Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estudantes da ESPM descrevem episódio da websérie ‘Cartas na Mesa’

Perfil dos participantes

Ricardo Gandour graduou-se em Engenharia Civil pela USP de São Carlos, em 1984, e em Jornalismo, pela Cásper Líbero, em 1990. De 1986 a 1988, especializou-se em Teoria da Comunicação pela Cásper Líbero. Em 1996 especializou-se em Administração pela FGV e, no ano seguinte, no Professional Publishing Course, pela Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Em 2004, realizou uma especialização no Programa de Gestão Avançada PGA, pela Fundação Dom Cabral (FDC). Em 2016, desenvolveu um aperfeiçoamento como pesquisador visitante na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

Gandour iniciou a carreira como repórter e editor na Folha de S.Paulo. Atuou na empresa de 1990 a 2000. Lá fundou e dirigiu a Publifolha. De 2000 a 2002, trabalhou na Editora Globo. Ficou de 2002 a 2006 no Diário de S.Paulo. Foi diretor de conteúdo em O Estado de S. Paulo de 2006 a 2016. Nesse período, foi responsável pela produção de conteúdos de O Estado de S. Paulo, do Jornal da Tarde, da Agência Estado e da Rádio Eldorado. Desde 2016 é diretor-executivo da Rádio CBN.

O jornalista também já lecionou na Cásper Líbero (1996-1999), no departamento de Jornalismo da ECA-USP (1999-2002) e, atualmente, é professor associado da ESPM-SP, desde 2016, no programa de Mestrado Profissional em Produção Jornalística e Mercado.

Gandour publicou livros referentes ao turismo, como “O melhor do Brasil – Uma seleção de atrações turísticas e passeios imperdíveis” e o “Guia Visual Folha de S.Paulo”.

Convicto defensor dos métodos de apuração jornalística como garantia de um produto de qualidade, no último dia 9 de abril, Gandour publicou na Folha de S.Paulo um artigo de opinião em que fala sobre a atuação da imprensa durante a prisão do ex-presidente Lula e sobre a importância do jornalismo para a construção da democracia. Ele escreveu: “Desde a redemocratização, reportagens têm sido um dos trilhos essenciais até os tempos presentes. Da segurança pública ao combate à corrupção, o jornalismo tem ajudado na construção e depuração institucional”.

Nascido em Alfenas (MG), em 1954, Caio Túlio Costa é jornalista formado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e possui um doutorado em Ciências da Comunicação também pela USP. Cofundador do Torabit, uma empresa de monitoramento da atividade de perfis em redes, hoje é professor de pós-graduação em Jornalismo na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP).

Em 1981, começou a trabalhar no Grupo Folha, onde ficou até 2002, exercendo diversos cargos. Até 1987, foi secretário de redação da Folha de S.Paulo, posteriormente correspondente internacional em Paris. Em 1989, tornou-se o primeiro ombudsman da imprensa brasileira e criou a Revista da Folha. Antenado às tecnologias, sempre foi muito inovador. Fundou no ano de 1996 o Universo Online, conhecido como UOL, que é até hoje um dos principais portais do Brasil. Lá, ocupou o cargo de diretor-geral até 2002.

Em 2006 assumiu a presidência do Internet Group, pertencente à Brasil Telecom, e uniu os portais iG, iBest e BrTurbo. Em 2010 e 2014 trabalhou como coordenador digital das campanhas de Marina Silva à presidência do Brasil.

Caio Túlio Costa é autor de quatro livros: “O que é anarquismo” (Brasiliense, 1981), “Ombudsman – o relógio de Pascal” (Geração Editorial, 2006; Siciliano, 1990), “Cale-se” (A Girafa, 2003) e “Ética, jornalismo e nova mídia – uma moral provisória” (Zahar, 2009). Também é coautor do Manual geral de redação da Folha (1984) e organizou as obras 50 brasileiros param para pensar o país (Instituto DNA Brasil, 2005) e Somos ou estamos corruptos? (Instituto DNA Brasil: 2006).

É notório defensor da liberdade de imprensa, como é possível perceber em entrevista concedida, em 2013, ao site Panorama Mercantil. Na oportunidade, julga ser necessário que o indivíduo possa escolher o veículo pelo qual consome informação, mas que nunca exista controle ideológico, respeitando a liberdade de expressão e sendo completamente contrário as práticas de censura.

Desinformação – Fake news: problematizações e Jornalismo pra que e pra quem?

Caio Túlio Costa (cofundador do Torabit e do portal UOL) e Ricardo Gandour (diretor-executivo da Rádio CBN) foram os convidados para discutir o tema Desinformação, no segundo programa da série Cartas na Mesa, uma parceria do curso de Jornalismo da ESPM-SP com o Observatório da Imprensa. A gravação foi realizada no dia 8 de março. Na ocasião os jornalistas debateram questões como as fake news (notícias falsas) e o papel da imprensa nas eleições presidenciais de 2018.

Fake news

Segundo Caio Túlio Costa, fake news é uma notícia criada com o propósito de inventar ou distorcer uma história. Para exemplificar, falou sobre o Senado Romano e as práticas de boatos. O jornalista lembrou, no entanto, que, naquela época, não era tão abrangente e nem era feita para a sociedade como um todo, diferentemente do que se vê hoje em dia.

Ricardo Gandour acrescentou que a produção e a distribuição dessas notícias são feitas de maneira proposital, visto que vivemos um momento extremamente delicado, no qual existe uma grande polarização política. Dessa forma, fatos são inventados com o intuito de distorcer e enganar alguém, para favorecer um indivíduo ou desmoralizá-lo.
“As fake news vão influenciar nas eleições, mas essa influência já pode ser vista entre os pré-candidatos e deve-se ter muita precaução. Para isso, deve-se separar o joio do trigo e iluminar a notícia no sentido de o que é o que não é fake news”, afirmou Gandour.

Para o jornalista, as notícias falsas sempre existiram. Como exemplo, falou sobre a notícia do bebê-diabo, publicada nos anos 1970 pelo jornal Notícias Populares. A prática alcançou grandes proporções, níveis aumentados, com a chegada da internet. Caio Túlio citou a importância que as fake news podem ter neste ano e como podem influenciar diretamente no resultado das eleições.

Gandour falou sobre a dificuldade de combater as fake news em razão da velocidade de circulação da informação e da existência de um meio próprio de propagação, a internet. “Por exemplo, uma fake news vem três dias antes da eleição e não dá muito tempo de desmentir”, disse.

Segundo o diretor da CBN, para diminuir a desinformação, as redações e as escolas de jornalismo têm de ajudar na checagem, e não embarcar nessas notícias. Hoje se inventam matérias, e estas além de possuírem um disfarce de conteúdo jornalístico sério, se espalham com muita rapidez. “As pessoas devem ver as fontes e não espalhar todas as notícias assim que leem a manchete”, recomendou.

“Fake news é uma coisa seríssima. Foi séria nas eleições francesas, é seríssima nas eleições americanos e pode ser seríssimo esse ano no Brasil. Sem dúvida nenhuma”, resumiu Caio Túlio Costa.

Polarização e jornalismo

As fake news vão ser produzidas como nunca no período de eleição, pois são fruto da crescente polarização política que tomou conta do mundo. Tendo isso em vista, Gandour perguntou :“Você acha que essa polarização tem a ver com a perda da capacidade do jornalismo de mediar a informação na sociedade?”. Para Caio Túlio Costa, o jornalismo, principalmente o impresso, vem perdendo o suporte dos meios tradicionais de comunicação, fazendo com que as informações sejam propagadas por meios muitas vezes duvidosos, e, consequentemente, influenciando na posição de muitas pessoas acerca de um tema.

Participação dos jornalistas Ricardo Gandour e Caio Túlio Costa na websérie “Cartas na Mesa”. Na imagem, os bastidores do debate entre os jornalistas durante a gravação do programa. (Foto: Marina Lahr)

O jornalista, porém, como mediador, tem a capacidade técnica para saber o que é uma notícia verdadeira, saber ouvir os dois lados e escrever seus textos de maneira mais isenta. Para Caio Túlio, isso não vai se perder. “O que o jornalismo está perdendo é o mercado para um tipo de suporte, que é o suporte tradicional do papel, da televisão. O que ele está perdendo é uma perda no negócio, no qual ele se baseou e que durou, do ponto de vista jornalístico, quase 600 anos, desde Gutenberg”, disse Caio Túlio.

Segundo ele, o que se faz nas fake news é imitar a atuação do jornalista para criar notícias que são distorcidas e que parecem jornalismo, mas não são. Com redações enfraquecidas por sucessivos cortes de pessoal, isso pode, segundo ele, a afetar a qualidade da produção jornalística. “O que não significa que ela deixou de existir”, resumiu.

Ricardo Gandour vê agravantes no momento atual, com o cenário do público interagindo e se manifestando pelas redes sociais. “Agora há um volume maior e com a distribuição em massa. Um exemplo recente é a manhã em que a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, foi deflagrada, no ano passado. Claramente as redações embarcaram no clamor precoce das redes sociais. Depois se viu que não era aquilo, em relação à qualidade da carne, e foi algo muito mais isolado do que parecia”, completou.

Para Caio Túlio, as redes sociais podem ser usadas tanto para o bem quanto para o mal. Para ele, a capacidade dos meios tradicionais de produção jornalística de produzir e publicar nas redes sociais é que pode estar debilitada. Gandour acredita que, em um cenário de redações enfraquecidas, a qualidade do sistema pode estar caindo, pela dificuldade dos meios de comunicação em ocupar espaço com conteúdo de qualidade. Se fosse possível produzir mais matérias com grande qualidade, as fake news poderiam ocupar menos espaço, avaliou.

O papel do profissional

Ao ser questionado sobre qual a obrigação dos jornalistas, Gandour respondeu que há um ambiente nos veículos de comunicação reservado apenas para a checagem das informações e que a verificação dessas notícias está acontecendo como uma forma de “produção em massa”, já que se deve desconfiar das pautas e das fontes que divulgam as notícias. “Sim, isso está colocado. Tanto que surgiram em vários veículos os núcleos de checagem. Estão sendo bem usados no Brasil. Teve um exemplo disso ano passado na França, na eleição do Macron, no ano passado. Teve um consórcio que foi montado e está se tentando fazer isso no Brasil. Para você ver como as redações estão sobrecarregadas, além de estar mais enxutas para cobrir a pauta do dia e ter fôlego para fazer matérias especiais, agora têm também que correr atrás de checar boatos e rumores que muitas vezes aparecem como se fossem verdades. E a opinião pública toma aquilo como verdades atribuídas a fontes”, explicou o jornalista

Porém, para Gandour, os jornalistas não devem ter total responsabilidade na hora de afirmar se uma notícia é falsa ou não. “A força tem que estar com o cidadão, não vai ter algoritmo, decreto, lei ou norma do governo, de cima para baixo que vai resolver isso. Eu acho que a força tem que estar com a sociedade, as pessoas têm que ter conscientização”, disse.

Segundo o diretor da CBN, o poder está de baixo para cima. Ele apontou pontos positivos e negativos para o ambiente jornalístico com o avanço da comunicação pela internet. “A gente criou um problema por universalizar e dar poder a qualquer um de emitir e distribuir. Isso é maravilhoso. Agora a solução para alguns efeitos colaterais que ele tem, acho que vai estar aqui de novo: educação. Nas faculdades você ter essa discussão e de novo o cidadão vai resolver isso”, completou.

A população também tem que estar conscientizada sobre os assuntos e para isso deve acompanhar mais de uma fonte. Tanto o problema quanto a solução vêm de baixo para cima Portanto, um jeito de eficaz de combater essas notícias é melhorar a educação e proporcionar debates sobre fake news, o que elas podem causar e como as desvendá-las.

Caio Túlio Costa, no entanto, reforçou a importância dos jornalistas no papel de acabar com a desinformação. “A necessidade de um jornalista como mediador, como técnico, como alguém que tenha capacidade técnica, isso é intocável, continua. O que estão fazendo é produzir notícias que estão distorcidas, que parecem jornalismo, mas não são. Então acho que não mexeu nessa capacidade O fato de mercado estar indo para as mídias tradicionais fazer com que jornalistas sejam dispensados, redações diminuídas e cortes e mais cortes aconteçam, isso pode afetar a qualidade da produção, mas não significa que deixou de existir”, afirmou.

Responsabilidade penal

A penalização para quem fabrica o conteúdo falso já está presente no Código Penal e existem leis para responsabilizar os criadores de notícias falsas, sendo inviável criar outras leis que contenham características de censura. “Eu acho que já existe esse sistema e já está no nosso Código Penal. Nós já não temos mais a Lei de Imprensa, mas temos leis que dão conta disso. Quer dizer, o que precisa é agilizar a Justiça e não ir criando mecanismos paliativos que são típicos de censuras. Por exemplo, essa recente censura de pesquisa eleitoral, que impede de fazerem outras perguntas, que não aquelas que estão escritas”, afirmou Caio Túlio Costa.

“Cabe a uma delegacia especializada em crimes de informática descobrir, a partir do servidor, quem é que colocou, divulgou e criou aquela notícia. E dá para desmascarar facilmente o número do IP do computador em que foi criada a notícia”, acrescentou, sobre a forma de identificar e punir quem cria e distribui notícias falsas.

Gandour concordou e disse diz que “prefere ouvir bobagem do que ser proibido de ouvir”. O diretor da CBN destacou a importância do jornalismo para separar o que é e o que não é fake news. “O papel do jornalismo é iluminar. Tem uma escuridão de fake news aí. E o papel do jornalismo é iluminar”, resumiu. Ele avaliou que o jornalismo não vai conseguir iluminar totalmente essa escuridão, mas que é uma jornada permanente.

Caio Túlio complementou dizendo que o problema a ser vencido, e que pode criar uma situação dramática, é se o jornalismo não resolver o problema do seu modelo de negócio. Ele sugeriu que os meios de comunicação precisam avaliar a melhor forma de se associar os gigantes da comunicação hoje no mundo (Facebook e Google) para viabilizar seus negócios. “O problema das fake news é brutal e tem de ser enfrentado. Mas temos outro problema para resolver, que é o modelo de negócios”, disse.

Gandour vê com receio a possibilidade de os meios de comunicação tradicionais perderem mais espaço, pois o ato jornalístico está preservado nesses ambientes. Ele afirmou que podemos estar às vésperas de um grande período de trevas informativas. Ele vê com desconfiança a suposta preocupação de Facebook e Google em preservar o ambiente jornalístico tradicional, o que acredita ser uma jogada de marketing desses gigantes mundiais de tecnologia e comunicação.

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Isabel Martins e João Pedro Mello são estudantes do primeiro semestre de Jornalismo da ESPM-SP.

Fotos de Marina Lahr.