Texto publicado originalmente pelo Balaio do Kotscho.
Já havia mais de 50 mil pessoas na maior empolgação na praça em frente aos Arcos da Lapa, no Rio, quando o Jornal Nacional resolveu dar um breve registro do maior fato político das últimas semanas, em defesa da libertação de Lula.
Foi apenas uma “nota coberta” de 40 segundos, que é como, no jargão da televisão, os profissionais se referem às matérias que precisam ser exibidas, mas sem destaque.
Lembrou muito o que fizeram no primeiro grande comício das Diretas Já, na praça da Sé, em São Paulo, em 25 de janeiro de 1984, quando o JN deu a notícia como se fizesse parte das comemorações do aniversário da cidade.
Hoje, era o dia de Alexandre Garcia, o William Bonner dos sábados, ex-assessor de João Figueiredo, o último general da ditadura militar, que estava visivelmente constrangido e contrariado com a grande festa pela libertação de Lula que aconteceu ali perto de onde ele estava nos estúdios da Globo.
Capaz até de ter ouvido os cantos e gritos pela libertação de Lula, mas reagiu como se aquilo estivesse acontecendo no Afeganistão.
A esta altura, eu já havia publicado três notas no Facebook mostrando o contraste entre o que acontecia na vida real do país, no Rio da Globo, e o que estava sendo exibido nas emissoras abertas e nos canais de notícias, solenemente ignorando a manifestação nos Arcos da Lapa, a mais bela festa democrática a que assistimos nos últimos tempos no Brasil do Centrão de Temer, agora de Alckmin.
Mas, ao vivo, só vimos estas imagens nas redes sociais, nos blogs e canais alternativos.
A Globo, mais uma vez, tão presente nas manifestações pelo impeachment de Dilma, perdeu o bonde da história e, daqui a mais 30 anos, é capaz de admitir o erro.
O Brasil velho e caquético, que fez do anti-lulismo e do anti-petismo seu ideal de vida, arrastando chinelos pelas casas do seu passado anônimo e sombrio, até vibrou com a “nota coberta” do JN, como se aquilo fosse uma demonstração de jornalismo isento.
Pois ficou pior a emenda do que o soneto.
Teria sido melhor fingir que não viram aquela multidão na Lapa cantando e gritando horas seguidas pela libertação do ex-presidente Lula, com a participação de muitos artistas globais.
O passado sempre volta: lembrou aquele JN, às vésperas da eleição de 2006, em que caiu um avião na Amazônia, e preferiram dar imagens de montes de dinheiro dos aloprados petistas, o que levou a reeleição de Lula para o segundo turno.
Não esquecem, não perdoam e não aprendem. No Brasil, o tempo passa, o mundo dá muitas voltas, e voltamos sempre ao ponto de partida, para criar narrativas paralelas à realidade.
Parece que o Brasil está condenado a viver eternamente no passado, com medo do futuro.
Vida que segue.
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Ricardo Kotscho é repórter desde 1964 e já trabalhou em praticamente todos os principais veículos da imprensa brasileira em diferentes cargos e funções, de estagiário a diretor de redação.