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‘Todo o país admirava a determinação desta mulher valente na vida e na morte para assegurar o futuro de seus filhos, dizia o comunicado emitido pelo primeiro ministro britânico Gordon Brown, ao qual se somaram muitos personagens conhecidos da vida pública, incluindo os amigos de Goody tão insuspeitos como o príncipe Azim, filho do sultão de Brunei. `Acredito que a gente se identificava com ela porque era uma garota comum que ficou famosa, como pode acontecer com qualquer um que participe de um concurso´, disse Phil Gould, responsável pela revista OK, que desembolsou 700 mil libras pela matéria exclusiva de seu recente casamento. O ministro do Trabalho, Tony McNulty, lamentou tê-la criticado um dia. A decisão dela de viver diante das câmeras os estragos de um câncer cervical incurável, que se estendeu rapidamente para o fígado e o intestino, foi objeto de uma enorme controvérsia, porém também mereceu um olhar de simpatia por parte de muitos britânicos. Inclusive se destacou o impacto positivo de tanta publicidade: o número de mulheres jovens que se submetem a exames de detecção dessa enfermidade aumentou uns 20% nos últimos meses’. (Patricia Tubella, El País, Madri, 23/3/2009)
As revistas de fofocas (que os jornaleiros insistem em chamar de ‘femininas’) fizeram a festa. Uma delas, inclusive, pagou uma verdadeira fortuna pela cerimônia de casamento. Uma emissora de TV pagou para acompanhar os últimos dias de vida. Mas até os jornais mais sóbrios, como o tradicional The Times de Londres, tiveram que se render ao fenômeno. E a moça – cujo obtuário no Times Online recebeu o título ‘De monstro a fenômeno da mídia’ – conseguiu seu objetivo: morreu deixando uma respeitável fortuna para criar os filhos menores.
Percepção aguda
O mais surpreendente é que essa história – a história de Jade Goody, ex-participante do Big Brother inglês, que vendeu os direitos de cobertura de sua morte para a TV – não se passou em nenhum país subdesenvolvido ou de nível cultural inferior. O fenômeno se deu na Inglaterra e tomou conta da Europa. Jornais ingleses, franceses, espanhóis, portugueses e europeu em geral não falaram de outra coisa na segunda-feira (23/3), logo após a morte de Jade. Para alívio nosso, os jornais brasileiros foram discretíssimos. Registraram o fato e ponto.
A pergunta que os estudiosos de mídia devem estar se fazendo, a essa altura, é sobre os rumos do entretenimento e se esse é um caminho sem volta. Quando o filme O Show de Truman, citado na matéria do Times, fez sucesso, todos acreditávamos que era apenas ficção. Ficção que teve um final feliz, quando o personagem, ao perceber o que se passava, deu um basta e foi viver no mundo real.
A história de Jade Goody e o rumo que tomou na mídia européia revelam que, ao contrário do filme, as pessoas não querem viver no mundo real. O mundo real de Jade, segundo os jornais, envolvia pobreza, pais viciados em droga, infância e adolescência sem nada de bom. Ela, pelo menos, teve a capacidade de tirar proveito da TV e de seu sucesso, escrevendo biografias precoces, criando marcas de perfume e salões de beleza. No final, ao vender os direitos de seu casamento e fazendo de sua morte um reality show, conseguiu deixar um respeitável patrimônio para os filhos. E ainda prestou um serviço público ao alertar as mulheres para o perigo do câncer cervical.
O que Jade Goody mostrou, deixando que filmassem seus últimos momentos, foi uma aguda percepção do gosto popular e da mídia, que sem capacidade de prender a atenção dos espectadores com ficção, encontrou nos reality shows um jeito barato de conseguir ibope.
Tomara que um dia a ficção ganhe de volta seu lugar de destaque e volte a ser mais atraente do que a miséria humana.
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Jornalista