Não haveria Observatório da Imprensa se não fosse Alberto Dines. O reconhecimento desse fato é uma unanimidade entre os colaboradores desta edição especial em homenagem ao grande mestre do jornalismo brasileiro, que nos deixou no último dia 22 de maio. Pessoas que tiveram o privilégio de desfrutar de sua convivência e amizade e testemunham sua dedicação à criação de um projeto pioneiro de crítica de mídia no Brasil. “O Observatório da Imprensa tem uma alma e essa alma tem um nome: Alberto Dines”, escreve Caio Túlio Costa no texto “Entre o cosmo sangrento e a alma pura”, republicado nesta edição.
O Observatório da Imprensa é, assim, caso único de um espaço de reflexão que, embora tenha nascido numa universidade, não é acadêmico. O então reitor da Unicamp, Carlos Vogt, lembra em seu artigo “Ao Dines, com Carinho” as circunstâncias que deram origem ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e ao Observatório da Imprensa durante um encontro entre ele, Dines e Norma Couri em Portugal, no início dos anos 1990.
O jornalista e professor Carlos Eduardo Lins da Silva discute em seu texto “Cadernos de Jornalismo e Comunicação do Jornal do Brasil” a carência de espaços para pensar o fazer jornalístico fora da academia e a importância de Alberto Dines como propulsor da crítica de mídia no país desde os anos 1960, quando trabalhava no Jornal do Brasil. “O que Alberto Dines fez durante boa parte de seus 60 anos nesta profissão foi criar, só ele e Deus sabem a que custo, condições e oportunidades para se fazer jornalismo com método e para se refletir o jornalismo com método”, uma tentativa de ‘somar experiências com reflexão resistindo à tentação de fazer ciência’.”
A experiência impactou a academia, como lembra o professor da Universidade Federal de Santa Catarina Rogério Chistofolletti, no seu “Tributo a Alberto Dines.” “Os maiores projetos acadêmicos que me dediquei nas últimas duas décadas têm claras inspirações no trabalho de Alberto Dines.”
O projeto de criação do Observatório da Imprensa foi sendo construído durante a trajetória de Alberto Dines como jornalista nos principais veículos brasileiros. Eugênio Bucci, no artigo “Aos 80 anos de um mestre”, publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, em 2012, enaltece o trabalho incessante do jornalista. “Dines é a prova de que a experiência não concorre necessariamente para diluir os princípios e de que o caráter não esmorece. No caso do jornalista, o caráter alimenta-se da independência intelectual e material, assim como se alicerça no cultivo da liberdade e do espírito crítico – portanto, ganha vigor com o passar do tempo”.
A constituição de uma voz social única de crítica de mídia no Brasil, a partir de Alberto Dines, pode ser observada na seleção de trechos de sua autoria que fazem parte do ebook “Observatório da Imprensa, uma antologia da crítica de mídia no Brasil de 1996 à 2018”. Pode-se ver ali o exercício da parresía, o dizer verdadeiro na tradição do pensamento grego, tão raro diante dos interesses em jogo em torno do jornalismo.
Este é um dos principais legados de Dines: conseguir sustentar um projeto autônomo para se contrapor à tradição de uma mídia que não se critica. “As grandes empresas de mídia brasileiras não querem que o seu poder seja enfrentado por um contrapoder, mesmo que social ou público”, anotou o mestre no início deste século.
Dines sempre fez de sua experiência um espaço de resistência a todo tipo de censura. Luiz Eypto, editor do Observatório da Imprensa entre 1998 e 2015, reconstitui, no texto “A inspiração e a alma”, um conhecido episódio envolvendo o jornalista nos anos 1970. A censura brasileira queria impedir a publicação de notícias com fotografias e manchetes sobre o golpe militar chileno que depôs Salvador Allende. “Dines perpetrou, no sufoco, uma histórica capa sem foto e sem manchete, em quatro colunas de texto puro, de um impacto inolvidável para quem teve a ventura de ver o JB exposto numa banca de jornal naquela manhã distante. A edição virou item de colecionador.”
Um homem à frente do tempo que intuiu, como observa Carlos Castilho, no texto “Um visionário por convicção e necessidade”, que “a observação crítica da imprensa viria a se transformar numa necessidade inadiável e insubstituível na era das fake news”.
A jornalista Norma Couri, no artigo “Ai, que terra boa pra se farrear”, observa a relevância de um espaço como o portal do Observatório da Imprensa no contexto do excesso de informação da sociedade contemporânea. “O site é esse questionador, esse fazer pensar, essa pausa nas redes sociais, essa releitura e essa recolocação do leitor no lugar de crítico e filtro daquilo que deglute sem mastigar na mídia”.
Num depoimento recente a Norma Couri, também publicado nesta edição, Dines explica que a escolha do nome do Observatório da Imprensa teve como inspiração o físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976), criador da mecânica quântica. “Ele dizia que, ao observar um fenômeno, você interfere no fenômeno. Ao observar a imprensa, você interfere nela, sem mandar, sem controlar”. E completa: “Preocupa perceber que a crítica da mídia desenvolveu-se no Brasil, mas ganhou um certo viés ideológico.”
Como disse Luiz Egypto, entre os semeadores e os coveiros, Dines alista-se no primeiro grupo. Foi um maestro das redações que nos ensinou a fugir dos saberes estabilizados e da auto-complacência. Por essas e outras, Dines é uma voz que fará muita falta ao jornalismo e à sociedade brasileira. E sua trajetória é um convite a prosseguirmos.