‘O conceito de engessamento, usado aqui na coluna de 10 de setembro para lamentar a falta de mobilidade no horário de exibição dos programas que estão sendo reapresentados pelo Festival 40 anos pode, infelizmente, ser também aplicado a outra característica da série que comemora as quatro décadas de existência da emissora: a falta de um ‘olhar 2009’ para conteúdos exibidos décadas atrás, contextualizando-os, separando o que ficou datado do que se tornou permanente ou eterno e redimensionando esses conteúdos, quaisquer que sejam, para mais ou para menos, em relação ao que aconteceu nos anos seguintes, através de entrevistas, comparações, desdobramentos não previstos no passado e, enfim, uma nova edição.
Apenas os esforçados textos de ancoragem, lidos por âncoras atuais da TV Cultura na abertura e no fechamento dos blocos, têm sido insuficientes para que olhemos para essas relíquias do acervo da TV Cultura com olhos dos dias atuais.
Um exemplo desse problema, esta semana, foi a reapresentação do ‘Lanterna Mágica Especial’ exibido em 1987 em homenagem ao então recém-falecido cineasta canadense Norman McLaren, mestre venerado dos filmes (adultos) de animação. Originalmente exibido em 1970, no formato pesado dos documentários educativos dos anos 50 e com o agravante de ter o áudio original em inglês sacrificado para dar lugar a uma narração (empostada) em português, o programa, do jeito que foi ao ar em setembro de 2009, dificilmente atraiu mais que a atenção dos especialistas e aficcionados da área de animação.
Pena que a reapresentação pura e simples do programa acabou escondendo, lá no meio, o momento universal e eterno da arte de Norman Mclaren, inteligível e impressionante para qualquer humano, em qualquer época ou lugar: o clássico ‘Os vizinhos’, uma metáfora violenta e desconcertante do cineasta sobre a capacidade destrutiva do ser humano.
Enigma no ar
Transcrevo uma curiosa queixa do telespectador Manoel Edson Moréia, de Campinas. Confiram:
Boa tarde !!! Desculpe, pois estou com um problemão: todos os dias, às l4h30m, a TV Cultura sai do ar. Por quê? É bom explicar isso para o meu filho de três anos. Pra mim tem sido uma tarefa dificil, pois ele vem e desliga a minha televisão da sala, onde a TV é a cabo e a transmissão de vocês não para.
Quem pode ajudar o Manoel?
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Memória engessada, 10 de setembro
Não é difícil, mesmo para um telespectador comum, imaginar que o Festival 40 anos, estacionado há semanas no horário entre 20h e 21h, independentemente da importância histórica e do potencial de audiência das diferentes preciosidades resgatadas pelo projeto, pode estar prejudicando a audiência inicial do Jornal da Cultura e, indiretamente, do Metrópolis. É provavelmente o que aconteceu nesta quarta-feira, dia 9, quando a viagem aos arquivos da TV Cultura, no coração do horário nobre, foi a reapresentação de um festival de jazz.
Independentemente do valor intrínseco de cada conteúdo e, repita-se, da pertinência absoluta da decisão da emissora de compartilhar seu valioso acervo com o público no ano em que comemora quatro décadas de existência, a melhor solução, para o bem da maioria dos telespectadores do horário, talvez fosse dar uma certa mobilidade ao Festival 40 anos, para que os programas escolhidos fossem ao ar nos horários mais adequados a cada um dos conteúdos. A regra valeria tanto para os sucessos das manhãs e tardes infantis da emissora quanto para os programas culturais que fizeram história na madrugada.
No que diz respeito ao Metrópolis do mesmo dia 9, por exemplo, se a audiência foi baixa, não se pode dizer que a equipe do programa não tenha feito o que podia para envolver o telespectador. Afinal, no cardápio do rico e substancial primeiro bloco com que o Metrópolis tentou segurar a audiência havia uma simpática reportagem sobre a aula dos artistas do Blue Man Group para 120 alunos da Escola de Música do Auditório do Ibirapuera; uma bela e bem-filmada resenha da montagem de ‘O papa e a bruxa’, de Dario Fo, pelo grupo Parlapatões; uma matéria ‘dançante’ com o famoso DJ Anthony Rother; um saboroso registro de bastidores sobre a controvérsia entre Abel Ferrara e Werner Herzog no Festival de Veneza; cenas de Up, o filme de animação que está bombando nas bilheterias brasileiras e até uma canja de fim bloco com o trumpetista Terence Blanchard.
Depois desse show de ecletismo em matéria de artes e entretenimento, a apresentadora Adriana Couto chamou o intervalo, dizendo, enfática:
‘Não sai daí, mas não saia mesmo!’
Ao lado dela, o colega Felipe Aaukay, brincando, ameaçou bater em quem trocasse de canal no intervalo.
Mais que isso, só uma programação de grade menos engessada.
Abraço’
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Desafio estimulante, 9 de setembro
‘Acabou a televisão tudo certinho, meu!’
A frase foi usada por Carlos Carlos, um dos apresentados do Programa Novo, para responder ao comentário de um telespectador sobre uma certa confusão na estreia da nova atração da TV Cultura. Se continuarem valendo, no processo de consolidação desse novo conteúdo, certos princípios básicos da televisão aberta, o tempo deverá mostrar que a frase de Carlos Carlos será ao mesmo tempo confirmada e desmentida pela realidade.
Será confirmada porque a opção consciente dos criadores do programa pela descontração e por não ter que fazer ‘tudo certinho’ diante das câmeras já encontra amplo respaldo no público jovem que o Programa Novo deseja atingir. Junto com essa empatia, no entanto, virá a necessidade de todos os elementos dessa ‘bagunça’ – no time de apresentadores, no cenário, no script, na direção de TV, na pauta jornalística e cultural, e na interatividade – encontrarem seu espaço, sua personalidade, seu ritmo e sua harmonia para que, quem diria, dê ‘tudo certinho’ com a bagunça no ar.
O primeiro programa, apesar do nervosismo que caracteriza todas as estréias ao vivo, teve um índice baixíssimo de problemas operacionais e sinalizou caminhos e propostas instigantes que, no entanto, só o tempo poderá consagrar. A começar pelos apresentadores Zé Brites, Carlos Carlos, Rodolfo e Roberta, todos, incluindo a DJ Claudinha, literalmente ainda buscando seus respectivos espaços e filões. E dançando mais do que deveriam – ou desejariam – de um lado para outro do cenário.
A infeliz coincidência da estreia com o aguaceiro que parou São Paulo, se por um lado comprometeu a ideia de um link movimentado no ginásio do SESC Pompeia, por outro demonstrou, mais uma vez, a excepcional capacidade da apresentadora Gabi de segurar esse tipo de transmissão com carisma e perguntas certeiras, mesmo quando, no caso, esteve apenas com a própria equipe da TV Cultura à sua volta na quadra vazia. Por tudo o que mostrou, tanto nessa estreia quanto nos tempos do saudoso Pé na Rua, Gabi já se credenciou como um dos principais alicerces do novo programa, dentro ou fora do estúdio. Chova ou faça sol.
Outra promessa estimulante e aparentemente inspirada em ‘Whose line is it anyway?’ – o clássico do improviso da tv americana – foi Cízar Parker e sua trupe de palhaços do grupo ‘Jogando no Quintal’. Neste caso, o sucesso do quadro, que teve seus altos e baixos no primeiro programa, dependerá quase que exclusivamente do fôlego e da criatividade do grupo para encarar blocos diários com performances improvisadas de alguns segundos de duração e encenadas num espaço de alguns metros quadrados de estúdio. Boa sorte para eles.
A estreia mostrou que os realizadores do Programa Novo encontraram, nas passagens de bloco, um ótimo espaço para exibir pérolas selecionadas do YouTube e, na volta do intervalo, uma versão mais tímida, ainda que eficiente, das enquetes comportamentais que tanto sucesso fizeram no Pé na Rua. Tudo isso com a possibilidade de a enquete – ou o vídeo do YouTube – ser assunto do programa, na volta ao vivo dos apresentadores, como aconteceu na estreia.
No terreno das reportagens clássicas, que também compõem a receita da nova atração, o primeiro programa mostrou duas boas pautas que não tiveram o benefício de serem editadas e finalizadas previamente, como acontece, por exemplo, no quadros do Manos & Minas: a pauta da comparação entre o microondas e a panela e a ida do apresentador Rodolfo ao show da banda Garotas Suecas.
A curta entrevista por telefone com Bruno, um criador de comunidades bizarras na Internet, foi um exemplo emblemático do uso tímido que a equipe fez, no primeiro dia, da interatividade que deseja tão abertamente. Houve, é claro, as inserções de mensagens na tela, mas as referências à participação dos internautas foram mais numéricas – como na citação dos quase 500 twitteiros que seguiram o programa – do que de conteúdo. Um cuidado compreensível nesses primeiros dias, mas potencialmente frustrante se o programa não encarar, como promete, com todos os riscos, surpresas e vantagens, a proposta de interagir de verdade com seu público via Internet.
Não é difícil, portanto, concluir que o Programa Novo, pelos caminhos que sinalizou na estreia e pelo insubstituível fascínio que só as produções ao vivo podem oferecer, promete ser uma alternativa estimulante para o público jovem da TV aberta. Que os próximos programas confirmem as expectativas.
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Aviso aos navegantes, 8 de setembro
Transcrevo resposta de Simão Molinari, editor de conteúdo do portal da TV Cultura, a um email publicado aqui, na semana passada, sobre um problema que pode estar afetando outros telespectadores que acessam o conteúdo da TV Cultura pela Internet:
‘Caro Ernesto,
Em relação à mensagem do telespectador Antonio Cezar Tramontini, esclarecemos que, no momento, nosso servidor que dá suporte aos vídeos do portal da TV Cultura disponibiliza apenas um ‘tamanho’ de vídeo.
Por questões estratégicas, optamos por um padrão intermediário para garantir uma boa qualidade de som e imagem. Até agora, a solução que colocamos em prática tem sido bem aceita entre os usuários do portal.
Entretanto, dependendo da conexão do usuário ela pode não suportar a exibição sem essas ‘pipocadas’ no áudio, por exemplo. Já estamos trabalhando na melhoria do sistema para que em breve esse problema seja superado e os usuários possam assistir aos vídeos de sua preferência, independentemente do padrão de conexão.
Atenciosamente,
Simão Molinari ‘
Vida real
Uma boa paginação dos assuntos no espelho de um telejornal é qualidade quase tão importante quanto o próprio conteúdo das matérias desse telejornal. No caso da edição do Jornal da Cultura de 1º de setembro, houve um momento em que, sem qualquer adjetivação, a simples justaposição de duas reportagens relacionadas ao tema da pesca certamente levou muitos telespectadores a fazer uma rica reflexão sobre a enorme complexidade do debate sobre sustentabilidade.
A primeira reportagem, de Aldo Quiroga, falava de cardumes e de espécies de peixes que estão escasseando nos mares do mundo e de um tratado internacional a entrar em vigor em dezembro próximo cujo objetivo será o de combater a pesca predatória através de medidas que incluirão o cadastro de barcos e viagens de embarcações de pesca.
Na segunda reportagem, logo em seguida, o repórter Rafael Fachim falava sobre a Semana do Peixe, organizada para incentivar o consumo de peixes no Brasil e inspirada na recomendação de Organização Mundial de Saúde de que cada pessoa consuma, em média, 12 quilos de pescado por ano. O brasileiro, a matéria informa, consome cerca de 7 quilos por anos.
Jornalismo de primeira é assim mesmo.
Faz a gente pensar como a vida, sustentável ou não, é complicada.
Parada para pensar
A equipe do Nossa Língua mostra que continua comprometida com um princípio tão elementar quanto decisivo em TV aberta: está atenta a oportunidades que o dia-a-dia oferece para que o programa sensibilize um contingente cada vez maior de telespectadores. Na edição exibida no feriado de 7 de setembro, Felipe Reis e o professor Pasquale comandaram, sem patriotada, uma interessante viagem pelos segredos e curiosidades de duas músicas que aprendemos a cantar desde pequenos sem saber ou muito o que as letras dizem: o Hino Nacional e o Hino da Independência.’