Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ernesto Rodrigues

‘A narração, ao longo de décadas, foi o principal recurso de linguagem dos documentários. Só que ela foi usada de forma tão intensa e indiscriminada que outros elementos importantes da gramática audiovisual como as falas, o som ambiente em estado puro, as seqüências ‘naturalistas’ de imagem, a edição em tempo quase real e a interferência discreta ou inexistente do montador jamais puderam ser explorados em todo o seu potencial.

De alguns anos para cá, no entanto, a situação se inverteu radicalmente. O que foi uma saudável ruptura com o antigo e surrado formato de documentário narrado hoje se transformou em uma danosa distorção: o expurgo prévio e automático da narração e das vantagens que ela oferece em termos de linearidade, ritmo e clareza informativa.

A maior parte dos documentários brasileiros atuais, qualquer que seja o tema, a qualidade da produção ou o público ao qual ele seja destinado, não tem narração. Poucos, porém, se sustentam em termos de linguagem cinematográfica. Ainda que contenham bons depoimentos, imagens bem captadas, trilhas sonoras competentes, produção sólida e argumentos atraentes, eles resultam, muitas vezes, em empilhamentos frouxos de falas e seqüências quase brutas de imagens. Esta certamente é uma das razões pelas quais a maioria absoluta desses documentários não é considerada competitiva para o circuito de exibição voltado para o chamado grande público.

Quando esses documentários chegam a outro tipo de grande público que é o da TV aberta, como acontece em várias ‘janelas’ generosamente abertas para eles na grade da TV Cultura, a falta de competitividade, em vez de diminuir, aumenta ainda mais. Afinal, ao ser exibido na telinha, o documentário não pode contar com os benefícios do ambiente silencioso e concentrado da sala de cinema, do compromisso do público com a obra, e da disciplina e do investimento voluntário de tempo que todos fazemos quando pagamos ingresso para entrar em uma sala de cinema.

O ambiente físico e comportamental no qual a comunicação pela TV se processa é muito diferente, mais barulhento e cheio de estímulos simultâneos que só conspiram para tirar nossos olhos da tela. Portanto, com todo respeito aos nossos documentaristas, para aumentar um pouco mais as chances de seus filmes serem percebidos nesse ambiente naturalmente ‘competitivo’, não seria má idéia pensar com mais carinho – e menos preconceito – no uso da velha e boa ferramenta da narração.

Altos e baixos da semana

Conheça os pontos positivos e negativos da programação exibida na última semana. Saiba quais atrações da TV Cultura ganharam destaque e as que ainda podem melhorar.

Cultura é currículo – Projeto Cultura é Currículo

Em vez de falar dos problemas dos vídeos do projeto Cultura é Currículo, como a profusão de títulos que confundem o telespectador – ‘Lugares de aprender’, ‘O cinema vai à escola’ etc – e a identidade ‘franco-atiradora’ da série – ela parece um programa, mas não sabemos direito quando passa, quanto tempo vai durar e que outros temas ela vai abordar – cabe registrar que o episódio ‘Luz, Câmera e Educação’ teve vários méritos que o credenciam para a exibição em TV aberta. Desta vez, o artificialismo e o academicismo das outras peças do projeto já analisadas na crítica interna – ‘Acervo do Palácio dos Bandeirantes’, ‘Cultura Visual’ e ‘Instituto Moreira Salles’ – deram lugar a uma ágil e bem-humorada reconstituição dos bastidores de uma produção cinematográfica, a começar pela convincente sequência de suspense e comédia envolvendo dois ladrões que invadem uma casa. Além dessa qualidade, em vez de contar com acadêmicos bem-intencionados – mas inadequados – como eixo da narrativa, o episódio teve um âncora de verdade – infelizmente não identificado – que conduziu bem a história, aproximando muito o telespectador do que é o mundo do cinema. Permanecem, no entanto, na cabeça desse mesmo telespectador, as dúvidas sobre o formato da série e a estratégia de sua inserção na grade da TV Cultura.

A peixeira do Chatô – Vitrine, 29 de julho

Impressionante o depoimento de Fernando Morais a Sabrina Parlatore sobre os métodos de seu famoso biografado Assis Chateaubriand.

Árvores reveladoras – Pé na Rua, 29 de julho

A enquete sobre a árvore genealógica foi uma pauta realizada com a competência habitual da equipe na edição e nos videografismos. Mas o destaque foram os ótimos entrevistados. Com eles, vimos que um pouco da história do século 20 estava no sangue dos jovens de todas as origens étnicas entrevistados por João e Gabi nas ruas de São Paulo. Destaque para uma jovem cujo pai, um anarquista desvairado filho de espanhóis que registrou, em cartório, sua paixão política: uma filha chama-se Rebel e outra chama-se Dia. E como se não bastasse, uma terceira tem o nome de Quia, de anarquia…

Ziriguidum – Zoom, 25 de julho

Fernando Meirelles, José Padilha e MV Bill, com ‘Cidade de Deus’, ‘Tropa de Elite’ e ‘Falcão – Meninos do Tráfico’, já nos mostraram, cada um do seu jeito, o cenário da violência do Rio de Janeiro. Mas o sensacional e hilariante curta de animação ‘Ziriguidum’, de Gabriel Prezoto, exibido no programa Zoom, nos deu um momento antológico em que a arte fez uma parceria perfeita com o humor ao retratar a guerra social carioca.

Empate – Opinião Nacional, 31 de julho

O problema das pautas ambiciosas como a escolhida para esta semana – a reforma política – é a dispersão, que acaba conspirando contra um programa com o formato do Opinião Nacional. A discussão começou a ficar mais interessante quando o deputado José Eduardo Cardozo disse não existir ‘nada mais perverso e constrangedor para quem quer ficar dentro de parâmetros éticos do que ir atrás de financiamento eleitoral’ e foi imediatamente corroborado por Oded Grajew, do Instituto Ethos, quando ele disse que ‘nenhuma empresa financia campanha a não ser querendo retorno’. O deputado Arnaldo Madeira, outro convidado, deu a senha das razões pelas quais nem o debate do Opinião Nacional e nem a própria reforma política avançaram: ‘Não vamos sair do lugar. Precisa ter uma revolução, com muito sangue correndo, pra resolver isso. É por isso que não dá’. No mais, faltou adrenalina. E o debate acabou ficando parecido com o que o cientista Carlos Melo, outro convidado, disse estar acontecendo com a reforma política: ‘um jogo monótono, um interminável zero a zero’.

Tudo sobre animais – Tudo sobre animais, 30 de julho

A decisão da TV Cultura de exibir a série da BBC no horário nobre deveria ser acompanhada de uma adaptação do texto e da narração do original inglês para o público mais heterogêneo do horário nobre. Ainda que seguindo o tom do original da BBC, o tratamento às vezes infantilóide do texto certamente espantou um expressivo contingente que, de acordo com as pesquisas, costuma não perder esse tipo de conteúdo quando ele está disponível na TV aberta.

Masterização muda – Radiola, 28 de julho

Uma ausência sentida e, no caso, fundamental, na entrevista do especialista em masterização Carlos Freitas foi, por mais insólito que pareça, a música. A edição não teve um segundo sequer de inserções emblemáticas dos tipos de música e sons (ingleses e brasileiros) citados por ele. Nem mesmo trabalhos de Freitas foram ‘ouvidos’ na matéria, ainda que como trilha sonora da entrevista. Foi como um designer falando de seus trabalhos sem que o telespectador tivesse a chance de ver a imagem desses trabalhos. Foi também mais um exemplo da fórmula excessivamente engessada de certos quadros do Radiola.’