Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que há na raiz da ladroeira

A ação da Polícia Federal contra executivos e funcionários do Grupo Camargo Corrêa foi o espetáculo de sempre nos meios de comunicação: as prisões com aviso prévio a uma rede de TV, a divulgação de trechos selecionados de uma investigação ‘à qual este jornal teve acesso’, a decretação da prisão por um juiz de primeira instância, a revogação da prisão por instância superior.

Mas faltou um aspecto importante, que nenhum veículo abordou: a relação entre a necessidade dos políticos de conseguir contribuições de campanha, ‘por dentro ou por fora’, e a estrutura eleitoral brasileira.

Uma campanha para deputado estadual, em São Paulo, por um candidato que não tenha base em nenhum nicho específico nem seja ainda conhecido, vai obrigá-lo a projetar seu nome em mais de 600 municípios, a mobilizar um mínimo de treze peruas (com 26 motoristas, mais 52 auxiliares, todos rodando, comendo e se hospedando por conta das contribuições recebidas), mais os panfletos e cartazes. Exige uma sede ampla, com umas dez telefonistas por período telefonando o tempo inteiro para o estado inteiro. Exige recepcionistas para cuidar dos cabos eleitorais (e exige os cabos eleitorais propriamente ditos, que dificilmente trabalham de graça). É coisa de no mínimo R$ 1 milhão.

Aí mora o perigo: os candidatos precisam de contribuições (e, já que estão caçando, podem também pescar um pouco para reforçar o bolso), e muitas empresas acham ótimo contribuir, para buscar mais tarde, junto aos eleitos, a base política de suas reivindicações. Um veterano jornalista do ramo, que conheceu os políticos mais importantes do país até a década de 1990, lembra o que lhe disse um ex-presidente: como fazer campanha no Brasil sem o caixa 1, 2 ou 3 das grandes empresas que necessitam dos favores do governo?

Um sistema de voto distrital reduziria o âmbito das campanhas, tornando-as muito mais baratas. O candidato disputaria numa área em que é familiar, onde muita gente o conheceria. A necessidade de dinheiro para a campanha cairia dramaticamente.

É claro que para quem já tem a alma de ladrão a luta pelas contribuições continuaria acirrada. Mas haveria uma redução no número de casos, facilitando investigações, facilitando a ação da opinião pública.

O problema é que os atuais parlamentares foram eleitos pelo sistema atual. Por que mudariam este sistema onde tiveram sucesso? Para arriscar sua sobrevivência política num sistema em que nunca foram testados?

 

Cadê a carne?

No meio das páginas e páginas de notícias sobre o caso Camargo Correa, alguns pecadilhos graves. O portal noticioso de um grande jornal na internet dizia, no título, que o PT poderia ser investigado por doações da empresa. E o texto não trazia qualquer informação nesse sentido.

Uma outra reportagem, esta em jornal impresso de circulação nacional, atribuía ao presidente Lula a iniciativa de sugerir à Camargo Corrêa que contratasse o advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos para defender seus diretores. Tudo bem, até poderia ter acontecido assim: Márcio Thomaz Bastos é velho amigo de Lula, goza de sua inteira confiança e foi seu ministro da Justiça. Mas, fora a frase que atribuía a Lula (ou ‘ao governo’, ‘ao Planalto’) a lembrança do nome de Bastos, não havia qualquer informação que confirmasse a indicação.

Ora, Márcio Thomaz Bastos é advogado conhecido, respeitado, com escritório em pleno funcionamento (e já era conhecido e respeitado muito antes de ser ministro da Justiça). Parece muito mais lógico imaginar que uma empresa de porte tenha decidido procurá-lo por seus méritos, que são muitos, sem precisar da indicação do presidente. Márcio, como o outro conceituadíssimo advogado criminalista que defende a Camargo Corrêa, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, é um nome lembrado sempre que alguém precisa de um profissional de primeiro nível. Ambos independem de indicação política. Basta-lhes o reconhecimento de sua capacidade profissional.

 

As contas do MST

Um bom trabalho de investigação jornalística revelou que há 43 entidades recebendo dinheiro público para repassá-lo ao MST, movimento liderado por João Pedro Stédile. Demorou, mas o número apareceu.

Está faltando, agora, outra reportagem: um bom levantamento de quem são os ‘sem-terra’ ligados ao MST. Serão lavradores cansados de trabalhar para terceiros, às vezes cruelmente por eles explorados? Serão filhos de pequenos proprietários cujos lotes já não são suficientes para sustentar a família?

Gente que teve contato próximo com o MST garante que, se houver trabalhadores rurais naquelas multidões, serão minoria; ali haveria de tudo, profissionais liberais, trabalhadores urbanos, donas de casa, até alguns ativistas políticos. E, como característica comum, não têm a menor idéia de como trabalhar a terra. Uma reportagem que perguntasse a época correta de semear milho revelaria também muita coisa sobre quem é a massa de manobra do MST.

 

O culto ao canudo

O Supremo Tribunal Federal vota neste dia 1º de abril a exigência do diploma para o exercício do jornalismo, instituída por lei da época da ditadura militar, assinada, se não falha a memória deste colunista, pelo então ministro do Trabalho, coronel Jarbas Passarinho. As entidades sindicais são favoráveis; há jornalistas contrários – não ao diploma, que estudar sempre é bom, mas à obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão. Este colunista é contra a obrigatoriedade. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que defende com vigor a exigência do diploma, chega a dizer que há o risco de um novo golpe, ‘desta vez direcionado contra o seu direito de receber informação qualificada, apurada por profissionais capacitados para exercer o jornalismo, com formação teórica, prática e ética’.

Argumento falho: se diploma fosse capaz de fornecer ética a alguém, o advogado Edmar Moreira, aquele deputado do castelo, não estaria enfrentando problemas. O advogado Jader Barbalho não teria sido envolvido naquele caso do ranário. Fernando Collor, também advogado, teria cumprido seu mandato até o fim.

E, quanto às notícias bem apuradas, este colunista se delicia com as reportagens do sem-diploma Ricardo Kotscho, que só entra em faculdade para dar aula.

 

Boa notícia

A censura determinada por um juiz que impedia o grupo O Povo, de Fortaleza, de publicar notícias referentes a João Carlos Mendonça (que os meios de comunicação censurados qualificam como ‘empresário e bicheiro’), foi enfim revogada por instância superior da Justiça. Mendonça, um dos 15 réus no processo da 11ª Vara Federal que apura a atuação ilegal dos bicheiros em Fortaleza, pode voltar a ser notícia.

 

Má notícia

Em Porto Alegre, uma altíssima condenação – quase R$ 300 mil de indenização – foi imposta ao jornalista José Barrionuevo, pessoa séria e competente, por denunciar coisas muito esquisitas, como uma avalanche de ações, por ampla maioria movidas por um só escritório, contra uma estatal gaúcha. Barrionuevo, 30 anos de profissão, durante os quais trabalhou nos principais meios de comunicação do Rio Grande do Sul, pensa até em abandonar a profissão: equipara esse tipo de indenização a uma forma de censura, cujo objetivo é atemorizar os jornalistas.

 

Preconceito – mulher

Reportagem sobre uma procuradora de Justiça assinala que é ‘bonita e vaidosa’. Alguém já viu, numa reportagem, análises desse tipo sobre um procurador? Não: esta forma de tratamento é exclusiva para mulheres. Não vamos esquecer que a ministra Ellen Gracie, do STF, quando foi sabatinada no Congresso, teve elogiadas a ‘beleza e elegância’. Ninguém disse nada parecido na sabatina de qualquer ministro homem.

 

Preconceito – religião

Numa reportagem simpática, afirma-se a folhas tantas que Cíntia Abravanel, a filha de Sílvio Santos que dirige o Teatro Imprensa, é supersticiosa: ‘Chamou monges tibetanos para benzer a casa’.

Caso Cíntia tivesse chamado padres ou pastores para benzer a casa, seria qualificada como ‘supersticiosa’? Pois é: superstição é aquela prática religiosa que não seguimos.

 

Treinamento nela!

Foi uma das entrevistas mais desastrosas dos últimos tempos: Luciana, filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, funcionária do Senado lotada no gabinete do senador Heráclito Fortes (DEM-PI), não resistiu a algumas perguntas básicas. Chegou a dizer que não sabia se recebeu ajuda de custos em janeiro (o pagamento desta ajuda aos funcionários, junto com horas extras em período de recesso, pegou muito mal). Disse que, embora receba dinheiro público, faz ‘coisas particulares’ do senador.

Pode ser que o trabalho de Luciana Cardoso esteja integralmente dentro da lei, sem qualquer irregularidade. Mas não é o que suas respostas deram a entender.

Será que ninguém conta para algumas pessoas, que eventualmente possam ser surpreendidas por repórteres, que um bom media-training é fundamental? No mínimo, evita a aparência de arrogância.

 

Como…

De um grande portal noticioso:

** ‘Grupo rouba oito carros e mata um em Brasília’

Este colunista já tinha ouvido falar de carros que morriam. Mas era de morte morrida. De morte matada é a primeira vez.

 

…é…

Também da internet, fonte inesgotável de textos maravilhosos:

** ‘Amy Winehouse `coça o saco´ durante passeio em Londres’

Estaria sozinha?

 

…mesmo?

Do material distribuído pelo gabinete do deputado Afonso Hamm (PP gaúcho):

** ‘Hamm destaca a importância do carvão mineral no plenário da Câmara dos Deputados’

Carvão mineral no plenário da Câmara dos Deputados! E pensar que este colunista sempre ouviu dizer que o carvão vegetal é que é bom para absorver o mau cheiro!

 

E eu com isso?

O noticiário anda muito pesado, cansativo, até meio deprimente. Até as notícias mais leves falam de conflitos e censuras:

1. ‘Victoria Beckham volta aos EUA e se desentende com a sogra’

2. ‘Madonna e Jesus terminam namoro e pivô curte praia’

3. ‘Mischa Barton é clicada fumando antes de ir malhar’

4. ‘Zac Efron é flagrado com cera no ouvido em Londres’

Outras invadem a privacidade dos artistas:

5. ‘Marcello Novaes malha debaixo de sol em praia carioca’

6. ‘Richard Gere é flagrado com família em Galápagos’

 

O grande título

Este não tem concorrência possível:

** ‘Câmara dos Deputados empenha R$ 15 mil para serviços de desinsetização e desratização. A idéia é exterminar as ratazanas’

Não façam piada, que a idéia é boa. Este colunista sempre defendeu a tese de que 513 deputados é demais. Mas é preciso tomar cuidado para que sobre um número razoável para as deliberações – talvez 250, como Clodovil havia proposto.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados