Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Catalunha – a euforia separatista poderá virar pesadelo

Expirou nesta segunda-feira, o ultimato do governo espanhol ao governador da Catalunha para saber se houve ou não declaração separatista de independência. Os jornais espanhóis dizem que o catalão Carles Puigdemont deu uma resposta destinada a ganhar tempo para chegar a uma negociação.

Entretanto, o primeiro-ministro Mariano Laroy não irá se contentar com a dúvida criada por uma declaração de independência seguida de uma imediata suspensão dessa declaração, comparada pelo jornal francês Liberation a um coitus interruptus.

Como Puigdemont evitou dar uma resposta clara, a imprensa espanhola fala numa aplicação do artigo 155 de intervenção na Catalunha, na próxima sexta-feira, dia 20, que poderá provocar reações imprevisíveis da Catalunha, por retirar a autonomia da Catalunha e assumir o controle de importantes setores, inclusive da polícia.

A situação voltará, portanto, a ficar tensa, se a Espanha aplicar o artigo 155, que retira a autonomia da Catalunha e assume o controle de importantes setores, inclusive da polícia.

A aventura da proclamação da República Catalã poderá rapidamente se transformar num grande pesadelo e destruir a riqueza atual da região, com a saída de indústrias e bancos, desvalorização da moeda a ser adotada e isolamento. O risco maior é o de choques entre separatistas e fiéis ao governo de Madri.

Embora de origem espanhola pelo lado paterno, a integração dos meus avós imigrantes foi rápida no interior paulista, tanto que meu pai não falava espanhol. E eu mesmo só melhorei meu portunhol no contato com meus colegas latino-americanos, do Serviço de língua espanhola da Rádio da Holanda, em Hilversum.

Embora certos ícones da minha juventude falassem espanhol como Pablo Neruda e Guevara, a consciência dos nossos vizinhos de língua espanhola só me veio no exílio, ao conviver com peruanos, chilenos, espanhóis, como o escritor Manuel Scorza e ao curtir os filmes de Fernando Solanas.

A Catalunha só me apareceu, há mais de trinta anos, quando tentei criar um curso de português na faculdade de Letras da Universidade de Berna. O responsável pelo departamento de línguas latinas descartou minha proposta de maneira muito direta – “aqui só ensinamos o espanhol e o catalão que são as línguas latinas mais importantes”. Levei um susto, nem tentei argumentar, o professor era catalão.

Ainda esta semana, ouvindo um debate pela rádio, fiquei sabendo que nem todos os catalães falam o catalão em casa no seu dia a dia. Em todo caso, quando estive em Barcelona sempre utilizei o espanhol. Me lembro do filme Albergue Espanhol, de Cédric Klapish, reunindo estudantes de diversas nacionalidades, beneficiados com o programa europeu Erasmus, vivendo em colocação, numa república de estudantes, em Barcelona.

No primeiro dia de aula, depois de terem aperfeiçoado seu conhecimento do espanhol, descobriram que os cursos não seriam em espanhol mas em catalão, estavam na Catalunha, cujo idioma era o catalão, lhes informaram os professores.

Me lembro também de uma música de carnaval de minha infância, a marchinha Touradas em Madri onde o sambista conta ter conhecido uma espanhola natural da Catalunha, pelo jeito daquelas bem mandonas, “queria que ele tocasse castanhola e pegasse touro à unha!”

Tudo parece muito engraçado, mas a atual iniciativa de secessão do governo catalão me preocupa. Existe uma certa inconsequência naquela juventude que se manifestou em nome de liberdade, quando a Catalunha não é uma colônia da Espanha, ao contrário é uma das mais ricas regiões espanholas, responsável por 20% do PIB do país.

E justamente esse é um dos principais argumentos utilizados pelos separatistas – o de não quererem continuar enviando parte de sua riqueza para Madri. Em outras palavras, não querem partilhar sua riqueza florescente e crescente com as regiões espanholas menos desenvolvidas. Isso tem um nome – quebra da solidariedade nacional em favor de um egoismo ou nacionalismo local.

A questão é complicada porque os separatistas não são maioria na Catalunha. Mas são ótimos marqueteiros, pois conseguiram entusiasmar a juventude catalã, cansada de uma monarquia careta, em nome de uma independência, na verdade uma fratura dentro de uma União Européia, onde se cultivam as peculiaridades locais das nações ou povos de cada país, mas onde os surtos de nacionalismos não são bem recebidos.

Economicamente, a atual riqueza catalã poderá se desfazer com a partida das grandes indústrias e empresas, como já anunciaram seus dois principais bancos.

A atitude da União Europeia de apoio à Espanha, mostra o isolamento no qual ficará a República Catalã, não reconhecida pelos países europeus e pagando caro com a desvalorização da sua moeda (inicialmente seria um euro-catalão), reduzindo ao mínimo sua fortuna num banco central catalão, obrigado a pagar pesadas dívidas decorrentes da recente crise na qual vivia a Espanha.

Com indústrias, comércio e bancos deixando o país, a Catalunha poderá perder em pouco tempo sua riqueza atual, entrando numa fase de vacas magras, rapidamente rejeitada em agitações sociais pela população contrária à independência e por muitos dos atuais independentistas. Sem apoio internacional, sem empréstimos do FMI ou do Banco Mundial, essa aventura da separação poderá se tornar um pesadelo. O próprio charme de Barcelona poderá diminuir e deixar de atrair os turistas.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.