Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Jornalistas, assessores e o CFJ

A nova crise em torno do projeto de lei de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), com a reação contrária do Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas (Conferp), é apenas uma das conseqüências inevitáveis dos esforços deliberados da Fenaj para esvaziar a possibilidade de um amplo debate sobre a regulamentação da profissão de jornalista. Esses esforços foram realizados por essa entidade sindical antes mesmo de ela enviar neste ano sua proposta ao governo para ele encaminhá-la ao Legislativo.

Já escrevi neste Observatório, no artigo ‘Como a Fenaj esvaziou o debate sobre o CFJ’ [remissão abaixo], que os meios de comunicação em geral divulgaram o projeto de lei de criação do CFJ de modo parcial, o que fere a própria ética jornalística e prejudica o debate sobre a regulamentação da profissão. Mas mostrei também que apesar de não dispor do poderio dos donos da mídia, a Fenaj foi tão manipuladora quanto eles, ou talvez muito mais do que eles.

A reação do Conferp não diz respeito diretamente ao texto do projeto de lei 3.985, de criação do CFJ, nem ao conteúdo da proposta que o originou, que foi encaminhada ao governo pela Fenaj em janeiro deste ano. A crítica do Conferp se refere, na verdade, a um item que a Fenaj decidiu fazer não constar nessa proposta, retirando-o de sua versão encaminhada ao governo em dezembro de 2002, ainda durante a gestão FHC: a sua concepção da definição das funções da profissão de jornalista, entre elas a de assessor de imprensa.

Curiosamente, a decisão da Fenaj de retirar esse incômodo tópico da nova versão de sua proposta se deu em 2003, no mesmo ano em que ele se tornou o tema central de outro projeto de lei, o de número 708, do deputado Pastor Amarildo (PSB-TO).

Com o enérgico apoio do seu relator, deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), o projeto de Amarildo já foi aprovado praticamente sem emendas nas comissões da Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado, onde tramita como PLC 79/2004. Até o fechamento deste texto, ainda não havia sido designado seu relator.

A indignação do conselho dos RPs se refere diretamente a esse tópico, que, agasalhado por outro projeto de lei – o de Pastor Amarildo –, foi varrido pela Fenaj para baixo do tapete do suposto cenário democrático de discussão sobre a regulamentação profissional que a entidade sempre afirmou existir. Isso, é claro, antes de a Fenaj ser contrariada pelo rolo compressor dos veículos de comunicação, desencadeado a partir do momento que a proposta de criação do CFJ chegou ao Legislativo.

Dedo na ferida

Esse recente capítulo da desastrada tentativa da Fenaj e do governo federal de criar o CFJ está longe de ser um detalhe superável por meio de negociação. O Conferp tocou o dedo numa ferida que nunca cicatriza, mas tem sido escondida por décadas no curral de opiniões domesticadas do jornalismo brasileiro: fazer assessoria de imprensa não é fazer jornalismo.

Essa distinção é um preceito básico e claro de delimitação das duas atividades em diversos países. No entanto, as tentativas de colocá-lo em discussão sempre foram recebidas com hostilidade neste ambiente de idéias viciadas sobre nossa profissão que se desenvolveu no Brasil. E sempre é bom lembrar: principalmente após a regulamentação imposta em outubro de 1969 pela Junta Militar que governou o país com o Congresso Nacional fechado por ato de força.

Essa distinção não implica juízo de valor sobre qualquer uma das duas atividades. No entanto, no Brasil esse tema é incômodo para os interesses corporativos dos sindicatos – que em alguns casos perderiam até mais da metade de seus associados –, e fere suscetibilidades de assessores de imprensa que beiram o complexo de inferioridade.

Para complicar ainda mais o clima e dificultar qualquer possibilidade de discussão séria sobre o assunto, não faltam profissionais em redações que ridiculamente se julgam em uma posição eticamente superior à de seus colegas do outro lado do balcão.

Em países como a França e outros da União Européia, jornalistas que assumem a função de assessor de imprensa são obrigados a suspender seu registro profissional. No Brasil, algo semelhante a isso é o que acontece com o bacharel em direito, que pode ser advogado, juiz, promotor público ou delegado. Se ele for advogado e decidir ingressar na carreira de juiz, promotor público ou delegado de polícia, terá de suspender seu registro na OAB.

Nesse confronto entre a Fenaj e o Conferp, os dois oponentes fazem a encenação de um combate de alto nível, olímpico, mas, na verdade, a briga é de várzea. O motor de ambas as entidades é a reserva de mercado. Nenhuma das duas tem interesse na discussão que leva às questões de fundo sobre a regulamentação de suas profissões. O Conferp, com menos gravidade, na medida em que possui regras de acesso à profissão mais flexíveis do que aquelas que a Fenaj pretende manter, baseadas na exigência de formação superior específica em jornalismo.

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Jornalista