Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Blog Claudio Weber Abramo

LÍNGUA & JORNALISMO
Claudio Weber Abramo

Linguístico-correta

"Ontem, 5 de junho, foi o dia do meio ambiente. A ocasião serviu para que autoridades, empresas e outros se entregassem a manifestações desabridas de correção política.

Tudo é verde, sustentável, preservativo, respeitoso, igualitário, distributivo, inclusivo, empoderante.

Vejo um anúncio da Vale. Afirma o seguinte: ‘1ª mineradora do mundo a zerar seu footprint’.

Que raio é isso? O que é ‘footprint’ de uma empresa? Em que país estamos? Aqui se fala inglês ou o quê?

Por que diabos esses empresários e publicitários e internecistas e programadores e comunicadores tanto insistem em usar palavras e frases de um idioma que é compreendido por uma parcela ínfima da população? – parcela essa que, aliás, não inclui esses mesmos empresários, publicitários etc. etc.

Quando esses camaradinhas tentam falar aquilo que escrevem ou mandam escrever é um espanto. O mesmo cara que manda ver slogans na língua do Bardo, quando tenta balbuciar aquelas mesmas palavras produz um desastre constrangedor.

Que paisinho ridículo este.

Jornalístico-ortográfica

Este que escreve não acompanhou, mas a tal de reforma ortográfica deve ter produzido muitas discussões em blogs, comunidades, twitteres e outros mais. Logo, não me estenderei. Faço apenas três observações:

? O pior dos piores dessa reforma foi sumir com o acento agudo que existia na terceira pessoa do singular do verbo parar. Antes, o tituleiro (o cara que escreve os títulos das notícias nos jornais impressos) lascaria ‘Ronaldo pára o Palmeiras’. Hoje, se escrever ‘Ronaldo para o Palmeiras’, dirá coisa totalmente diversa.

? No fundo, num país que aceita que os tradutores de filmes sejam semianalfabetos (tem hífen isso? não sei mais), em que os anúncios publicitários, as indicações de trânsito, os trajetos dos ônibus, os ofícios e cartas e lembretes sejam redigidos de acordo com convenções gramaticais e ortográficas idiossincráticas (isso foi um modo bizantino de dizer que cada qual escreve como quer), notadamente quanto ao uso de vírgulas como se fosse orégano na pizza e quanto aos acentos graves em ‘a’ (categoria em que se inclui a confusão entre o artigo, a preposição, a contração entre um e outra e a terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo haver), reforma ortográfica passa reto por quase 100% da população – e nisso se inclui praticamente todo o contingente que fez algum curso superior.

? Caso não fosse previsível dada a esculhambação geral, seria inacreditável permitir-se que uma reforma ortográfica fosse, como foi, decidida por dicionaristas, que vêm a ser os maiores beneficiários financeiros da brincadeira.

Onomástica

Uma das características do idioma italiano standard, a língua mais bela do mundo (originalmente o dialeto da Toscana; os habitantes de Siena dizem que o berço foi lá), é exigir a pronúncia de todas as vogais e a articulação precisa das consoantes.

Digamos, a palavra ‘bresaola’ (carne seca temperada, originariamente da Valtellina, na Lombardia, usualmente fatiada). O ‘o’ nesse tipo de palavra provoca certas dificuldades para o falante do português. Para um paulista, por exemplo, sai mais ou menos ‘bresáula’. Mas dá para dizer ‘bresáola’. É só prestar atenção, acentuar o ‘a’ e pronunciar explicitamente o ‘o’ aberto.

De uns tempos para cá, uma porção de gente batizou suas filhas de ‘Paola’, com ‘o’ em vez de ‘u’. Decerto foi influência de alguma novela. Mas o nome é o mesmo.

Paolo/Paola são tradicionalíssimos nomes italianos. No Canto V do Inferno, Dante conta a história de Paolo e Francesca, amantes condenados por toda a eternidade a serem transportados por uma violenta tempestade, simbólica da paixão que os consumira em vida.

‘Santa Paula’, em português, corresponde a ‘Santa Paola’ em italiano. Ou melhor, o contrário, já que as diversas Paolas que viraram santas eram todas originárias da Bota.

Enfim, é curioso notar que, em vez de chamar a filha de Paola, conforme está escrito (‘Páola’), os perpetrantes brasileiros dizem ‘Paôla’.

Com isso, um nome que é belíssimo se transforma numa contrafação inexistente em qualquer língua. ‘Paôla’ não é português nem italiano nem nada.

Assim, para as eventuais Paolas que passarem por este espaço, sugere-se que instruam os circundantes a pronunciarem seu nome direito: ‘Páola’."

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