Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O impacto das fake news no dia a dia do jornalismo

Fake news é um tema que tem sido cada vez mais debatido, especialmente no mundo do jornalismo. De acordo com o jornal britânico The Telegraph, fake news são notícias falsas que podem existir por cinco motivos: com o intuito de enganar o leitor; como uma tomada acidental de partido que leva a uma mentira; com algum objetivo escondido do público, motivado por interesses; com a propagação acidental de fatos enganosos; ou com a intenção de fazer piada e gerar humor.

Embora alguns especialistas, como o jornalista Sérgio Dávila, afirmem que notícias falsas sempre tenham existido, é certo que sua disseminação nunca foi tão intensa quanto é hoje, com as redes sociais.

De acordo com Diego Iraheta, redator-chefe do Huffington Post no Brasil, as redes sociais e o universo informacional do século XXI facilitam o escoamento das notícias enganosas de uma maneira extremamente rápida e eficiente. Assim, com a propagação de reportagens tendenciosas e mentirosas crescendo cada vez mais, a democracia é ameaçada, uma vez que o acesso à informação é um direito do cidadão.

Fábio Zanini, editor da seção “Poder” da Folha de S.Paulo comenta o porquê das fake news terem ganhado importância nos últimos tempos. “Isso foi exacerbado, na minha avaliação, por dois motivos que, na verdade, caminham juntos: primeiro, as redes sociais, que democratizaram muito a geração de informação, o que é uma coisa positiva até certo ponto; e o segundo motivo é uma crescente polarização política em todo o mundo”, disse.

Com isso, o jornalista expressou sua opinião de que as notícias falsas são mais facilmente espalhadas através do Facebook e Twitter, por exemplo, e de que os interesses motivados por posições políticas podem intensificar a criação de fake news, com o objetivo de divulgar informações incorretas para convencer mais pessoas a adotarem um determinado ponto de vista.

Um dos casos mais famosos de fabricação de notícias falsas em todo mundo ocorreu nos Estados Unidos e envolveu um repórter chamado Jayson Blair, que trabalhava para o The New York Times. Depois de meses produzindo matérias recheadas de observações inventadas e entrevistas que nunca aconteceram, Blair se demitiu do Times. Algum tempo depois, a história de Blair virou manchete do próprio jornal em que trabalhava, que dizia: “Repórter do Times que se demitiu deixa longa trilha de enganação”.

Levando em conta também o caso Jayson Blair, muitos especialistas afirmam que a divulgação de fake news é completamente antidemocrática, por privar o cidadão do acesso à informação que lhe é garantido por lei na maior parte das nações democráticas.

Ivan Paganotti, doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e pesquisador do MidiAto/ECA-USP, falou à reportagem sobre os efeitos das fake news nas sociedades democráticas. “Nos dados empíricos que temos sobre isso, é difícil colocar se já houve um impacto palpável sobre a democracia. Porém, a médio e a longo prazo isso cria uma desconfiança nas instituições. Se a gente perde a credibilidade nos meios de comunicação, que são um elemento importante na hora de compor a nossa democracia pelo fato de a esfera pública ser intermediada por esses meios, pelos quais os cidadãos se informam, estará sendo erodida uma parte importante da democracia. Isso vale também para os meios alternativos, como blogs e meios satíricos”, afirma.

No entanto, existem profissionais com uma perspectiva mais otimista. Eliane Scardovelli, repórter da Rede Globo, acredita que a disseminação de notícias falsas pode influenciar positivamente na postura dos jornalistas. “Eu penso que essa é uma grande oportunidade de a gente rever as nossas próprias práticas e tomar um cuidado redobrado em relação à apuração. Então, o bom jornalismo — que é o que vai atrás, que checa, e que não é declaratório, o jornalismo que comprova com dados e com fatos o que está acontecendo — é o jornalismo que ganha importância frente a essa onda fake news. Essa é uma oportunidade que nós, jornalistas, temos para mostrar que existem versões com respaldo na realidade. No fim das contas, acho que o que está acontecendo pode ter o efeito benéfico de estarmos sendo mais conscientes em relação às nossas práticas”, diz.

Martin Baron em palestra na Universidade de Navarra. (Foto: Arquivo/Universidade de Navarra)

A difusão das fake news está associada a emergência da expressão pós-verdade. Martin Baron, editor executivo do jornal americano The Washington Post e jornalista retratado no filme vencedor do Oscar em 2016 “Spotlight: Segredos Revelados”, comentou o que julga ser a pior consequência trazida pelo universo da pós-verdade. “Bom, o problema real é se nós tivermos muito trabalho para obter os fatos e as pessoas não acreditarem neles. Se nós tivermos investido muitos recursos, tempo e dinheiro tentando encontrar os fatos e então as pessoas simplesmente os rejeitarem porque eles não concordam com as conclusões. Então essa é uma preocupação real com qualquer notícia agora. Que nós façamos o trabalho e então as pessoas automaticamente o rejeitem por não se encaixar no seu próprio ponto de vista preexistente”, constata.

Portanto, percebe-se que tanto as fake news quanto a pós-verdade podem trazer danos as mais diferente instituições, pessoas e direitos. Jornalistas, mais do que qualquer outra classe, devem redobrar os cuidados com o que produzem e publicam.

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Sabrina Brito é estudante de Jornalismo na USP.