Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fake news, bad news

Jornalistas repetem na intimidade das redações uma frase que ficou famosa, e que só tem graça em inglês: “Bad news, good news”. Numa tradução livre: más notícias são, na verdade, boas notícias do ponto de vista do negócio da imprensa. Porque notícia ruim é que vende jornal, aumenta a audiência da tv e do rádio, e faz crescer o acesso dos sites e blogs. Notícia boa é muito fria. Não vende, não atrai, não tem pegada, não chama a atenção. Bad news sells and good news is not news. A razão é simples e advém do próprio conceito de notícia, entendida como o fato ou assunto que sai da rotina. O bicho-homem é movido pela tragédia. Não é o tempo bom o que chama a atenção, e sim o furacão, a tempestade, a nevasca.

A frase famosa exige atualização porque um novo ator entrou em cena: a mentira. Agora é: “fake news, good news”. Que a gente precisa converter em “fake news, bad news”. Jornalistas cretinos e internautas idem diariamente distribuem pelas redes sociais carradas de notícias que só levam o nome de notícias por inércia. Porque não passam de mentiras cabeludas, que só servem pra atrair a atenção. E vender. Ou destruir. Ou alavancar uma pessoa ou um candidato. Se o sensacionalismo extrapola a verdade, as fake news são mentiras que desaguam na pós-verdade. Na qualidade de comunicador, eu poderia dizer que se equivalem. Estaria mentindo. As fake news são extremamente mais danosas do que o jornalismo sensacionalista.

Tum, tum, tum! Quem bate?

A eleição de 2018 está batendo na porta. E as fábricas de fake news já estão sendo azeitadas e ajustadas para denegrir reputações e/ou beneficiar candidatos, na certeza da impunidade. Donald Trump venceu a eleição norte-americana com apoio dessa arma infame, uma espécie de crack, subproduto da cocaína. As fake news são um subproduto torpe da “cybersociedade”. E o pior é que, apesar da preocupação do TSE, ninguém tem uma fórmula capaz de combater eficazmente essa praga numa eleição. Um grupo que deseje destruir um candidato no Brasil pode ir ali no Uruguai, registrar um domínio em outro continente, hospedar um site de fake news num país como a França, pagar com um cartão de crédito internacional desses que se compram ali na esquina e não exigem a identificação do portador. O conteúdo será distribuído por perfis falsos em redes como o Face ou o Instagram, já dentro do Brasil. Como indaga o especialista em marketing eleitoral Marcelo Vitorino: quem julgará um caso desse, mesmo tendo conseguido identificar o grupo? Como ele se enquadra no conceito da “territorialidade” do crime?

Metade da população a um clique

Um estudo da USP indicou que todo mês 12 milhões de pessoas compartilham informações erradas, simplesmente falsas ou maliciosas pelas redes sociais. Em média, cada pessoa tem 200 “amigos” no Facebook. Logo, com um clique, informações falsas podem alcançar 107 milhões de internautas. Metade da população brasileira! 127 milhões de brasileiros estão ligados na Internet. Da última eleição presidencial pra cá o acesso ao WhatsApp cresceu seis vezes.
O TSE, coitado, pode fazer pouco ou quase nada para reprimir essa prática. E olha que nem falamos dos robôs criados para difundir na velocidade da luz notícias inverídicas e posts patrocinados (Trump foi turbinado pela ação de produtores de fake news baseados na Rússia).

Atenção aí que vou escrever uma heresia: bons tempos eram os do sensacionalismo! Quando a justiça considerava uma publicação ofensiva a alguém, simplesmente mandava retirar das bancas. Ou suspendia um programa de rádio ou TV. Bons tempos em que se trabalhava dentro do princípio da materialidade, antes que ela fosse esfarelada pela informação virtual e fora de controle de qualquer ordem.

The cow went already to the swamp

Qualquer notícia, declaração ou trecho de discurso ou de artigo pode instantaneamente ser convertido em fake news. Esse é um problema adicional — a facilidade com que notícias falsas podem ser produzidas e difundidas. Se alguém quiser me atacar, por exemplo, pode, simplesmente, dizer que eu defendo o sensacionalismo, pois escrevi aí em cima e assinei embaixo que “bons tempos eram os do sensacionalismo”. É só copiar a frase e distribuir nas redes. Até que eu consiga explicar (e nunca conseguirei) que semente de cebola não é caroço de batata, acrescentar que a frase foi tirada de seu contexto, que eu jamais defenderia o sensacionalismo, aí the cow went to the swamp, a vaca foi pro brejo, como diria o Millôr.

É duro reconhecer, mas lá vai: ninguém sabe o que fazer para enfrentar essa nova realidade. Ninguém. Por isso a justiça eleitoral está aceitando — desesperadamente — qualquer sugestão para combater a praga. Quem tiver alguma ideia que possa ajudar, pode escrever pro ministro Luiz Fux, novo presidente do TSE. Ou, sei lá, pode mandar uma carta para a Galinha Azul da Maggi. Ihhh, foi mal: você é muito jovem, nem conheceu a Galinha Azul da Maggi. Mas aposto que já recebeu, acreditou e até passou pra frente uma fake news, fala a verdade! A verdade, eu disse. Não me venha com fake news… Fake news, bad news, baby.

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Paulo José Cunha é jornalista, professor e escritor.