Abrimos esta carta porque nossa mensagem não tem caráter privado. Ela diz respeito à sociedade brasileira, e não apenas aos 804 empregados covardemente descartados a partir de 6 de agosto, aos demitidos em meses anteriores, aos profissionais freelancers igualmente dispensados. Foram atingidos 1.500 homens e mulheres — e suas 1.500 famílias.
Com a última demissão em massa, nos vimos sem trabalho, sem dinheiro e pilhados no que há de mais caro e precioso: direitos! Direitos duramente conquistados com criatividade, dedicação, empenho, entrega e suor. O abatimento emocional e moral já produz depressão, desesperança e sérias dificuldades na vida cotidiana. Em muitas casas, falta comida. Alguns dos funcionários cortados não têm como pagar remédio, luz, transporte, a escola dos filhos…
Diante desta árvore, que já foi ícone de potência e de imprensa forte, símbolo de cultura, humanidade e entretenimento, lembramos à família Civita que, durante quase sete décadas, o Grupo Abril fez parte da formação dos brasileiros, que leram os conteúdos gerados por seus mais de 150 títulos lançados. Para ficar só nos dias atuais: o manancial de informações produzidas pelas 11 publicações que morreram, numa só tacada, em 6 de agosto, é um patrimônio que não pertencia mais à família Civita. As ideias e as reflexões propostas nelas frutificaram, produziram pensamento crítico e, por isso, pertencem aos trabalhadores que as produziam e ao leitor brasileiro. Perde, assim, o povo, de quem a Abril, há muito, vem se distanciando. Perdem, sobretudo, as mulheres, uma vez que, dos títulos destruídos, oito eram dirigidos ao público feminino.
Perde ainda o mercado de trabalho. A atitude intempestiva da família Civita, que demitiu em massa — sem negociar com os sindicatos, oferecer contraproposta ou dar a chance de demissão voluntária —, estrangula os meios de produção de informação. Encerra centenas de postos de trabalho. Abala os jornalistas do país inteiro. Atinge as universidades que preparam jovens para o exercício da profissão em veículos impressos e digitais. Golpeia os cursos que formam profissionais para TI, impressão, acabamento, distribuição e serviços. E afeta, brutalmente, a logística de outras editoras e empresas.
O rombo é mais fundo. Nesse episódio, há também prejuízo para a liberdade de expressão, a denúncia, a crítica. Perde, enfim, a defesa da democracia. Não se trata de constatação recente. Os herdeiros vêm descuidando do Grupo Abril há anos. A falta de investimento no editorial, a equivocada entrega da gestão a consultores estranhos ao universo da informação, o afastamento da diversidade de opiniões e a ausência de sensibilidade para entender os novos rumos da sociedade levaram a Abril à derrocada, à recuperação judicial.
Nós nos vimos metidos nela – como parte de uma interminável lista de credores, a quem o Grupo Abril deve 1,6 bilhão de reais. Mas não somos credores. Esse papel é dos bancos, dos grandes fornecedores, das empresas globalizadas com quem o Grupo faz negócios. Nós somos trabalhadores! Levantamos cedo, enfrentamos a madrugada no fechamento das revistas. Estamos na gráfica, na logística, na distribuição, no escritório… Não somos credores. Nossa única fonte de sobrevivência é o salário que vem, exclusivamente, do trabalho árduo que entregamos. A dívida que os Civita têm com a massa de profissionais jogados na rua é de 110 milhões de reais. Somando o que os senhores devem aos profissionais freelancers — muitos deles tinham horário a cumprir, obrigações e subordinação à chefia —, representamos uma fatia magra, menos de 7% do total da dívida de 1,6 bilhão.
Os senhores podem amenizar o malfeito. Têm como minorar a injustiça que cometeram contra as mulheres e os homens que fizeram a história da Abril — e colaboraram para o enriquecimento da família Civita, que detém, reconhecidamente, uma das maiores fortunas do Brasil. O caminho está previsto na legislação. Basta que os irmãos, controladores do Grupo Abril, sub-roguem os nossos créditos, assumindo o nosso lugar no processo de Recuperação Judicial. Os senhores podem sub-rogar 100% dos créditos trabalhistas, pagando de uma vez os 110 milhões que pertencem aos demitidos, tomando o lugar deles e dos freelas como credores na recuperação judicial. E devem acrescentar ainda a multa referente ao artigo 477 da CLT, que determina ao empregador o pagamento de um salário por descumprimento da obrigação de acertar as verbas rescisórias dez dias após a demissão.
Reivindicamos, então, dos senhores, que assumam pessoalmente a dívida trabalhista da empresa, de imediato, pagando a todos, pois se trata de verba de natureza alimentar. Seu valor total é de apenas 1% da fortuna que a família Civita acumulou com o Grupo Abril, estimada recentemente em mais de 10 bilhões de reais, conforme publicado na revista Exame. Cabe demandar também o reconhecimento dos profissionais freelancers na categoria de trabalhadores, uma vez que não se trata de empresas, mas sim de quem depende dos proventos do trabalho individual para pagar as contas, assim como os demitidos.
Os senhores não podem fugir da responsabilidade trabalhista que têm com os descartados, da responsabilidade social que assumiram — e sempre apregoam — com o país. É preciso lembrar o que foi manifesto por Victor Civita, o fundador do Grupo, quando explicou o emblema que o identifica: “Escolhi a árvore como símbolo da Editora Abril porque é a representação da fertilidade, a própria imagem da vida. O verde porque é a cor da esperança e do otimismo”.
Nossa “esperança” é a de que os senhores, herdeiros, honrem os seus compromissos com os demitidos. Façam valer o tanto que a família Civita acumulou em décadas com o nosso trabalho. E respeitem as nossas famílias.
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Comitê dos Jornalistas Demitidos
Comitê dos Gráficos Demitidos
Comitê dos Distribuidores Demitidos
Comitê dos Administrativos Demitidos
Comitê dos Profissionais Freelancers Dispensados