Publicado originalmente no blog OitoMeia.
Como os impressos podem sobreviver em um mundo dominado cada vez mais pelos algoritmos cujas combinações trazem aos consumidores da notícia experiências audiovisuais que aprofundam o alcance das notícias? Quem souber a receita, compartilhe, comercialize e torne-se milionário. Não temos respostas, apenas especulações que tentam trazer alguma luz ao tema.
No Piauí, estado com índices socioeconômicos ainda desanimadores, baixa alfabetização e menos ainda leitores frequentes, três impressos buscam manter-se firmes na missão de informar e, claro, dar lucro para sustentar seus negócios. Uma mudança importante nesse cenário mas que foi definhando com o tempo aconteceu há quase um ano, em 20 de dezembro de 2016, quando o comando do jornal Diário do Povo do Piauí — o único com viés oposicionista — saiu das mãos do grupo Damásio, que o controlava há 28 anos, e passou para a direção do empresário Fábio Sérvio, que atualmente tenta se viabilizar como candidato ao Governo estadual no pleito de 2018 no partido do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).
Para passar o bastão do negócio, que era o braço jornalístico do grupo empresarial com ramificações em motéis, hotéis e vendas de peças de bicicletas e motos, por exemplo, os Damásio alegaram dificuldades em manter tudo no azul. Demissões recentes, cadernos enxutos e uma diagramação com ar antiquado já davam sinais do cansaço que poderia culminar num último suspiro.
O Dia, MN e Diário: impressos enxutos e dúvidas sobre viabilidade
O “novo” Diário do Povo trouxe um layout mais leve e moderno, mas pouco dos novos ares prometidos no jornalismo impresso local. O que observa-se, não apenas no Diário, mas nos jornais Meio Norte e O Dia, é uma necessidade de reinvenção tanto na proposta jornalística quanto no modelo de negócios. A dependência de recursos dos cofres governamentais prejudica a independência jornalística e o saturado mercado publicitário pouco apresenta de caminhos alternativos para a manutenção das estruturas grandes e dispendiosas dos impressos.
Enquanto o jornal Meio Norte possui uma rádio do conglomerado regional que leva o nome do impresso para as ondas sonoras — somando-se às outras rádios de conteúdo musical da Rede Meio Norte — O Dia, que é o mais antigo dos três jornais, apega-se à segurança dos fatos já dados, sem vislumbres de novos elementos à receita do impresso. Ousa nas capas, muitas vezes compartilhadas e elogiadas nas redes sociais, mas não consegue ir além na conquista de novos leitores constantes, que saiam e compre o jornal na banca ou ainda que se disponham a pagar pela assinatura.
O cenário local é de jornais cada vez mais enxutos para cortar gastos, circulando com apenas uma edição aos finais de semana (em geral a edição fecha ainda na quinta-feira, ou seja, a característica que distingue o jornal de uma revista se perde: não há mais factual a ser noticiado nos sábados e domingos. Ficam as matérias frias publicadas em papel jornal) e dependendo quase que exclusivamente de verbas governamentais para se manter — o que significa menos crítica, naturalmente. Não é incomum ver em impressos locais fotos que chegam ocupar dois terços de uma página para esconder a falta de conteúdo.
Colunistas antigos são decisivos na audiência
Por mais contraditório que possa parecer, os colunistas mais antigos, como Arimatea Azevedo no O Dia, Efrém Ribeiro no Meio Norte e Pedro Alcântara no Diário do Povo, ainda trazem um sopro de novidade nos jornais do Piauí porque se dedicam a publicar conteúdo novo, informação exclusiva, que afinal vale a pena pagar para ler.
Valorizar a imprensa local é essencial para a formação de uma sociedade mais crítica, pois são os veículos regionais que cobrem as sessões das câmaras, assembleias e tribunais onde decisões importantes são tomadas para o futuro de milhares de cidadãos. O que não exclui, claro, a contrapartida da mídia impressa em trazer também novidades e adaptações ao mundo contemporâneo e digital onde o papel quase vale ouro, tamanhos os custos para a manutenção de um jornal.
Trabalhar num jornal já foi o sonho de muitos estudantes de jornalismo. Hoje, a TV abocanha essa ambição com sua velocidade confusa e rasa, descrição adequada inclusive aos tempos fluidos pós-modernos em que nada se sustenta no ar. Abre-se o jornal de hoje, como se fosse uma janela do dia de ontem. Antecipação e análise, aprofundamento e crítica, ficam ainda como promessas e ofertas pontuais num cardápio que tem perdido o gosto ao longo do tempo.
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Sávia Lorena Barreto Carvalho de Sousa é jornalista, mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e doutoranda em Políticas Públicas na mesma instituição.