Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

No Grande Rio, a lei do mais forte

No jornalismo há uma máxima: na guerra a verdade é sempre a primeira vítima porque nenhum dos lados envolvidos admite que o adversário possa estar com a razão e, na falta da verdade, a mentira prevalece. Outra diz que sem informação não há cidadania – daí o direito à informação ser parte da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Eleição é uma guerra e a informação é a principal arma dos candidatos. Por isso é lamentável sob todos os aspectos a decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro, na quinta-feira (14/10), de acabar com o Horário Eleitoral Gratuito no rádio e na televisão nos municípios do Grande Rio que terão segundo turno no dia 31 de outubro. Decisão com base em resolução de última hora (5 de outubro) do Tribunal Superior Eleitoral e pelo fato de não terem esses municípios geradora de televisão.

Decisão esta tomada com base em resolução datada de 5 de outubro último do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – mesma instituição que no ano passado pressionou o Congresso Nacional para acabar com a impressão do voto eletrônico, que seria obrigatória em todas as urnas em 2004, embora a contraprova em papel continue a ser a única maneira de garantir a recontagem de votos e dar segurança ao sistema eleitoral brasileiro, que é 100% inseguro, embora o TSE afirme exatamente o contrário.

Os milhões de habitantes de Niterói, Caxias, Nova Iguaçu e São João de Meriti – parcela importantíssima do eleitorado que já foi considerado o mais politizado do Brasil – serão mergulhados nas trevas do silêncio porque o TSE, pressionado pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), decidiu mudar as regras do jogo quase no fim do segundo tempo exclusivamente para beneficiar empresários de comunicação. Absurdo total, diante do notório prejuízo para a sociedade.

A decisão do TRE-RJ de aplicar a nova regra acabando com os 40 minutos diários de propaganda eleitoral para substituí-los por 13 minutos/dia de inserções – pequenos anúncios espalhados pelos intervalos comerciais – como exigiram as emissoras de tevê, apesar dos argumentos dos partidos políticos, é um crime sob a lógica da cidadania. Um verdadeiro atentado ao direito à informação de milhões de fluminenses condenados a acompanhar o segundo turno das eleições de São Paulo, por exemplo, sem saber o que estará acontecendo sob seus narizes, em suas cidades.

A lógica dos marqueteiros

Os representantes dos partidos políticos reunidos na sede do TRE tentaram reagir ao estupro à cidadania, mas prevaleceu integralmente o ponto de vista das emissoras. O fato de o TSE ter casuisticamente alterado resolução anterior para dar razão às emissoras de tevê – concessionários de um serviço que deveria ser público – não significou, para o TRE do Rio, oportunidade de evitar que fosse cometido grave crime contra a liberdade de expressão.

Agora só resta aos candidatos desses municípios do Grande Rio onde ocorrerão eleições em segundo turno se conformarem com a lógica de serem apresentados ao eleitorado através de comerciais (inserções) como se fossem sabonetes, liquidificadores ou geladeiras. Não há espaço para discursos, projetos, idéias, planos ou biografias.

Vale a lógica do consumo, vale a lógica dos marqueteiros, muito semelhante à dos vigaristas, como diria o velho Barbosa Lima Sobrinho; vale a lógica dos que tiverem mais dinheiro para contratar os publicitários e as produções mais caras. Desaparecem os fatos, prevalecem as versões. Sem falar que de 40 minutos/dia divididos em dois blocos de 20 minutos, a campanha eleitoral na televisão foi reduzida a 13 minutos/dia de inserções, uma redução drástica de 27 minutos no tempo antes destinado aos partidos e aos candidatos. Agora, quem fizer o comercial mais bonitinho, leva.

Resta o hino

Será que teremos candidatos associando sua imagem à de bichinhos como os da Parmalat? Ou a raios fantásticos como o energético Red Bull? Ou ainda a voleios espetaculares como os do comercial do celular Samsung? A decisão do TRE-RJ aprofunda ainda mais a distância entre eleitores conscientes e candidatos sérios, abrindo espaço para que se multiplique na vida pública brasileira o analfabetismo político denunciado nos versos de Brecht.

Que país é este onde a mais poderosa rede de televisão, capitaneando as demais, em total desrespeito à opinião pública, consegue fazer com que a Justiça Eleitoral ceda diante de sua pretensão de faturar mais, mesmo que seja atropelando o direito do cidadão a escolher quem é o melhor para governar sua cidade? Que país é este onde milhões de eleitores são jogados nas trevas da desinformação no crucial momento de votar?

Só nos resta, pelo jeito, em vez de ouvir um tango argentino, meio fora de moda, repetir o refrão do Hino da Independência: ‘Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil’.

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Jornalista e representante do PDT no TRE-RJ