A primeira vez que escutei sobre a crise no jornalismo estava no segundo ano da faculdade, foi em 2014. O debate sondou o histórico da imprensa, o avanço das tecnologias que tirou o monopólio do impresso em conjunto com a decisão de que para ser jornalista não precisa, necessariamente, de um diploma em nível superior. A bomba estava prestes a explodir, sua fabricação estava sendo elaborada com calma, até que, o isqueiro se acendeu, este ano, com o período eleitoral.
O histórico da imprensa não é dos melhores. Quando se estuda algumas das teorias do jornalismo como gatekeeper, organizacional, e a agenda setting (relativizada nos últimos tempos pelas notícias falsas) mais outras questões como diagramação de jornais e elaboração de títulos de matérias, a imagem de um jornalismo imparcial, isento de opinião própria, que pauta os assuntos da sociedade de forma a servir o cidadão, já é desfigurada.
A combustão acelera quando tratamos da inserção da internet no cotidiano do cidadão, que dá voz a uma população que tem o poder de disseminar o que pensa em instantes. Mais o advento da alteração da lei que precarizou a profissão do jornalista não obrigando mais, para se exercer a profissão, a graduação em nível superior. Tudo isto em conjunto das fake news multiplicadas, com maior intensidade, no período eleitoral, no ambiente virtual, o jornalismo se apagou como a luz mestra que informa a realidade.
No Brasil, estamos vivenciando o período eleitoral que vai levar ao poder, dentre os tantos cargos, o Presidente da República. E o que não faltam são as notícias falsas correndo de “vento em polpa” nas mídias sociais. O candidato a presidência do Brasil, Fernando Haddad (PT), vítima da maioria dos ataques, questionou recentemente a lentidão do TSE (Tribual Superior Eleitoral) em averiguar e tirar de circulação notícias falsas ao seu respeito. Sua vice, Manuela D’Ávila, também já se comunicou contra as fake news.
Devido a essas inúmeras inverdades, criadas já há um bom tempo, alguns jornais renomados, criaram os fact-checking, que são páginas responsáveis por averiguar a procedência de tais afirmações que circulam na internet, por meio de métodos e técnicas, realizadas sem viés político partidário e com transparência quanto ao financiamento das organizações (SANTOS e SPINELLI, 2017).
No Brasil, hoje, existem 127 milhões de usuários no facebook, sendo que nesta mídia há possibilidade de denunciar os posts fakes, que após avaliação do facebook, pode ou não tirar do ar. O exemplo mais recente foi a retirada do ar de uma rede ligada ao MBL (Movimento Brasil Livre). Porém, no WhatsApp, que contém 120 milhões de usuários, não há controle algum do que circula, sendo que o alcance de tal fato, seja verdadeiro ou não, ganha proporções cada vez maiores e imensuráveis. Fora isso, está a credibilidade na imprensa que vem caindo no mundo todo. Segundo a pesquisa deste ano, pela Edelman Trust Barometer, apenas 43% da população brasileira confia nos veículos de comunicação.
O professor Shyam Sundar realizou um experimento em que eram dispostos dois sites, sendo o Yahoo News (alta credibilidade) e Drudge Report (baixa credibilidade). Ambos os sites republicam matérias ou criam links para matérias originadas em outro lugar. O objetivo era saber com que frequência os leitores prestavam atenção nas fontes originais. A descoberta foi a de que os leitores prestavam atenção a cadeia de fornecimento apenas se a informação fosse do seu interesse, do contrário, eram influenciados pela fonte ou site que havia republicado diretamente.
Outra questão levantada é a da confiança que as pessoas depositam no seu estimado círculo de amizade. O estudioso afirma que tendemos a baixar a guarda quando lemos notícias on-line derivadas de fonte de amigos. Deste modo, as mídias sociais são um terreno fértil para que as notícias falsas sejam consumidas.
Farhad Manjoo (2008, p.2), jornalista e escritor do livro “True Enought: aprendendo a viver em uma sociedade pós-verdade”, afirma, que o acesso a informação digital nos deu a liberdade de nos envolver e buscar, por meio de nossas próprias crenças e preconceitos, principalmente, aquilo que almejamos consumir, de forma inconsciente. Assim, as pessoas buscam formas de criar o próprio e confortável ambiente de mídia pessoal em busca de conteúdos que tenham reciprocidade com o que sentem (apud, Santos, Jessica; Spinelli, Egle, 2017, p.2). Fato este que gera “bolhas” e um ciclo de desinformação tendo em vista que o mundo é plural até em suas unidades.
Um fato interessante que aconteceu em 2004 nos Estados Unidos foi a dissipação do boato, a princípio por Andy Martin, candidato republicano na época, que Barack Obama era um muçulmano que havia ocultado sua religião. Sem comprovação, jornalistas não repercutiram, mas, vários blogs sim. Após o boato ganhar força, Obama foi a público, negou os fatos e expôs que é cristão, mas mesmo assim, uma pesquisa realizada em dezembro de 2007 pela NBC/Wall Street Journal ainda apontou que 8% dos americanos continuavam acreditando que Obama era um muçulmano, e em março do mesmo ano esse percentual subiu para 13%.
Na era da pós-verdade, o jornalismo vai precisar se mostrar cada vez mais atraente e apto a informar os cidadãos com qualidade e atualidade para reconquistar a sua confiança, investindo, principalmente, em fact-checking. Mas também irá precisar de maturidade do cidadão para distinguir a verdade da mentira, e, quando identificar a mentira denunciá-la; além de, introduzir no dia a dia a checagem dos fatos, por mais sedutores que estes sejam, e avaliar a influência de suas crenças de forma que esta não se sobressaia frente a verdades que as confrontem.
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Júlia Elias é jornalista formada pela Universidade Estadual de Minas Gerais.