Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalistas assassinados, crimes sem castigo

As condições já letais para a imprensa no Sri Lanka e no Paquistão se deterioraram ainda mais, segundo a versão atualizada do Índice de Impunidade, uma lista de países compilada pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) que enumera os lugares onde, regularmente, jornalistas morrem em decorrência de seu trabalho e os governos têm fracassado em resolver os crimes. A Colômbia, historicamente um dos países onde mais jornalistas foram mortos em represália ao seu trabalho, melhorou ao obter a redução do número de crimes e importantes condenações na justiça.


‘Estamos alarmados ao comprovar que a justiça piora no Sri Lanka e no Paquistão. Nossas pesquisas indicam que o fracasso em solucionar os crimes contra jornalistas perpetua a violência contra a imprensa’, ressaltou Joel Simon, diretor-executivo do CPJ. ‘Os países somente poderão abandonar esta vergonhosa lista caso se comprometam a obter justiça.’


O Índice de Impunidade, compilado pelo segundo ano, calcula o número de assassinatos de jornalistas não solucionados como um percentual da população em cada país. O CPJ examinou cada país do mundo entre 1999 e 2008. Os casos são considerados não resolvidos quando as investigações não resultam em condenações através de processos judiciais. Somente os países com cinco ou mais casos não solucionados foram incluídos no índice, um critério alcançado por 14 países este ano.


Adoção de medidas severas


Iraque, Serra Leoa e Somália – países assolados por conflitos armados – lideram o Índice de Impunidade. Mas a maior parte da lista contém democracias com forças de segurança para a aplicação da lei funcionando em tempos de paz, nações como Rússia, Filipinas e Índia.


O Brasil foi o único país incorporado ao índice em 2009. Apesar das autoridades brasileiras terem obtido algum êxito em processos judiciais referentes a casos de jornalistas mortos em represália por seu trabalho, tais esforços não foram suficientes para compensar o alto índice de violência letal contra a imprensa.


O CPJ começou a compilar o índice em 2008 para desenvolver a conscientização sobre o alarmante padrão de impunidade em países em todo o mundo. A organização adotou uma Campanha Global contra a Impunidade para buscar justiça em casos de jornalistas mortos por seu trabalho, a maior ameaça à liberdade de expressão no mundo, e se concentrou em crimes não solucionados na Rússia e Filipinas.


Este ano, o informe é lançado em Manila para evocar o quarto aniversário do assassinato de Marlene Garcia-Esperat, colunista filipina que investigou a corrupção na Secretaria de Agricultura do governo. Garcia-Esperat foi baleada em sua casa, em frente à sua família, um caso que se tornou emblemático na luta contra a impunidade. Dois funcionários públicos foram acusados de ordenar o assassinato.


‘Os jornalistas filipinos pedem justiça para ao menos 24 casos não resolvidos e necessitam que o governo os proteja dos assassinos que estão matando seus colegas ano após ano’ disse Elisabeth Witchel, coordenadora da Campanha do CPJ contra a Impunidade. ‘Instamos o governo das Filipinas a adotar as severas medidas necessárias para obter condenações: designar promotores e investigadores suficientes para estes casos, trasladar julgamentos para jurisdições seguras e imparciais, proteger as testemunhas e proporcionar apoio político de alto nível para todos estes esforços.’


Iraque e Ásia são destaques


Entre os dados do Índice de Impunidade do CPJ se destacam:


1. Todos os países incluídos no índice de 2008 permanecem na lista deste ano. Somente ocorreram leves alterações nos rankings e classificações da maioria dos países.


2. Foram registrados crimes não solucionados tanto na Rússia quanto nas Filipinas em 2008. Ambos os países tiveram altos índices de impunidade em casos de jornalistas mortos por seu trabalho na última década.


3. Jornalistas no sul da Ásia enfrentam riscos particularmente severos. Os países da região representam quase a metade do índice do CPJ. Seis estão incluídos na relação de 2009: Sri Lanka, Afeganistão, Nepal, Bangladesh, Paquistão e Índia.


4. Ainda que em tempos de guerra, é mais provável que os jornalistas sejam alvo de ataques e assassinatos do que de morrerem em meio ao combate. No Iraque, por exemplo, os assassinatos representam quase dois terços do total das mortes de jornalistas.


5. Ainda que as condições no Iraque tenham melhorado em 2008, as autoridades ainda não conseguiram resolver um só caso de ataque a jornalistas.


6. Em todo o mundo, a maioria das vítimas é de repórteres locais que cobrem temas delicados como a criminalidade, a corrupção e a segurança nacional em seus países de origem.


Para uma explicação detalhada sobre a metodologia utilizada pelo CPJ para compilar este Índice, clique aqui (texto disponível em inglês).


O Índice


Abaixo estão listados os 14 países onde jornalistas foram assassinados de forma recorrente e os governos foram incapazes ou não quiseram processar os responsáveis. O índice cobre o período de 1999 a 2008.


1. Iraque


O Iraque lidera a lista pelo segundo ano consecutivo. Pelo menos 88 jornalistas morreram desde o início da guerra em 2003, e não foi obtida uma única condenação nestes casos. Insurgentes e milícias perpetraram a grande maioria dos crimes, e os iraquianos que trabalham para os meios de comunicação locais têm sido os alvos predominantes. Entre as vítimas está Haidar al-Hussein, repórter do jornal Al-Sharq, de Bagdá, que foi seqüestrado quando se dirigia ao escritório em maio de 2008. Seu corpo foi encontrado três dias depois com sinais de tortura. Apesar de ter diminuído a freqüência com que jornalistas são mortos – nove em 2008, de 27 em 2007 – o Iraque continua sendo o país mais perigoso para exercer o jornalismo.


Índice de Impunidade: 2,983 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: primeiro no ranking com 2,821.


2. Serra Leoa


A maioria dos nove assassinatos não resolvidos ocorreu em janeiro de 1999, quando rebeldes da Frente Revolucionária Unida avançaram até Freetown durante a guerra civil de Serra Leoa. Da ‘operação de extermínio de todo rastro de vida’, como foi denominado o ataque, foram alvo os jornalistas e milhares de outros cidadãos considerados contrários aos rebeldes. As vítimas incluíram o editor Paul Mansaray, que morreu com sua esposa, dois filhos pequenos e um sobrinho quando os rebeldes atiraram e incendiaram sua casa. Não foram registradas condenações nestes casos.


Índice de Impunidade: 1,552 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: segundo no ranking com 1,636.


3. Somália


Quase duas décadas de conflito civil, de luta entre clãs e de insurgência criaram condições de impunidade arraigadas na Somália, onde seis casos de jornalistas mortos por seu trabalho na última década continuam em aberto. Entre as vítimas está Nasteh Dari Farah, jornalista e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Jornalistas da Somália, que foi baleado quando caminhava para sua casa após sair de um cibercafé em Kismaayo, em junho de 2008.


Índice de Impunidade: 0,690 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: terceiro no ranking com 0,610.


4. Sri Lanka


Enquanto o governo persegue a vitória militar sobre o grupo rebelde Tigres de Libertação de Tâmil Eelam, um aumento na violência contra jornalistas – incluindo a punhalada fatal contra o correspondente de televisão Paranirupasingham Devakumar – empurrou este país do sul asiático do quinto para o quarto lugar no Índice. Mostraram-se vazias as promessas do governo do país de investigar e punir a violência contra a imprensa e os jornalistas continuaram sendo alvo tanto de grupos tamis como de militares.


Índice de Impunidade: 0,452 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: quinto no ranking com 0,408.


5. Colômbia


Sem casos de jornalistas mortos por seu trabalho desde 2006, a Colômbia tem observado uma diminuição no número de assassinatos. Ainda que o governo considere que isto é uma decorrência de sua política de segurança, as pesquisas do CPJ demonstram que a existência de uma autocensura generalizada converteu a imprensa em um alvo menos repetidamente visado. Em um feito significativo, promotores obtiveram a condenação de um ex-prefeito de Barrancabermeja e outros dois funcionários públicos acusados de ordenar o assassinato do comentarista de rádio José Emeterio Rivas, ocorrido em 2003. No entanto, 16 entre os 20 casos de jornalistas mortos na última década continuam sem solução.


Índice de Impunidade: 0,347 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: quarto no ranking, com 0,439.


6. Filipinas


Ao menos 24 casos de jornalistas mortos por seu trabalho na última década permanecem sem solução. Este clima de impunidade generalizada provocou repetidos ataques contra a imprensa, com um alto índice de violência registrado no ano passado. Em uma semana de agosto de 2008, os jornalistas de rádio Martin Roxa e Dennos Cuestas foram assassinados a tiros. A investigação do CPJ demonstrou que os tribunais locais são ineficientes em relação ao processo judicial de assassinos de jornalistas. Juízes locais têm demonstrado relutância em prosseguir com casos que envolvam influentes figuras públicas.


Índice de Impunidade: 0,273 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: sexto no ranking, com 0,289.


7. Afeganistão


O crescente tráfico de drogas e as milícias armadas, combinados com um débil governo central e a corrupção política local, criaram um amplo espaço para o homicídio de jornalistas. Sete assassinatos permanecem impunes. Diferente das tendências verificadas em outras regiões do mundo, a maioria das vítimas foi de jornalistas internacionais que cobriam o conflito armado. Três jornalistas afegãos também foram mortos devido ao seu trabalho. Entre eles está Abdul Samad Rohani, correspondente da BBC e da agência afegã de notícias Pajhwok, que foi assassinado depois de fazer uma reportagem sobre o narcotráfico e a perigosa região fronteiriça com o Paquistão.


Índice de Impunidade: 0,248 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: sétimo no ranking, com 0,279.


8. Nepal


Grupos políticos não recebem punição apesar dos ataques freqüentes contra os meios de comunicação. Pelo menos cinco casos de jornalistas mortos em represália por seu trabalho continuam não resolvidos, quatro deles supostamente perpetrados por rebeldes maoístas durante o conflito de mais de uma década no país. Atualmente maioria na coalizão do governo, os maoístas ainda têm muito a melhorar para reafirmar que os assassinos não recebam proteção política. Entre as vítimas, está o jornalista de rádio Dekendra Raj Thapa, que foi seqüestrado e morto por rebeldes maoístas em 2004.


Índice de Impunidade: 0,178 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: oitavo no ranking, com 0,185.


9. Rússia


Desde 1999, 16 jornalistas morreram no cumprimento do trabalho informativo sobre corrupção, distúrbios nas repúblicas do Cáucaso norte e crime organizado em todo o país. Com exceção de um caso, o restante permanece impune. Ao assumir seu mandato em 2008, o presidente Dmitry Medvedev prometeu que os ataques contra jornalistas seriam investigados e judicialmente processados. No entanto, as autoridades têm fracassado em obter condenações em vários casos emblemáticos, como o assassinato do editor da Forbes, Paul Klebnikov, ocorrido em 2004, e o homicídio da jornalista investigativa Anna Politkovskaya em 2006.


Índice de Impunidade: 0,106 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: nono no ranking, com 0,098.


10. Paquistão


Enquanto a situação geral de segurança continua se deteriorando, os jornalistas estão sob ameaça de uma ampla gama de militantes religiosos e organizações criminais, algumas vinculadas à inteligência paquistanesa. Foram registrados três casos não resolvidos de jornalistas mortos em 2008, o que eleva o total para 10 casos na última década e fez com que o Paquistão subisse dois postos no índice. Entre as vítimas está Abdul Razzak Johra, que foi arrastado de sua residência e baleado em represália ao seu trabalho informativo sobre narcotráfico.


Índice de Impunidade: 0,062 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: décimo segundo no ranking, com 0,051.


11. México


Poderosos cartéis de droga converteram a cobertura jornalística sobre criminalidade no México em uma das pautas jornalísticas mais perigosas nas Américas. Em 2008, pistoleiros atiraram contra Alejandro Zenón Fonseca Estrada, um apresentador de rádio que liderava uma campanha contra a criminalidade, em uma avenida de Villahermosa, capital do estado de Tabasco. No total, seis casos de jornalistas mortos em conseqüência de seu trabalho na última década permanecem impunes. A posição do México no Índice, ainda que preocupante, poderia ser muito pior: ao menos sete jornalistas desapareceram desde 2005. Teme-se que os repórteres e editores desaparecidos estejam mortos, embora seus casos ainda não tenham sido incluídos no índice.


Índice de Impunidade: 0,057 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: décimo no ranking, com 0,068.


12. Bangladesh


As autoridades fracassaram em resolver ao menos sete casos de jornalistas assassinados por seu trabalho que ocorreram entre 2000 e 2005. As vítimas geralmente cobriam criminalidade, corrupção e instabilidade política. Os casos não solucionados incluem o brutal homicídio de Kamal Hossain, um repórter da editoria de polícia cujo corpo decapitado foi encontrado horas depois dele ter sido seqüestrado em sua casa. Ativistas locais de imprensa ressaltam que a prática das autoridades de retardar as investigações e repetidamente adiar os julgamentos minou o funcionamento da justiça.


Índice de Impunidade: 0,044 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: décimo primeiro no ranking, com 0,056.


13. Brasil


Com cinco casos não solucionados de jornalistas mortos por seu trabalho na última década, o Brasil foi incorporado ao índice este ano. Jornalistas que cobrem criminalidade, corrupção e política local têm enfrentado conseqüências brutais. Mas o Brasil, diferentemente da maioria dos países listados, tem conseguido certo êxito em processar judicialmente assassinos de jornalistas obtendo, na última década, condenações em três casos. Cinco indivíduos, incluindo quatro policiais, estão sendo processados pelo assassinato, em 2007, de Luiz Carlos Barbon Filho, jornalista em uma cidade do interior conhecido por seu trabalho investigativo sobre corrupção policial.


Índice de Impunidade: 0,026 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: não fez parte do índice.


14. Índia


A pesar da forte tradição democrática e de uma vigorosa imprensa, sete casos de jornalistas assassinados por seu trabalho continuaram impunes na última década. A investigação do CPJ indica que os jornalistas que cobrem criminalidade, corrupção e política têm sido alvo de ataques. Entre eles encontra-se Vikas Ranjan, correspondente do jornal Hindustan, que foi baleado em 2008 por indivíduos que estavam em uma motocicleta. Ranjan havia recebido ameaças de morte logo depois de fazer uma reportagem sobre mercadoria falsificada e tráfico de bens roubados.


Índice de Impunidade: 0,006 assassinatos de jornalistas não resolvidos por 1 milhão de habitantes. Ano passado: décimo terceiro no ranking com 0,005.


Para detalhes sobre as estatísticas de cada país, em inglês, clique aqui.


Metodologia


O Índice de Impunidade do CPJ calcula o número de casos de jornalistas assassinados não resolvidos como um percentual da população de cada país. O CPJ examinou cada país em um período compreendido entre 1º de janeiro de 1999 e 31 de dezembro de 2008. Somente os países com cinco ou mais casos não solucionados foram incluídos no índice.


Os casos são considerados não resolvidos quando não são registradas condenações pela justiça.


O CPJ define assassinato como o ataque deliberado contra um jornalista específico em represália pelo trabalho da vítima. Os assassinatos constituem mais de 70 por cento das mortes relacionadas ao trabalho entre os jornalistas, segundo as investigações efetuadas pelo CPJ. Este Índice não inclui casos de jornalistas mortos em meio a combates ou enquanto realizavam trabalhos específicos, como a cobertura de manifestações de rua.


Na elaboração do índice, foram utilizados os dados sobre população dos Indicadores de Desenvolvimento Mundial de 2007 do Banco Mundial. Para determinar a população do Iraque e do Afeganistão, o CPJ utilizou como fonte o relatório das Nações Unidas ‘Perspectivas da População Mundial: revisão 2008’.


O CPJ também consultou Mary Gray, professora de Matemática e Estatística da American University, em Washington D.C., para organizar o índice. Gray integrou diretorias e comissões de grupos como a Anistia Internacional. Em 2001, o presidente George W. Bush concedeu a Gray o prêmio presidencial por excelência em Ciência, Matemática e Engenharia.


O Índice de Impunidade do CPJ enfoca especificamente os crimes não solucionados de jornalistas. O CPJ mantém uma base de dados que engloba todos os jornalistas mortos em virtude de seu trabalho e narrativas sobre as circunstâncias de cada caso (disponível em inglês). [Nova York, 23 de março de 2009]

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O CPJ é uma organização independente, sem fins lucrativos, sediada em Nova York, que se dedica a defender a liberdade de imprensa no mundo