O aniversário de vinte anos da web foi o tema do Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (24/3) pela TV Brasil. O sistema que revolucionou o mundo das comunicações foi criado pelo físico e cientista de computação britânico Tim Berners-Lee. Em 1989, Berners-Lee trabalhava em um centro de pesquisas europeu dedicado ao estudo de partículas e desejava integrar cientistas em diferentes partes do mundo que usavam sistemas de computadores distintos. Em dois anos, a rede foi ampliada e chegou aos usuários comuns. Duas décadas depois, o sistema virtual atinge cerca de 35% da população mundial.
No estúdio do Rio de Janeiro, Alberto Dines recebeu dois convidados. Marcello Póvoa, sócio e diretor-executivo de uma empresa de marketing digital e que foi diretor do portal Globo.com, onde atuou nas áreas de estratégia e operação; e a jornalista Cora Rónai, que projetou e lançou o ‘Informática etc.’ – hoje Revista Digital, o suplemento de tecnologia do jornal O Globo. Em São Paulo, o programa contou com a presença de Débora Fortes, diretora de Redação da revista INFO. Especialista no mercado de tecnologia, a jornalista também é formada em Economia pela Universidade de São Paulo e mantém um blog sobre tecnologia sem fio no site da revista.
Antes do debate ao vivo, Dines comentou as notícias de destaque nos últimos dias [ver abaixo]. O primeiro assunto da coluna ‘A Mídia na Semana’ foi a morte de Jade Goody, ex-participante do Big Brother inglês, ocorrida no domingo (22/3). Jade ganhou fama a partir de 2002, quando começou a participar das edições do reality show. Ao descobrir o câncer, Jade expôs sua intimidade na mídia e faturou com a comercialização de notícias exclusivas sobre a doença. ‘Para o primeiro ministro, Gordon Brown, Jade foi um exemplo de determinação. Para a mídia inglesa foi uma heroína.’, avaliou Dines.
O segundo tema da seção foi a liberação das atas das reuniões do Conselho de Segurança Nacional (CSN). Os arquivos secretos estão disponíveis para consultas na internet e nas sedes do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e de Brasília. O CSN foi criado em 1937 pelo ex-presidente Getúlio Vargas e ganhou força após o golpe militar de 1964. ‘Os jornais já começam a fazer a festa, os historiadores têm munição para algumas décadas. O episódio que primeiro chamou a atenção foi a discussão sobre o AI-5 em 1968. Enquanto os ministros militares pediam rigor contra os subversivos, o presidente Costa e Silva preferia `errar pela tolerância´’, disse Dines.
O futuro do jornalismo impresso
No editorial do programa [íntegra abaixo], Dines comentou que para alguns ‘profetas’ o jornalismo virtual acabará com o jornalismo impresso, mas que esta é uma análise apressada dos fatos. ‘O ser humano não abre mão daquilo que lhe convém. E a imprensa está associada a todos os avanços políticos dos últimos dois séculos’, avaliou. Dines destacou que o crescimento da internet é vertiginoso mesmo depois de ter enfrentado duas ‘bolhas’, mas que a rede vive um impasse similar ao do jornalismo impresso: cobrar ou não pelo seu conteúdo.
O jornalista e escritor Caio Túlio Costa concedeu uma entrevista ao Observatório na qual explicou que a internet estava restrita às universidades, funcionava como um meio de troca de saber acadêmico até a criação do browser. A partir daí, a rede ‘ganhou uma face gráfica muito mais fácil de ser entendida’, na qual os usuários comuns podiam navegar de forma totalmente intuitiva. Sobre a penetração da rede de computadores no Brasil, Caio Túlio disse que o país é campeão de consumo de internet, cerca de 24 horas por mês por pessoa conectada, mas que a penetração ainda é baixa. ‘O desafio de trazer para a rede este enorme contingente da população brasileira que não têm acesso à internet pertence a toda a sociedade brasileira’, afirmou.
No debate ao vivo, Dines perguntou a Cora Rónai se o jornalismo impresso está condenado a tornar-se obsoleto daqui cerca de três décadas, como avaliam estudiosos da mídia. A jornalista afirmou que, no futuro, é possível que não exista mais a impressão no suporte ‘papel’ como o usado hoje, mas sim em ‘papel eletrônico’. No entanto, o processo ocorreria somente em um futuro distante. Cora Rónai ressaltou que mesmo o papel eletrônico precisa de diagramadores e de jornalistas que coloquem o conteúdo no ar – e por isso está ‘sossegada’. ‘Eu não vendo papel, vendo notícia’, disse. Neta de livreiro e filha do tradutor Paulo Rónai, a jornalista confessou ser ‘viciada em papel’. Os livros eletrônicos combinam com conteúdos técnicos, que precisam de atualização constante. Os demais estilos, sobretudo as obras literárias, com suas edições e encadernações especiais, continuam precisando do papel impresso.
Abrir ou não o conteúdo na internet?
O dilema de liberar o acesso aos sites de informação ou cobrar pela notícia foi analisado no debate ao vivo. Marcello Póvoa explicou que a discussão sobre o modelo econômico da rede não é recente. As empresas jornalísticas ‘andaram literalmente 360º’ no mundo virtual. Começaram a atuar na rede com um modelo aberto; em um segundo momento, passaram a permitir o acesso apenas aos assinantes pagos; hoje, muitas publicações, como o diário econômico americano Wall Street Journal, voltaram a abrir o conteúdo na internet. Póvoa destacou que não há uma conclusão sobre o melhor modelo a ser adotado, o meio ainda é embrionário.
Como qualquer iniciativa comercial, as empresas de conteúdo na rede precisam ‘pagar as contas no final do mês’. Póvoa explicou que as operações na internet estão se tornando cada vez mais caras porque os fundamentos de tecnologia de serviço sofisticam-se constantemente. E o usuário está mais exigente com a qualidade dos produtos oferecidos pela rede mundial de computadores. ‘Nós temos operações maiores, mais complexas e mais caras. Há que se monetizar isso. O cerne da questão é o modelo que será adotado’, disse.
Dines pediu para Débora Fortes informar a quantidade de revistas INFO vendida nas bancas e o número de acessos ao site da publicação. A jornalista explicou que são vendidos cerca de 135 mil exemplares por mês, enquanto o número de acessos únicos ao site da INFO gira em torno de 2,3 milhões mensais. Mesmo considerando que uma revista é lida, em média, por quatro pessoas, a internet leva vantagem. O conteúdo é totalmente gratuito e o impresso gera um custo para o consumidor. Débora Fortes disse que os leitores das duas mídias ainda são distintos – a maioria dos que acessam o site não compram a revista – e é preciso diferenciar a informação para cada veículo. O site é factual, noticioso, enquanto o impresso é mais denso e analítico.
O leitor quer ter voz na rede
‘Nós estamos falando de duas espécies diferentes, e quem ainda não percebeu isso vai dançar na internet’, avaliou Cora Rónai. Outra diferença entre os leitores de sites e de publicações impressas é a questão da interatividade. Os usuários da rede irritam-se quando o site não oferece um canal onde possam opinar e debater com outros internautas. ‘Parece que há algo errado com a informação’, disse. A notícia pela internet deve ser curta porque atualmente muitas pessoas já acessam a rede através de telefones celulares. ‘Você não está sempre sentado à frente do computador’, comentou a colunista de O Globo.
Para Marcello Póvoa, a relação entre a mídia impressa e a internet não deve ser de ‘canibalismo’, mas de ‘simbiose’. Cada mídia deve focar em seu ponto forte e não deve imaginar que irá se sobrepor à outra. A mídia impressa tende a voltar-se para o conteúdo mais profundo, enquanto a rede de computadores oferece mais serviços. Diversos jornais no mundo já separam seus canais impressos dos virtuais e, para Póvoa, este modelo deve configurar-se como o mais viável.
Outra questão debatida no Observatório foi a busca frenética por novas tecnologias, principalmente entre os consumidores mais jovens. Dines pediu para Débora Fortes comentar o ‘medo de ficar obsoleto’ e a convivência entre as diferentes tecnologias que surgem com o passar do tempo. ‘Tecnologia é vício’, avaliou a diretora de Redação da INFO. Novos recursos aparecem rapidamente e o telefone celular é um bom exemplo dessa tendência. Débora destacou que, no futuro, a informação estará cada vez mais ‘espalhada’. Hoje, já está disponível nos aparelhos de celular; mais adiante, outros dispositivos também permitirão o acesso à rede.
Anonimato, uma praga da internet
A interatividade proporcionada pela rede tem seu lado negativo. Dines destacou que, muitas vezes, os comentários postados por internautas são agressivos e até virulentos. Marcello Póvoa comentou que a falta de ponderação afasta a audiência dos sites e apontou como solução para o problema a adoção de filtros humanos, como já ocorre em diversas páginas na rede. Mas, como a internet cresce em escala, o mecanismo tende a tornar-se inoperante. O desenvolvimento de sistemas com entendimento semântico livraria a rede das ofensas em espaços de opinião.
Débora Fortes concordou que o filtro semântico poderá ser uma solução e explicou que o site da INFO possui um ‘gestor de comunidades’, que retira do ar, imediatamente, qualquer comentário inadequado ou mensagens de spam. Cora Rónai considera que o anonimato na rede está caminhando para o fim. A maioria dos sites de notícias nos Estados Unidos exige que os usuários preencham um cadastro para postar comentários, uma solução ‘fácil e barata’. Para manter um bom nível das participações dos leitores em seu blog, Cora adota um critério simples: só publica uma opinião que seria aprovada pelos critérios de um jornal impresso.
Os participantes discutiram a responsabilidade pelo que é publicado na internet. Marcello Póvoa advertiu que esta é uma questão jurídica que precisa ser regulamentada. Se o cidadão precisa se identificar no mundo físico, não pode se esconder no ambiente virtual. Ao traçar um paralelo com a mídia impressa, disse: ‘No papel há livros como o Novo Testamento, que pregam o bem, sendo impressos, e no mesmo papel está impresso o Mein Kampf, de Adolf Hitler. Mas não é por isso que você condena Gutenberg pelos crimes do nazismo’. A mesma discussão sobre o ‘ culpado’ – quem cometeu o crime ou quem está provendo o meio para isso acontecer – permeia a internet. Dines ponderou que o editor também é responsável por aquilo que publica.
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Jogo de soma positiva
Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TVnº 495, exibido em 24/3/2009
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Entre a invenção de Gutenberg e o primeiro periódico impresso tivemos que esperar cerca de 150 anos. Nos 400 anos seguintes, o jornalismo impresso enfrentou enormes desafios tecnológicos e políticos. Venceu todos. Principalmente contra o cinema, o rádio e a televisão.
A rede mundial de computadores completou agora seus primeiros 20 anos e alguns profetas já decretaram que o jornalismo virtual está fadado a acabar com o jornalismo impresso.
Esta é uma forma apressada de examinar a história da humanidade. Os confrontos e choques geralmente são resolvidos pelas sínteses. O ser humano não abre mão daquilo que lhe convém. E a imprensa está associada a todos os avanços políticos dos últimos dois séculos, a começar pela revolução americana, francesa e o Iluminismo.
Apesar do crescimento vertiginoso da internet, ela parece triunfar principalmente como tecnologia de comunicação, ferramenta de participação e inclusão, prestadora de serviços. Ela já passou por duas bolhas e agora está num impasse não menos grave do que aquele que envolve a mídia impressa: se a rede continua entregando todo o seu conteúdo graciosamente ela não terá como subsistir e, se cobrar, perderá a vantagem do acesso irrestrito.
Este é um bom combate, porque está no início; jamais terá ganhadores e todos se beneficiarão.
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A mídia na semana
** Acabou o espetáculo, Jade Goody morreu. A vedete do Big Brother inglês celebrizou-se pelas grosserias mas nos píncaros da fama descobriu que sofria de um câncer no colo do útero espalhado pelo organismo e incurável. Resolveu comercializar a sua intimidade, o sofrimento, a agonia e os funerais. Não queria que os filhos repetissem a miséria da sua infância. Cada episódio da sua vida tornou-se objeto de uma exclusividade, ganhou fortunas e ensinou às mulheres inglesas que deveriam cuidar-se, fazer exames periódicos. Para o primeiro-ministro Gordon Brown, Jade foi um exemplo de determinação. Para a mídia inglesa foi uma heroína.
** O governo federal liberou ontem [23/3] 3.500 páginas com as atas do infame Conselho de Segurança Nacional, criado em 1937 pelo Estado Novo de Getúlio Vargas. Os jornais já começam a fazer a festa, os historiadores têm munição para algumas décadas. O episódio que primeiro chamou a atenção foi a discussão sobre o AI-5, em 1968. Enquanto os ministros militares pediam rigor contra os subversivos, o presidente Costa e Silva preferia ‘errar pela tolerância’. Na véspera dos 45 anos do golpe militar, vai esquentar o debate sobre ditadura e ditabranda.
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Jornalista