Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma legislação ignorada pela mídia

Só o jornal O Estado de S.Paulo deu com destaque o resultado da pesquisa feita sobre a aplicação da Lei Maria da Penha, que completa três anos de existência. Dados nada animadores, aliás:




‘Em três anos, 2,4% dos processos contra homens que agrediram mulheres resultaram em condenações com prisões, conforme dados divulgados ontem pelo Conselho Nacional de Justiça. Dos 75.829 processos decididos com base na Lei Maria da Penha, houve detenção em 1801’. (O Estado de S.Paulo, 31/3/2009)


A farmacêutica Maria da Penha, que deu nome à lei, comemorou os números: ‘Antigamente o homem agredia, pedia desculpas e a mulher perdoava’. Segundo ela, a violência não aumentou, ‘mas os casos estão aparecendo’.


A violência não aumentou, mas continua, conforme os jornais noticiaram em março, quando um ex-jogador de futebol matou a ex-mulher e sequestrou o filho deles, de 1 ano e oito meses. Preso, o assassino se defendeu dizendo que matou por ciúmes, porque a ex-mulher recebeu uma mensagem de outro jogador de futebol. (Folha de S.Paulo, 23/3/2009)


A imprensa divulgou o crime, com mais ênfase do que os números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas falhou ao se limitar a contar o acontecido. Essa história de matar por ciúmes bem que merecia um bom texto de psicólogos, feministas, especialistas, enfim, conteúdos que mostrassem onde termina o ciúme e onde começa a posse, inclusive em relacionamentos emocional e legalmente desfeitos.


Falta muito


A imprensa prestaria um grande serviço às mulheres – casadas, companheiras, noivas e namoradas – ensinando como se defender em caso de perigo. De acordo com a matéria do Estadão, o levantamento, com informações de 23 Tribunais de Justiça até novembro, revela que ‘ainda tramitam, nas varas especializadas em violência doméstica e familiar contra a mulher, 150.532 processos. Desses, 41,9 mil resultaram em ações penais e 19,8 mil em cíveis. As 88 mil ações restantes pedem medida de proteção’.


Como diminuir esses números? Segundo o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, ‘há dificuldade para realizar transformações culturais a partir de lei, mas o quadro hoje já é diferente da fase anterior a lei’.


A imprensa poderia verificar como andam os abrigos para as mulheres agredidas e seus filhos, considerada a forma mais eficiente para evitar que as agredidas continuem convivendo com o agressor. Os abrigos, previstos pela Lei Maria da Penha, ainda são poucos, diz Alcione de Melo, diretora do Centro Dandara de Promotorias Legais Populares. Falta, segundo ela, compromisso de estados e municípios para efetivação da Lei Maria da Penha: ‘Ainda há policiais despreparados para atendimento de mulheres, a Justiça continua conservadora e faltam políticas públicas para garantir as medidas de proteção previstas.’


Ao que tudo indica, embora a lei esteja dando resultados, falta muito para que as mulheres agredidas possam ter sua segurança garantida. Quem sabe, na comemoração dos três anos da lei, o governo não descobre aí um bom filão para propaganda e votos femininos? E que a Lei Maria da Penha deixe de ser apenas uma bela peça jurídica e cumpra realmente seu papel. Isso é uma coisa que a imprensa pode e deve noticiar, comentar e exigir.

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Jornalista