Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Direto da Redação

TELEVISÃO
Mário Augusto Jakobskind

Uma novela da vida real, 31/8

‘A maioria dos mais de 180 milhões de habitantes do Brasil em alguma hora do dia tem contato com a pequena tela, que apresenta entretenimentos dos mais variados. As telenovelas, mesmo sob o pretexto de serem ficção, às vezes escancaram em matéria de mostrar ao telespectador um mundo ideal e de interesse dos patrocinadores.

O caso mais recente ocorre no horário nobre da TV Globo. Um dos principais personagens da novela é o proprietário de uma fábrica de celulose, atividade perniciosa ao meio ambiente por excelência. O Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que o diga. Quando era deputado estadual foi o autor de uma lei, aprovada pela Assembléia Legislativa, limitando a presença em território fluminense de empresas como a Aracruz, cujas plantações de eucaliptos desertificam a área em redor e ao se tornar Secretário do Meio Ambiente ajudou o Governador Sergio Cabral a revogar a mesma lei, permitindo a instalação da mencionada multinacional.

Num destes dias, uma personagem recém nomeada para a ‘assessoria de comunicação’ da empresa de celulose da novela sugeriu que ‘a empresa de eucalipto pode crescer exportando’. O proprietário da empresa considerou a ‘idéia brilhante’, e complementou: ‘para isso precisamos exportar mudas’. Meio ambiente que é bom, nenhuma palavra, pois aprofundar o tema pode prejudicar as empresas de celulose impedidas de continuarem instaladas nos países industrializados, exatamente pela desertificação que provoca ao redor, e transferidas para o Terceiro Mundo.

De diálogo em diálogo, chega-se à nomeação de um dos principais personagens da novela, por sinal uma assassina, para chefiar a assessoria de comunicação, função que por lei deve ser exercida por jornalistas diplomados. Mesmo sendo ficção, a nomeação da personagem se dá exatamente num momento em que o Supremo Tribunal Federal está para decidir se o exercício profissional da atividade jornalística deve ou não continuar exigindo diploma de nível superior. O patronato, desde sempre, está mobilizado para o fim da exigência, enquanto que as representações sindicais dos jornalistas defendem o diploma.

Como se não bastassem esses exemplos que têm o visível intuito de fazer cabeças, outro fato ocorrido na mesma novela, na prática faz cair por terra os argumentos segundo os quais não há racismo no Brasil. A avó de uma personagem adolescente grávida, que não revela quem é o pai, se mostra indignada e preocupada, pois a neta poderá gerar uma criança com ‘o olho esticado, negro, drogado ou alcoólatra’. Quer dizer, na fileira do abominável senso comum racista da TV Globo, o negro, da mesma forma que o de ‘olhar esticado’, que pode ser um índio, é equiparado a drogados e alcoólatras. Tem mais: um dos personagens negro da telenovela é exatamente um deputado corrupto.

O que dirá o diretor-executivo de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, autor do livro Não somos racistas, defensor da invasão do Iraque e de Bush? Certamente dirá que liberdade de criação é liberdade de criação e negará o senso comum racista global, como tem feito rotineiramente em diversas ocasiões ao defender a empresa onde é preposto patronal.

Já que estamos falando em televisão, o Brasil atravessa um período escancarado de propaganda enganosa, que se manifesta no horário eleitoral. Candidatos prometem mundos e fundos, como já fizeram em outras eleições e agem depois exatamente ao contrário do que dizem em campanha. No Rio de Janeiro, postulantes a prefeito, gastando aos tubos e financiados por sabe-se lá quem, são apresentados aos telespectadores como qualquer produto de consumo. As mentiras escamoteadas por publicitários empenhados em vender o peixe (podre) são visíveis, sobretudo na área de saúde, uma verdadeira calamidade pública de responsabilidade dos governos estadual, municipal e federal.

E como coibir a propaganda política enganosa? Por que não se fazer referendos revogatórios, consultando o povo, como aconteceu na República Bolivariana da Venezuela, em agosto de 2004, e recentemente na Bolívia?

Por aqui, deve-se exigir que as promessas de campanha sejam registradas em cartório e nos arquivos da Justiça Eleitoral. Poderia se dar um prazo de no máximo um ano para a execução da plataforma eleitoral do eleito. Caso as promessas não fossem cumpridas, o povo deveria ser chamado a decidir a continuidade do mandato. Poderia se eleger também uma comissão que ficaria encarregada de fiscalizar o desempenho e eventuais falcatruas dos eleitos. A comissão apontaria as irregularidades. Os eleitores informados decidiriam a continuidade ou não do mandato do malandro. Certamente a propaganda política enganosa se reduziria sensivelmente.

Resta saber se haverá vontade política de se criar uma legislação nesse sentido ou só restará ao eleitor se queixar no Procon, a entidade de proteção ao consumidor.’

 

 

 

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