Uma coisa é pessoas terem acesso a algum tipo de informação. Outra, é terem acesso a informações sobre o local onde vivem.
Com a internet, as facilidades de abrir um navegador e saber o que se passa no Congresso Nacional permitiram com que as pessoas saibam todos os pormenores na política nacional. Todos os bastidores, os processos no Ministério Público, as opiniões de magistrados e acesso a dados minuciosos sobre gastos parlamentares.
Isso é ótimo. Com acesso à rede, um sujeito em Padre Paraíso (população 20.000), no leste de Minas Gerais, a cerca de 500km de Belo Horizonte, tem acesso ao mesmo nível de informação jornalística no âmbito federal do que um acadêmico na cidade de São Paulo (população 12 milhões).
No entanto, qual o acesso desse sujeito padre-paraisense ao que acontece dentro de sua cidade? Quem cobre a vida cívica daquela área? Claro, numa cidade tão pequena, onde todo mundo conhece todo mundo, muita informação pode ser passada pela palavra oral. Mas quem investiga a Câmara Municipal? Quem investiga a prefeitura? Quem analisa e produz conteúdo isento e público sobre dados de contratos públicos?
Padre Paraíso é um chamado deserto de notícias. Com a exceção de uma rádio da prefeitura local, veículos de comunicação locais são escassos. Na página da cidade no portal G1, a última atualização foi há 4 meses (até dia 3 de julho de 2018). Aparentemente, a principal iniciativa jornalística que cobre a cidade é o site “Aconteceu no Vale”, a quase 200 quilômetros de distância.
Uma busca rápida no Google retorna resultados principalmente ligados à violência na área. Em 2015, o jornalista Evany José Metzker, que cobria a cidade, foi assassinado.
Ter acesso a iniciativas locais de jornalismo é mais do que ter veículos de cidades distantes publicando a nota ocasional sobre um caso de violência em certo lugar. É ter acesso àquilo que possa dar sentido à nossa vida cívica, para que possamos votar, cobrar, reclamar e participar. É dar transparência ao processo político e mostrar o que funciona ou não.
No primeiro relatório do Atlas da Notícia, mostramos como 70 milhões de pessoas vivem em um “deserto de notícias” quando se trata de noticiário local.
Neste novo relatório, mostramos como 50 milhões de brasileiros (cerca de 25% da população) vivem em cidades onde não há presença registrada de emissoras de rádio nem de televisão, dois veículos que possuem uma penetração muito significativa no interior do país.
Para a democracia se aperfeiçoar, inclusive no nível local, é preciso que cidadãos tomem decisões informadas para suas vidas. É difícil que isso aconteça com acesso apenas ao noticiário nacional.
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Sérgio Spagnuolo é jornalista, editor e fundador da agência Volt Data Lab e mestre em Relações Internacionais e Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Renata Hirota é jornalista, analista de dados do Volt Data Lab e estudante de estatística do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo.