Publicado originalmente em objETHOS.
A democracia está estreitamente relacionada ao debate político de ideias, proposições e alternativas para as problemáticas sociais. Atualmente, um dos pontos altos desses embates políticos ocorrem na arena televisiva e são mediados pelo jornalismo. No dia 9 de agosto de 2018 o primeiro debate televisivo entre os candidatos à presidência da República apresentou alguns elementos de contextualização das eleições de 2018.
O evento promovido pela Rede Bandeirantes de televisão (Band), canal aberto e comercial que pertence ao Grupo Bandeirantes de Comunicação e é comandado pela família Saad, reuniu oito dos 13 presidenciáveis: Alvaro Dias (Podemos), Cabo Daciolo (Patriotas), Ciro Gomes (PDT), Henrique Meirelles (MDB), Jair Bolsonaro (PSL), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Marina Silva (Rede). Conforme as regras eleitorais atuais, os organizadores dos debates são obrigados a convidar os candidatos vinculados aos partidos ou coligações que têm pelo menos cinco parlamentares (deputados federais e senadores) no Congresso Nacional. Quatro candidatos – João Amoêdo (NOVO), João Goulart Filho (PPL), José Maria Eymael (DC) e Vera Lúcia (PSTU) – não preenchem esse requisito e consequentemente não participaram do debate.
A participação do candidato Lula (PT) foi vetada pela Justiça. A ausência de Lula (PT), primeiro colocado em todas as pesquisas de intenção de voto, demonstrou os desafios que o pleito eleitoral de 2018 vai impor aos jornalistas. Não se trata apenas de uma questão numérica, o entorno da ausência de Lula (PT) envolve questões democráticas, eleitorais e éticas. Em um cenário eleitoral confuso, turbulento e fragmentado (a eleição conta com o maior número de concorrentes confirmados desde 1989) decisões judiciais podem determinar os rumos políticos do país.
O debate entre os presidenciáveis demonstrou que a televisão continua sendo uma arena fundamental de acesso às proposições e estratégias dos candidatos, no entanto esses momentos de exposição em massa serão refletidos na internet e replicados nas mídias sociais. Conforme matéria do portal Poder 360, a hashtag #DebateBand ficou no trending topics do Twitter no Brasil e no do mundo. Alguns dos assuntos mais comentados relacionados ao debate foram: #DebateBand, Daciolo, Alvaro Dias, Ciro Gomes, Marina, #BolsonaroNaBand #BoulosnaBand e Henrique Meirelles.
Informações do Estadão Conteúdo também enalteceram a importância das mídias sociais na repercussão do debate televisivo organizado pela Band. Em matéria divulgada pelo portal da revista Exame a transmissão realizada pelo canal de YouTube da emissora foi enaltecida. O debate ultrapassou a marca de 390 mil espectadores simultâneos, o que conforme a Band é um recorde do YouTube no Brasil. Ainda segundo a matéria, o Twitter registrou mais de 1,9 milhão de tweets sobre o debate, um volume 140% maior que os 797 mil tweets publicados na plataforma durante o debate que foi realizado em 2014.
Posições ideológicas, embates e mesquinharias
Ao longo de três horas, os oito candidatos presentes no debate promovido pela Band deram indícios sobre as posições que irão adotar durante a campanha. Entre especulações, troca de acusações e algumas proposições os postulantes à presidência demonstraram a complexidade que envolve o processo eleitoral de 2018. Desde o pleito de 2014 acompanhamos inúmeras incorreções, irresponsabilidades e hipocrisia de jornalistas, particularmente de profissionais ligados aos meios jornalísticos tradicionais, que auxiliaram na constituição de um cenário político imprevisível que apresenta fatores de risco significativos e contundentes para a democracia.
Os elementos apresentados apontam que essa será uma eleição penosa e desgastante. Entretanto, revelam também que o pleito é um dos mais importantes da democracia recente. Analistas e jornalistas especializados em política que arriscam previsões assertivas para o cenário eleitoral que se constituirá até outubro estão sendo falaciosos e levianos. Além de imprevisível, o processo eleitoral recém iniciado pode nos conduzir para retrocessos políticos e democráticos relacionados à perda de liberdades, direitos e conquistas que ocorreram nas últimas décadas.
Não são apenas os debates televisivos que definirão a percepção política dos eleitores, mas a repercussão jornalística dos fatos demonstra que esses serão espaços vitais para a inserção dos candidatos não só nos meios tradicionais como também nas plataformas digitais. As impressões e dados apresentados nesse primeiro encontro ratificam a importância do jornalismo no que diz respeito à indagação, interpelação e confronto dos argumentos e propostas apresentadas pelos candidatos. O dever jornalístico de expor as fragilidades e contradições dos postulantes à presidência é imprescindível para o processo democrático.
O contexto formatado pelas reformas eleitorais e as atuais circunstâncias políticas impõem desafios para os candidatos divulgarem as suas candidaturas e difundirem as suas propostas. A partir da consolidação dos espaços digitais, os debates televisivos tornam-se canais de exposição ainda mais importantes.
“O pressuposto aqui, desde que a televisão americana inventou este modelo nos anos 1960, é que uma situação em que o candidato é forçado a se expor e se explicar, diante de um público remoto de milhões de espectadores e ante uma audiência profissional que lhe faz perguntas, demandas e solicita explicações sem cessar, o eleitor pode, enfim, descobrir quem o candidato realmente é, o que ele realmente pensa, como lida com a pressão da política, do jornalismo e do público e como resolve as suas contradições e incongruências. O lema é ou deveria ser: sob pressão, a verdade” (GOMES, 2018, online).
Ao avaliar o debate, Gomes (2018) apontou que todos os candidatos jogaram na defensiva e testaram os seus adversários. “Por isso mesmo a impressão dominante foi de um debate sem novidades, sem emoção, sem reviravoltas. Está muito cedo para isso” (GOMES, 2018, online). Dentre as diversas análises jornalísticas sobre o debate destacaram-se alguns momentos pontuais e a repercussão que eles tiveram nas mídias sociais. O portal G1 destacou algumas informações divulgadas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) após analisar 1,56 milhão de tuítes, retuítes e respostas postados com um conjunto pré-definido de hashtags entre as 22h do dia 9 de agosto e 1h do dia 10. Os temas mais mencionados foram: Corrupção (102.000), Economia (90.900), Segurança (66.300) e Mulheres (41.800). Já os candidatos mais mencionados foram: Jair Bolsonaro – PSL (556.152), Cabo Daciolo – Patriota (178.940), Guilherme Boulos – Psol (160.435) e Ciro Gomes – PDT (158.256). Mesmo sem participar do debate, o candidato Lula (PT) foi mencionado 86.583 vezes.
As declarações inusitadas do candidato Cabo Daciolo (Patriota) tiveram repercussão nas mídias sociais. Dentre as diversas pérolas do candidato, a utilização da sigla “Ursal” (União das Repúblicas Socialistas da América Latina) em uma pergunta direcionada ao candidato Ciro Gomes (PDT) entrou para os trending topics do Twitter. Segundo Daciolo, a sigla significa “união das repúblicas socialistas latino-americanas” e está relacionada a um plano “comunista” de união de toda a América Latina. A utilização do termo gerou diversos memes e demostrou como temas aparentemente insignificantes podem ganhar relevância no ecossistema digital.
O direito ao voto
Algo fundamental que permanece do primeiro debate televiso dos candidatos à presidente é um indicativo de que, sim, as eleições irão ocorrer mesmo diante da evidente deterioração das instituições democráticas e da baixa intensidade de participação da população nas instâncias políticas e decisões sobre os rumos do país. Mesmo imersa em um contexto sóbrio, a democracia resiste aos golpes contundentes organizados pela hegemônica oligarquia de banqueiros, grandes empresários e fazendeiros brasileiros, que são mediados por grandes grupos de comunicação e sustentam políticos profissionais em um sistema político desigual e perverso. Para além dos candidatos retrógrados, das ameaças de intervenção militar e das lastimáveis interferências judiciais alimentadas por ações “jornalísticas”, os brasileiros irão votar para presidente em 2018.
É lamentável que tenhamos que conviver com a situação desconfortável e constrangedora de condenação e criminalização permanente do exercício da política. Sempre é bom lembrar que, em uma democracia plena, o candidato eleito é decidido pelo voto da maioria dos eleitores e que qualquer situação externa que limite ou interfira nesse processo de escolha é injusta e injustificável.
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Ricardo José Torres é Doutorando em Jornalismo no POSJOR e pesquisador do objETHOS
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Referências:
GOMES, Wilson. O primeiro debate presidencial de 2018. Revista Cult (online), 10/08/2018. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/debate-band-2018/. Acesso em: 12 de agosto de 2018.