Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O atentado contra Marielle continua

“Somos todos Marielle!”
(Slogan dominante nas manifestações
das ruas nos últimos dias)

A inominável tragédia que vitimou a vereadora carioca Marielle e seu motorista Anderson deixou um sulco profundo de consternação na alma popular. Foi vista, na lúcida avaliação das ruas, como um clamoroso acinte à democracia, à consciência cívica nacional.

A memória não consegue vislumbrar, enfocando tempos recentes, de forma tão claramente nítida e insofismável, uma outra reação dotada de tamanha força espontânea por parte da opinião pública. Os projéteis da execução por encomenda suscitaram fragor de indignação que, praticamente, abarcou todo o amplo espectro das segmentações comunitárias, deixadas de lado, momentaneamente, as diversificadas tendências de ideias e atitudes comportamentais.

Vozes marcadas, muitas delas, quase que sempre, por insanáveis divergências, impulsionadas por misteriosa palavra de ordem coletiva, brotada unicamente das mentes e corações, compuseram colossal coro na imediata repulsa ao hediondo atentado.

A aguerrida ativista ganhou compreensível notoriedade nacional. Notabilizou-se em renhidas batalhas em prol dos direitos humanos. Tais direitos, como é notório, são impiedosamente alvejados em muitos lugares, com destaque para o Rio de Janeiro, província que, de tempos a esta parte, permanece sob mira constante de avantajado esquema de bandidagem organizada, espalhado por múltiplos estamentos sociais.

A reluzente trajetória por ela percorrida tornou-a nacionalmente conhecida, após o fatídico evento criminoso do dia 14 de março. A partir de sua condição de mulher negra, favelada, jovem, carregada de sonhos e ideais, ser humano atingido em cheio, desde muito cedo, pelos disparos cruéis das adversidades sociais, Marielle transformou-se num símbolo itinerante da luta contra as desigualdades. Virou referência obrigatória em movimentos consagrados à defesa das causas humanitárias.

Intérpretes credenciados do sentimento nacional, de categorias e matizes políticos variados, marcaram presença nas praças, tribunas, microfones, câmeras, erguendo vigoroso brado de revolta face ao ocorrido. A flamejante manifestação acabou, naturalmente, ecoando além-fronteiras. A expectativa popular se volta, agora, para que a apuração rigorosa dos fatos, como prometido pelas autoridades, se processe de forma ágil e competente, com a devida identificação dos autores intelectuais e materiais do crime e, obviamente, com a aplicação das punições severas de que se fazem merecedores.

Toda essa colossal e – repita-se – espontânea arregimentação das forças vivas da sociedade não está sendo, todavia, por incrível que pareça, suficiente o bastante para compelir à prática de respeitoso silêncio um minoritário grupelho radical. Emitindo repulsivos uivos nas redes sociais, ele se coloca em flagrante contraposição ao pensamento majoritário brasileiro.

Ancorado em inequívocas teses racistas, avessas à índole cordata e generosa de nossa gente, deixando evidenciadas suas estreiteza mental e preconceituosa interpretação das coisas da vida, esse núcleo de inclinações incendiárias está despejando na internet uma enxurrada de sandices a respeito da inocente vítima central do atentado.

As vociferantes demonstrações de ódio percorrem vasta gama de aleivosias, tipo assim: “A vereadora assassinada era ligada ao tráfico de drogas, tendo sido eleita com o seu apoio”; “Marielle Franco era amasiada com um dos chefes do tráfico”; “Ela questionava a ação truculenta da PM do Rio, mas não se solidarizava com os familiares dos policiais assassinados por traficantes”. Todas essas “alegações”, postas maldosamente a circular, são rebatidas com veemência por todos os que se embrenharam a fundo no exame da história de vida da vereadora, sem exclusão dos próprios investigadores empenhados na elucidação das incógnitas do atentado. Mesmo assim, o plantão das falsidades, propagando ferroadas atentatórias à memória de Marielle, produzidas por vespas anônimas que das sombras emergem e às sombras se recolhem, continua ativo.

Quem sabe se, de repente, conferindo-se ao trabalho investigativo uma maior amplitude não se possa também caracterizar os “plantonistas”, silenciá-los, saber das torpes motivações que impelem os indivíduos por detrás dessas maquinações a persistirem no nefando propósito de disseminar a discórdia, violentar as tradições e procurar estabelecer, no seio da população, divisões nocivas ao legítimo interesse nacional.

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Cesar Pereira Vanucci é jornalista.