Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Safra encalhada, PAC atolado e confusão de números

É fim de março, tempo de colheita no Centro-Sul, e a maior parte da imprensa continua cobrindo o agronegócio com cerimoniosa distância, como se o Brasil não fosse um dos maiores produtores de alimentos e o saldo comercial não dependesse, mais do que nunca, da exportação de produtos como soja e carnes. Por isso, a grande e boa surpresa do fim de semana foi a manchete da Folha de S.Paulo: ‘Colapso do transporte ameaça o agronegócio’. Matéria robusta, feita de corpo presente pelo repórter Agnaldo Brito, enviado especial ao Centro-Oeste. Percorreu 2.470 quilômetros de rodovias federais para ver os problemas e contar sua história aos leitores.

A matéria remete, naturalmente, à semi-paralisia do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, anunciou obras na região há oito meses, mas a promessa ficou no papel. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) passa a responsabilidade à burocracia do governo.

No mesmo dia, domingo (22/3), o Estado de S.Paulo cuidou dos entraves burocráticos e citou o diretor do Dnit, Luiz Antônio Pagot, encarregado de investir R$ 9,6 bilhões em 2008. ‘Consideraria um sucesso absoluto se eu conseguisse chegar a R$ 6 bilhões’, disse o diretor. A matéria relaciona vários tipos de entraves, mas um caso merece menção honrosa.

História difícil de entender

O governo planejou duplicar a rodovia BR-222, no Ceará, entre Caucaia e Pecém. Cerca de 300 famílias decidiram instalar-se nas margens da estrada. Dezesseis dessas famílias são indígenas. O Ibama, para conceder a licença ambiental, exige uma autorização da Funai e a Funai pede um estudo antropológico. Obter licenças é a atividade de 420 dos 3.011 funcionários do Dnit, segundo a matéria.

A crise continua dominando o noticiário econômico, naturalmente. O material é farto, mas a leitura nem sempre é fácil. Quem lê pelo menos dois jornais por dia deve ter ficado perplexo em duas ou três ocasiões, nos últimos dias. Exemplo: o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, decidiu jogar mais uma pá de dinheiro no mercado, em nova tentativa de reanimar a economia. Os jornais noticiaram US$ 1,15 trilhão, US$ 1,25 trilhão ou simplesmente ‘mais de US$ 1 trilhão’.

O problema principal, nesse caso, não é a menção a US$ 100 bilhões a mais ou a menos. Nesta altura, uma centena de bilhões de dólares já parece troco. Difícil foi entender a arrumação das parcelas mencionadas nas várias matérias. A melhor solução para matar a curiosidade foi a consulta à informação original no site do Fed.

A novidade imediata é a seguinte: US$ 300 bilhões para comprar títulos do Tesouro, para ‘melhorar as condições do crédito nos mercados privados’; US$ 750 bilhões para recolher papéis lastreados em hipotecas imobiliárias; e US$ 100 bilhões para outros papéis de agências financiadoras de imóveis. Total, US$ 1,15 trilhão. Segundo ponto: com aqueles US$ 750 bilhões, o total gasto em papéis lastreados em hipotecas chegará a US$ 1,25 trilhão. Foi uma dureza entender essa história tal como apresentada nos jornais.

Pacote habitacional

Leitor de mais de um jornal também penou para juntar as informações sobre a reunião da ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, com sindicalistas, em Brasília. Segundo o Estado de S.Paulo (21/3), o governo pode estender de 2010 para 2011 o prazo para alcançar a anunciada meta de construir 1 milhão de habitações. Isso poderá ocorrer, segundo participantes do encontro, apesar do compromisso do governo de reduzir o tempo médio de construção de 33 para 11 meses. Problema? Burocracia.

Título de alto de página publicado na Folha de S.Paulo no mesmo dia: ‘Moradia sairá em 11 meses, diz Dilma’. Nesta matéria, o tempo médio das obras cairá de 36 (não 33) para 11 meses. Segundo a ministra, citada por sindicalistas, haverá desburocratização de licenças ambientais e redução do tempo dos trâmites cartoriais.

No Globo, no mesmo sábado (21), nenhuma referência a prazos na matéria sobre o estímulo à construção. Mas a matéria trouxe informações interessantes sobre o financiamento do pacote habitacional. Para aumentar os subsídios do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) aos compradores, o governo terá de propor a revogação ou mudança de uma norma criada pelos conselheiros. Por essa norma, os subsídios são vinculados ao resultado do Fundo no ano anterior.

O governo pretende obter R$ 12 bilhões para subsídios, desembolsados em três parcelas anuais de R$ 4 bilhões. Decisão complicada porque o desemprego já afeta as contas do FGTS, com saques em alta e contribuições em baixa. O assunto tem sido pouco discutido na imprensa e a matéria do Globo mostrou um filão importante.

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Jornalista