Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Gay Talese fala sobre apuração, erros e relação com as fontes em ‘Voyeur’

Voyeur” é um documentário produzido pela Netflix e lançado em 2017 que conta como um dono de um motel nos Estados Unidos, Gerald Foos, escondeu por décadas que vigiava seus clientes. Ele dizia que fazia uma pesquisa e realmente anotava tudo o que acontecia dentro dos quartos. Mas o filme se concentra em contar como essa história se tornou pública.

O longa fala como o fato chegou às mãos do jornalista Gay Talese, que demorou mais de 25 anos para publicá-lo. Primeiro em forma de artigo em jornal impresso e depois acabou virando um livro em 2016.

Voyeur é uma aula de jornalismo porque nele o autor aborda questões, como a relação entre o repórter e as fontes e a importância de nunca perder o contato com elas. Além disso, Talese mostra como guarda todos os arquivos e artigos que já publicou. Um sonho para qualquer jornalista, mas que pode perder o encanto em breve, uma vez que já é possível guardar os arquivos em um HD Externo, por exemplo.

Como repórter e como curiosa e interessada pelo jornalismo literário me identifiquei em vários momentos, como quando o Gay Talese recebe a carta do dono do motel querendo contar a história exclusivamente para ele. E quando o jornalista diz que: “As histórias nunca terminam, elas nunca morrem”. O que nos traz à tona uma lição clássica das aulas de jornalismo da faculdade sobre manter o contato com as fontes para não perder nenhum detalhe que pode render uma suíte ou uma nova pauta.

Gay Talese dá uma aula de apuração e mostra que às vezes é preciso vencer a ansiedade para publicar uma boa história. Vinte e cinco anos é bastante tempo, né? Ainda mais considerando a urgência que temos nos dias atuais.

O filme mostra ainda que o jornalista com a experiência e notoriedade que possui, também está sujeito a errar. E mesmo apurando uma história por mais de duas décadas e sendo extremamente cuidadoso em cada detalhe, errou. Lamentou. Consertou. E não deixou de ser quem é. Ele mesmo reconhece que é um erro ter apenas uma fonte ao contar uma história baseada na verdade, ou seja, que não é ficção.

Mas a frase em que mais me identifiquei foi dita já no início do filme, o que me fisgou de cara: “Eu não tenho pressa e tenho interesse real pelas pessoas para quem escrevo, porque sinto que consigo me identificar com algo nelas”.

É muito do que acredito quando estou apurando uma história ou ainda na fase de observação. Tenho interesse real por quem está falando comigo e compartilhando uma história. Tenho interesse real em todos que vão ler depois. Daí a importância de ler e reler o que está escrito e de submeter aos editores, que trazem novos questionamentos e olhares sobre o texto.

Embora o livro “Voyeur” não tenha sido o que Talese sonhou devido a alguns fatos incoerentes, baseado em dados omitidos por Gerald Foos ou que não batiam com documentos, como a data da compra do motel — ele diz que foi 1966 e a escritura afirmava que era 1969 —, o documentário cumpre seu papel ao mostrar o passo a passo do desenvolvimento de uma pauta, que pode um dia virar um livro e/ou um filme.

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Aline Rickly é repórter.