Veículos de imprensa decidiram bater de frente contra Google e Facebook. Para aproximar a relação, os gigantes do Vale do Silício chegaram a sinalizar com parcerias, mas alteração nos algoritmos vai deixar a vida dos noticiários ainda mais difícil.
O faturamento das empresas jornalísticas despencou do patamar dos US$ 90 bilhões para cerca de US$ 50 bilhões nos últimos dez anos, de acordo com um estudo elaborado pela empresa de publicidade GroupM. Enquanto isso, Google e Facebook, juntos, faturaram US$ 117,1 bilhões em publicidade digital em 2017.
O número é mais do que o dobro do registrado há cinco anos, segundo a consultoria PwC. Mas o que poderia ser um visto como um feito para as duas companhias de tecnologia foi a gota d’água para grande parte das empresas de mídia.
Mesmo antes do fim de 2017, a organização News Media Alliance — que reúne quase 2 mil empresas de mídia de EUA e Canadá, incluindo jornais como The Washington Post, The Wall Street Journal e The New York Times — foi ao Congresso americano pleitear uma autorização para negociar diretamente com Google e Facebook. A alegação era que os dois gigantes do Vale do Silício usam e distribuem o conteúdo de qualidade criado pelas companhias de mídia, sem qualquer contrapartida.
Coincidência ou não, a pressão provocada pelo grupo que representa as publicações teve reflexos. Após a reclamação, as duas empresas californianas anunciaram uma série de medidas que, de alguma forma, até poderiam estar sendo preparadas para a implementação, mas, naquele momento, serviram como um contra-ataque às críticas dos veículos de imprensa. A primeira delas foi tomada pelo Google ao acabar com a política do “primeiro clique grátis”.
Conhecido pela expressão inglesa first click free, desde 2005, o Google exigia que sites de notícias disponibilizassem um determinado número de artigos grátis aos leitores que chegassem ao portal dos veículos através do buscador do Google. Isso permitia, por exemplo, acesso ao conteúdo, mesmo em sites cuja cobrança por leitura estivesse em vigor, o chamado paywall de notícias. Mas, aos poucos, as queixas foram aumentando, até que a empresa de Cupertino encerrou a prática no ano passado. Sendo assim, ponto para a mídia online.
Combate às fake news para valorizar a imprensa
E os motivos para os jornais e revistas comemorarem não pararam por aí. Em agosto, a empresa do americano Mark Zuckerberg convidou os veículos para fazer o upload de suas logomarcas para que usuários identificassem, logo no link, a origem da informação. A estratégia visava combater fake news, que tanto colocaram o Facebook em cheque pela postura passiva que teve durante as eleições americanas, em 2016, quando uma enxurrada de informação falsa circulou na News Feed de usuários. Paralelamente, a empresa também resolveu desenvolver algoritmos para reconhecer notícias compartilhadas por robôs — artifício muito utilizado na viralização de fake news — para facilitar a exclusão de conteúdo falso.
O Google também entrou para o time de combate às notícias mentirosas. Resolveu criar um selo para indicar publicações confiáveis e mudou as regras para evitar que sites propagadores de boatos continuassem a lucrar com o AdSense — o serviço de publicidade da empresa.
Da euforia à depressão: os jornais perdem um de seus maiores canais de distribuição
Nas redações mundo afora, o estreitamento da parceria de Google e Facebook com os veículos de mídia era motivo de empolgação, uma vez que jornais e revistas vinham ganhando uma “batalha” importante contra as “gigantes do Vale”. Só que tudo começou a voltar à estaca zero no final de outubro. Argumentando que se tratava de um teste, o Facebook decidiu fazer uma alteração nos algoritmos de quem usava a rede social na Bolívia, Guatemala, Eslováquia, Sérvia, Sri Lanka e Camboja. Nos seis países, na News Feed tradicional sobraram apenas posts de amigos e familiares, além de anúncios.
A consequência disso foi uma queda brutal no alcance orgânico das fanpages de marcas e, claro, de veículos de imprensa. O impacto pode ser sentido na queda do engajamento de usuários em relação às notícias e, consequentemente, no tráfego vindo da rede social para os sites de cada veículo.
Para ilustrar isso, o jornalista eslovaco Filip Struhárik postou um gráfico no qual mostra interações em 60 fanpages da Eslováquia antes e depois da atualização. Os dados evidenciam que as páginas tiveram quatro vezes menos interações (comentários, curtidas e compartilhamentos) após a mudança.
Questionado por Struhárik, o chefe de News Feed do Facebook, Adam Mosseri, respondeu, na época, que a mudança era apenas um teste e que não havia planos de lançar a novidade em outros países. O problema é que o teste passou para a fase 2: a implementação — e no mundo. A alegação para tal atitude, segundo especialistas, é que foi uma tentativa de combate ao fenômeno das notícias falsas.
Não é difícil prever que, com as mudanças promovidas por Zuckerberg, os jornais já perderam, no caso dos primeiros seis países, e vão perder, no mundo, um dos principais canais de distribuição de notícias. A partir de agora, captar a audiência presente na rede social não só ficará cada vez mais difícil, como também mais custoso, pois será preciso pagar por impulsionamentos para levar notícias às timelines dos leitores. E, caso não haja investimento para isso, os mais de 2 bilhões de usuários vão ter menos informação de qualidade na rede social.
Censura do Google?
Já o Google, segundo um relatório publicado, em outubro, pela World Socialist Web Site (WSWS) — um site de notícias com viés socialista — tornou mais difícil encontrar sites de esquerda no buscador mais famoso do mundo. A mudança ocorreu depois de uma alteração nos algoritmos da empresa americana, que visava combater as fake news. Só que a alteração — sob o conhecimento da companhia ou não —, ao mesmo tempo, tornou menos relevante o conteúdo de sites menores de esquerda que falavam, por exemplo, sobre temas progressistas, ações anti-guerra e direitos humanos. Segundo a WSWS, os índices de busca no Google tiveram um declínio de mais de 60% após a mudança.
A empresa se defendeu alegando que o principal objetivo da mudança era permitir que a companhia tivesse um controle maior na identificação de conteúdos “questionáveis”. Neste caso, os jornais e revistas mais conhecidos e acessados passaram ilesos às alterações promovidas pelo Google, mas o exemplo escancara o quanto uma empresa consegue ditar o ritmo do tráfego mundial sem fazer esforço.
Em meados do ano passado, Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e do Fórum Mundial de Editores, declarou que entre 40% a 50% dos usuários consomem informação digital a partir do duopólio Google-Facebook. O número é alto e incomoda qualquer veículo. O caminho para reverter isso é sinuoso, seja criando modelos de assinaturas mais atraentes, seja desenvolvendo qualquer outra estratégia que ajude o jornalismo a ficar mais independente das redes. O tempo urge, já que, apesar de batalhas vencidas, a “guerra” parece cada vez mais perdida.
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Renan França é jornalista, e foi repórter de O Globo e das revistas Exame e Veja Rio