Jornalistas de ciência, assessores de imprensa, pesquisadores engajados em divulgação científica. Foi bem eclético o público que, entre 12 e 16 de outubro, deu um pulinho na ScienceWriters2018, em Washington, nos Estados Unidos. É um dos eventos anuais mais movimentados do setor. O objetivo? Debater os rumos da comunicação de ciência em nosso continente. E, claro, a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RBJCC) marcou presença por lá.
Trouxemos na bagagem algumas ponderações. Em primeiro lugar, chamam a atenção os números: o fato de um encontro como esse reunir mais de 800 profissionais sinaliza, talvez, um interessante estágio de amadurecimento da cultura de divulgação científica na América do Norte.
Freelas e férias
Nessas conferências, é sempre marcante a presença de jornalistas freelancers. Parece trivial mas não é. Por quê? Sejamos francos: no Brasil, a palavra freela é nada menos que eufemismo para desempregado. E, no mercado editorial anglófono, essa realidade parece ser um pouco menos cruel. Sim, está muito longe de ser um mar de rosas, é claro. Mas é de certo modo animador perceber que, por lá, muitos de nossos colegas tornam-se freelancers não por terem sido gentilmente expelidos das redações pela metodologia do passaralho; e sim por terem optado por essa via profissional de maneira voluntária.
Dada a vitalidade — e a diversidade — dos veículos de divulgação científica atuantes no mercado de língua inglesa, é bastante provável que um freela dedicado a seus afazeres consiga arrumar bastante serviço e assim alcance patamar razoável de estabilidade financeira. É até comum, aliás, um freela tirar férias — situação que, em outras paragens, seria luxo ou exotismo.
Tenho uma pauta
Isso nos faz pensar sobre uma prática que, rotineira entre jornalistas anglófonos, é ainda pouco estruturada entre os freelas brasileiros. Falo da cultura do pitching. Não temos uma tradução boa para esse termo — seria algo como “ofertar”, “oferecer” ou “pautar” um assunto para determinado editor ou editora. É claro que todos nós, vez ou outra, sugerimos temas. Mas um pitch propriamente dito precisa trazer informações muito mais detalhadas, e de preferência com uma apuração prévia que já dê aos responsáveis pelo veículo uma ideia clara de como será o resultado da reportagem. No Brasil, volta e meia conversamos com editores e decidimos pautas com base em notas de guardanapo de bar — que, em nossa humilde opinião, são muito mais promissoras.
Enfim, essa é uma das diferenças culturais que, volta e meia, traz confusão para jornalistas brasileiros que se aventuram como freelancers pelos mares da imprensa de língua inglesa. De fato, uma das sessões da ScienceWriters2018 foi exatamente dedicada a esse tema — uma oficina com a editora Amber Williams, do The New York Times. Ela deu valiosas dicas de como produzir pitches que façam brilhar os olhos dos editores, otimizando assim as chances de vender uma boa matéria para a publicação de sua preferência (tema para uma futura coluna, quem sabe).
Animadores de torcida
Em Washington, também discutiu-se muito o papel por vezes mal compreendido do jornalista especializado em ciência. É quase uma crise de identidade, um problema existencial. Explica-se: é comum a profissionais do ramo confundir seu papel de jornalista e acabar por exercer o papel de relações públicas para a ciência. Em outras palavras, é comum lermos matérias por demais laudatórias, que exaltam os avanços científicos que reportamos.
Quase uma publicidade mal disfarçada, para os feitos acadêmicos que nos impressionam aqui e ali. A propósito, existe até um termo para isso: cheerleading science journalism. É a imagem clássica das famosas meninas animadoras de torcida, as cheerleaders, em um determinada partida de, digamos, futebol americano ou basquete. Elas cantarolam com entusiasmo suas sequências vocais para vibrantemente apoiar um determinado time.
O jornalista de ciência corre esse risco. Ao reportar sobre avanços do conhecimento científico, acaba por esquecer que a ciência é — também — uma obra humana. Suscetível a erros, portanto. Suscetível a interesses escusos; suscetível a agendas de financiamento por vezes estranhas ao interesse público; suscetível enfim às paixões e às vaidades da hipercompetição que hoje impera na academia.
Nesse sentido, é importante lembrar que o jornalista de ciência em nada difere do jornalista de esportes, do jornalista de finanças ou do jornalista de política. Sua incumbência é, afinal, fazer bom jornalismo. E a ciência, assim como o esporte, os negócios ou a política, é também sujeita a humores e intempéries — não pode ser idealizada como domínio de virtude insuspeita. Essa sequer é uma discussão nova. Infelizmente, porém, boa parte da divulgação científica na América Latina ainda pode ser considerada uma forma de cheerleading science journalism.
Clube dos hermanos
Falando em América Latina, colegas de diversos países vizinhos também zanzaram por este encontro. Brasil, Argentina, Bolívia, Peru, Colômbia, México, Costa Rica… E ficou um desafio no ar: qual é, hoje, o nível de organização institucional existente entre jornalistas de ciência em nosso continente? Quase nenhum.
A recente criação da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RBJCC) há de ajudar na construção de um ethos profissional mais sólido aqui nesse canto do mundo. Redes, associações e fóruns de jornalistas e comunicadores de ciência já são muito comuns na América do Norte e na Europa. E, sem qualquer mimetismo pós-colonial ou complexo de vira-lata, será que não poderíamos articular alguma estrutura organizacional para forjar, aperfeiçoar e refinar a cultura de divulgação científica na América Latina também?
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Criada em 2018, a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RBJCC) visa aproximar os profissionais que trabalham nessa área, chamar a atenção para a importância de divulgar conteúdos relacionados à ciência e, de maneira geral, melhorar cada vez mais a qualidade do que é produzido e publicado sobre saúde, meio ambiente, física, astronomia, agronomia e demais temas dentro dessa editoria.