Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Museus, peças-chave para a divulgação científica

Palácio de São Cristóvão na Quinta da Boa Vista, onde estava instalado o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. (Foto: Halley Pacheco de Oliveira)

 

Muito tem se escrito sobre a perda do Museu Nacional — uma ferida aberta, profunda, que arde e lateja na alma brasileira. Atingiu brasileiros de diferentes idades, hábitos culturais e matizes políticas, deixando-nos todos em um estado de atordoamento e consternação conjunta, como se tivéssemos sofrido um acidente vascular cerebral que levou consigo parte da nossa memória coletiva. Um golpe duro contra uma mente já acometida de outros males crônicos.

As marcas e sequelas visíveis que esta ferida deixará na alma brasileira quando finalmente cicatrizar serão um alerta para as próximas gerações. Para que elas sejam capazes de cuidar mais atentamente destes espaços que o físico e museólogo Jorge Wagensberg chamava de “porções de realidade concentrada”.

Falecido em março deste ano, Wagensberg foi diretor de um dos museus de ciência mais inovadores da Espanha, o Espaço Cosmocaixa, em Barcelona. Há alguns anos, ele deu força à ideia de três níveis diferentes de interatividade que os museus poderiam proporcionar entre visitantes e coleções — hands on, minds on e hearts on. O primeiro nível diz respeito à interação com as mãos, com aquilo que se pode manipular, tocar, entender através do fazer, do experimentar. Já o segundo tem a ver com o entendimento mental, com a “lâmpada que se acende” quando entendemos um conceito ou uma ideia apresentada em uma exposição. O último nível é o da emoção, da interação entre alguma narrativa ou objeto com as sensações que duram e ficam conosco muito tempo depois da visita. O material usado para tecer memórias individuais e coletivas.

Pensar nestes níveis de interatividade pode ajudar a pensar, também, na imensa importância que museus de ciência têm para a divulgação científica. Em uma entrevista à Pesquisa Fapesp em 2004, o próprio Wagensberg resumiu muito bem para que servem, afinal, estes espaços. Para ele, museus de ciência não são locais para “ensinar, informar ou formar pessoas” — embora sirvam para isto também. São espaços feitos para “emocionar, para apresentar a realidade e algumas fatias do conhecimento que a humanidade acumulou sobre ela, de forma tão bela e sugestiva que desperte a irresistível vontade de compreendê-la melhor”. São espaços criados para estimular as pessoas a interagir com o método científico, a questionar e observar a realidade, a “fazer perguntas e buscar respostas por meio da experimentação, do diálogo com a natureza”.

É este estímulo do sentir, do emocionar-se e do pensar que se ganha toda vez que se abre um museu ou centro de ciências novo. E é o que se perde cada vez que um deles fecha ou desaparece — seja por descaso, negligência ou a soma deles com a falta de valorização do conhecimento científico, do nosso patrimônio, da nossa história e da nossa memória coletiva. Memória esta sempre tecida a custo de muito trabalho, emoções e experiências vividas que refletem no avanço do qual a divulgação científica é tão dependente.

Ainda é preciso percorrer um longo caminho no Brasil para que a visitação a museus — não apenas os que tratam de ciência — seja parte da nossa cultura de forma transversal, alcançando pessoas de todos os estratos sociais e idades. Segundo o estudo mais recente de percepção pública da ciência e tecnologia realizado no país, em 2015 apenas 12% dos brasileiros haviam visitado um museu de ciência um ano antes da pesquisa. A porcentagem é pequena, mas é maior do que a de anos anteriores: 8% dos brasileiros haviam visitado um museu de ciência em 2010 e, em 2006 o número era ainda menor, 4% dos entrevistados. Levando-se em conta que 61% dos brasileiros se dizem interessados ou muito interessados em ciência e tecnologia, há bastante espaço para que estes números de visitação cresçam. O papel de divulgadores e jornalistas de ciência, neste sentido, nunca foi tão importante.

E os colegas jornalistas não precisam reinventar a roda. Dar mais visibilidade a centros e museus de ciência pode ser uma tarefa mais simples se feita em rede — e no Brasil e na América Latina existem algumas interessantes e consolidadas na área. A Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência pode ser um ponto de partida; a Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia na América Latina e no Caribe (RedPOP) também tem bastante aderência entre a comunidade de museus da região. Além disso, há publicações como o Guia de Centros e Museus de Ciência do Brasil — e um para a América Latina e Caribe — que podem ser bastante úteis para conhecer melhor as instituições que existem e onde estão localizadas.

Estimular este diálogo com outras redes, aliás, é parte importante da missão da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência. Para um jornalismo e divulgação de ciência com mais relevância e qualidade, este é um ponto essencial. Especialmente em um período tão frágil da história recente do Brasil, em que a perda do Museu Nacional representa a perda de artefatos, memórias, trabalho de vidas inteiras e a impossibilidade de se criar mais emoções e experiências hearts on através das coleções que lá existiam. É papel de jornalistas e divulgadores de ciência manter viva a lembrança desta ferida profunda, provocando diálogo e reflexão sobre o papel dos museus que ainda temos para a divulgação científica. Há muito trabalho pela frente.

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Criada em 2018, a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RBJCC) visa aproximar os profissionais que trabalham nessa área, chamar a atenção para a importância de divulgar conteúdos relacionados à ciência e, de maneira geral, melhorar cada vez mais a qualidade do que é produzido e publicado sobre saúde, meio ambiente, física, astronomia, agronomia e demais temas dentro dessa editoria.