Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Por que os institutos de pesquisa erraram tanto?

Nas eleições municipais de São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente, ocorreu um fenômeno atípico. Renomados institutos de pesquisa, como Ibope e DataFolha, apresentaram considerável divergência em relação aos resultados das urnas pelos candidatos José Serra e César Maia, cada um em seus respectivos pleitos, nas duas maiores cidades do Brasil. Os candidatos concorrentes não apresentaram tais variações, coincidindo com as previsões dos institutos.

Por quê? Em que se basearam as pesquisas dos institutos no dia anterior às eleições de primeiro turno em São Paulo, que mostravam empate técnico entre Serra e Marta, e no Rio de Janeiro, onde o candidato Maia enfrentava forte queda nos últimos dias, com 41% das intenções de voto no dia 2/10/2004? Como se deu tal inversão em 24 horas? César Maia foi eleito com pouco mais de 50% dos votos válidos e José Serra saltou dos 35%/37% das pesquisas, para 43,5% das urnas?

Os institutos erraram por não terem levado em conta o fenômeno da internet nos grandes centros urbanos. O poder e a capacidade de fluir a informação faz hoje da internet um veículo de extrema relevância, principalmente quando se trata das classes média e média alta da população. Poderíamos perguntar, mas que fenômeno foi esse na internet que poderia ter causado tal variação?

Na verdade, foi a internet combinada a outros fatores.

É sabido amplamente que boa parte da população jovem, principalmente das classes citadas, é alienada. É uma boa leva de jovens que vem aí com preparo inadequado do ponto de vista de coletividade e cidadania. Combinado a isso, temos que o segundo turno das eleições municipais ocorrerá em 31/10/2004, também domingo, mas no meio de um feriado prolongado (Finados, terça-feira, 2/11/2004).

Pelo menos duas semanas antes das eleições correram pela internet mensagens convocando o eleitor a votar em São Paulo no candidato tucano, José Serra, e no Rio de Janeiro, em César Maia, ‘para não perdermos o privilégio de uma ponte de quatro dias de descanso, afinal todos nós merecemos…’.

O imponderável, o inexplicável

Ora, realmente, para quem curte não fazer muita coisa, associado ao consumo de cervejas, quitutes, sexo, drogas e dar uma ‘vagabundada’, nada mais que perfeito, motivo justo, termos mais um fim de semana prolongado. Vejamos: quem está na frente das pesquisas? É nele que votamos, e pronto. Afinal, político é político, qual a diferença entre eles? Todos são safados e sem-vergonha. Um pelo outro, valem mais os quatro dias de descanso.

Ou seja, avaliação crítica, ver os programas de governo, o histórico de cada candidato, seus apoios, entrevistas, debates etc., tudo perda de tempo, conversa pra boi dormir. Propaganda eleitoral, poluição visual nas cidades, carreatas, comícios, showmícios, boca de urna etc., pura bobagem, inutilidades, nulidades. E não foi diferente em Belo Horizonte em outras capitais, em menor intensidade, pois muitos buscaram seu próprio gozo acima de pensarem, refletirem sobre suas cidades, ou em política, ou na cidadania, ou no coletivo.

E como não poderia deixar de acontecer, aí aparecem os cientistas políticos de plantão para filosofar sobre o imponderável, o inexplicável, acompanhados de jornalistas e âncoras renomados. Pelas suas análises podemos, quem sabe, chegar a entender esses fenômenos surpreendentes, variações que nem os renomados institutos de pesquisa puderam. Daqui a pouco os institutos vão fazer suas pesquisas com variações de +/- 10% para não errarem. Muitos cientistas políticos, jornalistas, âncoras e donos de institutos de pesquisa têm em seus próprios lares jovens com características comportamentais que se enquadram nos anteriormente descritos.

Algumas sugestões

A diferença de aproximadamente 450 mil votos a mais entre Serra e Marta, e a subida inesperada de César Maia, com mais de 250 mil votos, demonstra claramente este fenômeno, sem nenhuma previsibilidade. Liberdade e democracia são coisas totalmente distintas de libertagem.

A combinação entre a divulgação antecipada e contínua de pesquisas de intenção de voto, a internet, massas de população jovem sem a devida preparação social e cidadã e consciência política para o correto engajamento em eleições e a possibilidade de um feriado combinado com fim de semana prolongado, podem produzir cenários inusitados. Os diplomas emoldurados nas paredes podem ir para o lixo.

O que reforça essa tese são os resultados em várias outras regiões do Brasil, onde claramente havia muito mais equilíbrio entre muitos candidatos, ocorrendo uma pulverização mais ampla entre os votos. E esses locais são justamente aqueles em que a influência da internet é menor. Basta ver a proporção de resultados em primeiro turno e a polarização entre dois candidatos nas capitais e municípios com mais de 200 mil habitantes, e o mesmo nas demais cidades. Portanto:

1) As autoridades responsáveis, TRE e o governo federal, devem sempre buscar realizar eleições em fins de semana sem pontes e em épocas plenas de grade escolar corrente. 2) Proibir a divulgação de pesquisas de intenção de voto em jornais, revistas, canais de TV, rádios e internet. As pesquisas devem ser de uso restrito dos partidos políticos e seus candidatos. 3) Para o público em geral, as pesquisas devem ser disponibilizadas pelos escritórios regionais do TRE, com apresentação de carteira de identidade, comprovante de residência, preenchimento de formulário padrão/cadastral, explicitando por escrito para qual uso, ou fim está sendo solicitado. 4) Qualquer divulgação de pesquisa pelos TREs não deve conter o nome do instituto responsável.

Nova onda

É lamentável, chega a ser ridículo, imaginar que um país, um povo, uma nação como Brasil, que busca depois de 504 anos se firmar como potência democrática e emergente, lutando para conquistar seu merecido espaço no cenário internacional, tenha de enfrentar um ultraje dessa monta, justamente em seu sufrágio universal doméstico.

Realmente, com esse fenômeno, vem à tona algo muito sério e preocupante. Existem vários ‘Brasis’ dentro do próprio Brasil. A família demonstra claramente seu enfraquecimento como principal instrumento de formação de cidadãos nos grandes centros urbanos. Nos grandes centros urbanos, muitos pais e cidadãos devem reavaliar seus valores e princípios. O que realmente deve importar nas nossas vidas como legado para as próximas gerações? Onde, na atual conjuntura de dita ‘modernidade’ e avanço frenético do nível de informação pasteurizada, cabe frisarmos cidadania, civismo, responsabilidade social, senso político e critérios coletivos nas nossas escolhas? Que Brasil temos, que Brasil queremos?

Aqueles que sempre contaram com instrumentos de controle das massas, estes sim, devem estar planejando novas estratégias de contingenciamento para enfrentar a nova onda. E aí sua instrumentalização passa de maneira inequívoca pela grande mídia.

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Engenheiro, São Paulo