A recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU para que Lula tenha acesso à mídia e ao seu partido e seja válida sua candidatura criou um imbróglio jurídico com o Brasil
Por um lado, o Comitê é um órgão de fiscalização do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos e responsável pela aplicação do Pacto internacional relativo aos direitos civis e ao Protocolo associado, porém as recomendações de seus 18 membros técnicos especializados não engajam a ONU e nem significam uma decisão internacional coercitiva.
O Brasil teria um dever moral de aplicar a recomendação por ser signatário tanto do Pacto como do Protocolo. Ora, o advogado internacional de Lula, o inglês Geoffrey Robertson, pediu no mês passado para o Comitê de Direitos Humanos da ONU recomendar ao governo brasileiro para que Lula possa exercer seus direitos de candidato, mesmo na prisão.
O pedido levado ao comitê era tríplice: queria a libertação imediata de Lula, seu acesso livre à imprensa e seu partido e a confirmação de sua candidatura. Depois de debates, o Comitê rejeitou a questão de uma libertação imediata de Lula, mantendo os dois outros itens.
Será que os especialistas em direitos civis e políticos do Comitê teriam conhecimento pleno da condenação de Lula ao recomendarem que possa fazer sua campanha política mesmo da prisão, o que no caso de um vitória nas eleições implicaria numa obrigação tácita de lhe conceder liberdade para a posse?
Ao que se sabe, o Comitê não informou ao Itamaraty e às autoridades brasileiras o conteúdo do pleito do advogado Geoffrey Robertson, para terem o direito de réplica e justificarem a atual situação jurídica de Lula com julgamento em segunda instância já concluído e a existência de uma lei que exige “ficha judicial limpa” para se efetivar uma candidatura.
Isso se depreende da recomendação do Comitê de se esperar o julgamento da instância final, ignorando que o STF já decidiu pela execução da pena confirmada em segunda instância, sem esperar pelo último recurso, que não seria julgado antes das eleições e nem nos próximos anos. E ao adotar essa recomendação, o próprio Comitê informa ser uma decisão provisória, pois uma análise definitiva da questão só será tomada no próximo ano, ou seja, bem depois das eleições de outubro. Além disso, a recomendação de hoje não afirma haver violação de direitos humanos de Lula, isso só será debatido dentro de um ano.
O imbróglio fica evidente diante do patente desconhecimento pelo Comitê da estrutura do processo penal brasileiro. Uma aceitação da recomendação do Comitê dos Direitos Humanos, órgão independente do Alto Comissariado dos Direitos Humanos, implicaria numa intervenção direta no já decidido legalmente pela Justiça brasileira. E não se saberia como explicar que poderes tão supremos teriam os 18 membros do Comitê. Em todo caso, a nota informativa vem acompanhada de um parágrafo no qual se acentua ser originária apenas do Comitê, que é formado de especialistas independentes. Ou seja, não se trata de uma decisão do Conselho de Direitos Humanos e nem do Alto Comissariado para os Direitos Humanos.
A recomendação divulgada pelo Comitê não informa se ela foi tomada por unanimidade ou por maioria absoluta ou relativa. Informação importante visto a diversidade de países representados por seus técnicos: Paraguai, Canadá, Estados Unidos, Suriname, Tunísia, Egito, África do Sul, Uganda, Mauritânia, Letônia, Japão, França, Portugal, Grécia, Itália, Alemanha, Montenegro e Israel.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI. Editor do Direto da Redação.