suas competências e a sua constituição’, escreveu. Ele completa ainda dizendo que ‘o Conselho da Cultura é composto de gente séria, competente, que entende de muitos assuntos, mas não de televisão’.


Universo de audiência


O debate sobre a participação na audiência por parte de veículos públicos e não-comerciais é tratado com bastante cautela por estudiosos e gestores destes meios. Jorge da Cunha Lima, um dos três membros vitalícios do Conselho Curador da FPA, apresentou ponderações em sua página eletrônica na internet [veja aqui] às críticas feitas por Reis Lobo.


Na postagem, Cunha Lima afirma que ninguém deseja uma audiência irrelevante, mas que, por outro lado, os critérios de avaliação de uma TV Pública são bem mais complexos do que o número de televisores sintonizados nela. ‘Precisa-se distinguir audiência universal de universo de audiência. Quando trabalhamos com programação segmentada, buscamos universos, assim, quando temos três pontos na programação infantil, na verdade, temos quarenta pontos no universo infantil de telespectadores’, explica.


Para o representante dos funcionários da TV Cultura no Conselho Curador, José Maria Lopes, o governo tem o direito de achar ruim e reclamar dos índices de audiência, ‘pois é ele quem manda o dinheiro para a Fundação’. Contudo, Lopes lembra que o dinheiro, apesar de ser administrado pelo governo, é de toda a sociedade paulistana, e que não é papel da televisão pública competir com a televisão comercial por audiência.


‘O papel da TV pública é diferente. Não temos que competir com a comercial para ter audiência. Eu sou a favor da qualidade. Posso concordar em alguns parâmetros com o Conselheiro Reis Lobo, mas não com tudo. Não vamos cair no jogo de fazer programa para ter audiência rápida’, argumenta Lopes.


Na mesma linha se posiciona Eugênio Bucci, ex-diretor-presidente da Radiobrás, professor da Universidade de São Paulo e membro do Conselho Curador. Para ele, a preocupação com a audiência é justa, mas este assunto em comunicação pública não pode e não deve ser o único critério. ‘Muitas vezes a função do canal público é tornar possível programas que não se realizam nas emissoras comerciais. A pouca audiência nessa situação é justificável porque se determinados programas não forem exibidos nestas emissoras os cidadãos não poderão ver’.


Bucci lembra ainda que nas emissoras comerciais a audiência é tratada como a mercadoria a ser comercializada junto aos anunciantes. ‘Não faz sentido uma emissora pública funcionar no mesmo diapasão. Eu gosto de audiência, mas prefiro que se tenha audiência com a emissora cumprindo a sua função pública’, defende.


Controle governamental


Outra polêmica envolvendo o governo de São Paulo e a TV Cultura foi o contrato de gestão firmado em 8 de dezembro de 2009 para controlar o repasse de verbas ente estatal para a Fundação Padre Anchieta. No acordo, que tem vigência de cinco anos, a Fundação está submetida ao cumprimento de algumas metas para que as verbas sejam repassadas conforme a previsão orçamentária.


Para 2009, estão reservados R$ 18 milhões. Ainda segundo o acordo, a FPA deve aumentar a captação de recursos próprios, para compensar a redução anual dos valores repassados à instituição. Além de aumentar a captação de recursos próprios, a Fundação se comprometeu ainda com a diminuição do espaço destinado à publicidade comercial e com o aumento do espaço destinado a produção independente.


Outra cláusula dá prerrogativas ao governo do estado para direcionar a utilização dos recursos por ele destinados. Segundo matéria da Folha de S.Paulo, publicada em 9 de dezembro de 2008, ‘o convênio estabelece pontuações para cada meta cumprida e estipula uma ‘nota de corte’’. A Fundação, continua a reportagem, ‘precisa atingi-la para ter acesso ao total da verba prevista para investimentos, que será de R$ 18 milhões em 2009, o mesmo valor em 2010 e R$ 15 milhões anualmente entre 2011 e 2013’.


O governo também determina ‘em que o dinheiro será investido, como na modernização da rede elétrica e dos estúdios da TV, na digitalização do arquivo e reforma do teatro Franco Zampari, onde são realizadas gravações da Cultura’, completa o texto.


No final do ano passado, já sob a vigência deste contrato, o governo de São Paulo tentou estabelecer metas para um patamar mínio de audiência e para a diminuição do número de reprises, mas não houve acordo entre com a direção da FPA nesse ponto.


Para o conselheiro Eugênio Bucci, o contrato de gestão como princípio é democrático e representa uma ferramenta importante para controle e transparência da verba pública. ‘O que não pode existir é uma restrição ao dinheiro público necessário para cultura e para comunicação. O discurso do secretário de Cultura do governo de São Paulo, João Sayad, é muito coerente com os princípios que norteiam a as emissoras públicas. Sinto um movimento geral por parte da emissora para criação de ferramentas jurídicas de controle dos gastos públicos’.


A direção da Fundação Padre Anchieta foi contatada pela redação do Observatório do Direito à Comunicação, mas até o momento de fechamento não havia recebido retorno.

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Do Observatório do Direito à Comunicação