Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tobias Barreto e o exercício da autocrítica

Servindo-se de uma passagem do texto de Tobias Barreto, Política da Escada¹ (1875), Astrojildo Pereira, mesmo sabendo que Tobias não era marxista, percebeu a importância do Partido ao fazer a crítica e autocrítica, com o objetivo de se corrigir, no entanto o Partido Liberal não seguiu os conselhos de Tobias Barreto:

Tobias Barreto de Meneses (1839-1889) foi um filósofo, poeta, crítico e jurista brasileiro.

“Só os partidos realmente progressistas revolucionários, ligados às massas populares possuem essa coragem de reconhecer e analisar publicamente os próprios erros. São partidos que representam o “novo” em ascensão e necessitam obviamente de depurar-se do “velho” que persiste em sua ideologia sua orientação e seu comportamento perante as massas”.²

Em 1877 Tobias Barreto pronunciou na fundação do Club Popular, de Escada, por ele organizado Um Discurso de mangas de Camisa, onde, como bom observador da realidade, ousou uma clara linguagem de luta de classe: “É certo que a nossa população se acha dividida não somente em classes, mas até em castas. E não só em castas sociais, como também em castas políticas, quais são sem dúvida os dois partidos que se disputam no poder, dos quais o domínio de um é equivalente à perseguição do outro, modificada apenas pela infâmia dos renegados e dos trânsfugas”.³

A verdade é que os intelectuais brasileiros da época ignoravam Marx, ou então tinham dele uma visão superficial e preconceituosa. Rui Barbosa (1849-1923) político brasileiro citou-o em 1884 incluindo-o erroneamente ao lado de Proudhon, Saint-Simon e Henry George. Outro intelectual cearense Clóvis Bevilacqua (1859-1944) equipara a posição de Karl Marx à do socialista alemão de Ferdinand Lassalle (1825-1864), que foi profundamente influenciado por Hegel. Em 1894 outro sergipano lagartense Silvio Romero (1851-1914), pensador, crítico, ensaísta e primeiro historiador sistemático da literatura brasileira, notável a sua contribuição no campo da historiografia literária, que, a partir dele, passou a influenciar novos métodos de análise crítica com base, sobretudo no levantamento sociológico, acusava a Internacional de Marx, de hesitar “entre o utopismo e o despotismo”, provavelmente não dominava a matéria, pois Marx morre em 1883, ou seja, onze anos antes.

Vejamos o artigo Lenin e Tobias Barreto de Astrojildo Pereira publicado na Folha Popular, Ano III, nº 109, 1956:

Está evidenciado que o culto à personalidade resulta, teoricamente, de falsas concepções sobre o papel do individuo na história. Mas resulta ao mesmo tempo, de concepções igualmente falsas sobre a natureza, a composição e o comportamento dos partidos marxistas. E quando verificamos que semelhantes concepções de todo em todo estranha ao marxismo não só permaneceram como ainda se desenvolveram, durante anos e anos no movimento comunista mundial, é que podemos avaliar em toda sua plenitude como de velhas concepções ideológicas dentro de cada um de nós, mesmos daqueles impregnados de nova ideologia revolucionária.

Compreendendo isto claramente é que chegamos também em profundidade a importância fundamental da crítica da autocrítica. O princípio da crítica e autocrítica, que Lenin, definiu exatidão, impões-se cada vez mais aguadamente como um princípio vital para o desenvolvimento dos partidos comunistas e operários, como um método permanente de depuração e revitalização ideológica, e por conseguinte como condição elementar para o fortalecimento dos partidos.

Mediante o exercício in dormindo da crítica e autocrítica, partindo sempre de concepções ideológicas e posição de principio definidas, é que os partidos de vanguarda podem elaborar e aplicar com vantagem uma linha política, devidamente ajustada à variabilidade das condições concretas existentes. E só assim os partidos que reclamam o apoio das massas podem merecer a confiança destas massas, que amam acima de tudo a verdade simples, pura, luminosa.

Ocorre-me, a esta altura, certa passagem de um velho artigo de Tobias Barreto sobre o problema político da crítica e autocrítica. De Tobias Barreto em pessoa, lá pelo ano da graça de 1875. O publicista sergipano não empregava, na passagem a que me refiro as palavras “crítica” e “autocrítica” mas dizia a mesma coisa por outras palavras. Eis aqui:

“As classes, os partidos de qualquer ordem são como os indivíduos: desde que não fazem eles mesmos o seu exame de consciência, não reconhecem se dispõem a mudar de rumo, de norma de conduta, é baldado todo o esforço que por ventura se empregue para dirigi-los pela reta senda. Enquanto pois o liberalismo não confessar-se tocado de inúmeros vícios, e refletindo sobre eles, não tomar de modo emendar-se nada será conseguido” (Política da Escada, artigo de fundo publicado na Comarca da Escada em 1875).

Tobias, pensador arguto, espírito aberto ao novo, já compreendia perfeitamente em seu tempo, que o “exame da consciência” ou seja a crítica e autocrítica, e indispensável a um partido político que pretende trilhar a reta ainda e que, reconhecendo os próprios vícios, examina-os em público com a determinação de emendar-se. O partido liberal, a que se filiava o articulista, não seguiu os seus conselhos, não fez nenhum exame de consciência, e essa, uma das razões porque se degradaria de mais em mais perante a opinião pública, a ponto de pouco se diferenciar do partido conservador rival, ambos mergulhados no mesmo charco, e juntos perecendo sob os escombros da monarquia.

Aliás, só os partidos realmente progressistas revolucionários, ligados as massas populares possuem essa coragem de reconhecer e analisar publicamente os próprios erros. São partidos que representam o “novo” em ascensão e necessitam obviamente de depurar-se do “velho” que persiste em sua ideologia sua orientação e seu comportamento perante só os partidos operários comunistas e socialistas se enquadram nessa categoria.

Quanto à observação de Tobias Barreto, devemos salientar o fato de possuirmos na história política brasileira, um publicista pensador eminente que no passado soube levantar, em termos tão claros e justos, o problema político da crítica e autocrítica. O nosso Partido, que pretende representar, hoje, o que há de mais progressista nas aspirações do povo brasileiro e que assim mesmo não vem fazer em público o seu “exame de consciência”, retoma a palavra de Tobias e resolver na prática, ousadamente, o problema de ética partidária que o famoso polemista colocou no debate da política nacional, há mais de 80 anos, suponho que pela primeira vez em nossa história.

Buscando estabelecer uma possível relação entre a teoria leninista da crítica e autocrítica o pensamento expresso pelo publicista brasileiro sobre o mesmo problema, sou levado a considerar outro aspecto da questão — o de saber se há ou se pode haver alguma forma brasileira de exercício da crítica e autocrítica.

Examinaremos o assunto na próxima vez.

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Gil Francisco é jornalista, pesquisador e professor universitário.

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Notas:
1. Crítica Política e Social, Tobias Barreto (Obras completas), org. Luiz Antonio Barreto. Aracaju, Editora Diário Oficial. Rio de Janeiro, Solomon Editores, 2013.

2. Folha Popular. Aracaju, 1º de dezembro, Ano II, n° 109, 1956.

3. Crítica Política e Social, Tobias Barreto (Obras Completas), org. Luiz Antonio Barreto. Aracaju, Editora Diário Oficial. Rio de Janeiro. Solomon Editores, 2013.