Texto publicado originalmente pelo Balaio do Kotscho.
“Bolsonaro é um mau militar” (general Ernesto Geisel, ex-presidente da República, ao comentar porque o presidente eleito foi reformado pelo Exército aos 33 anos, após atos de insubordinação e desordem).
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Ficamos sabendo neste domingo, oficialmente, que os militares já tinham voltado ao poder antes da eleição do capitão Jair Bolsonaro. E foram determinantes na sua vitória.
Em entrevista à Folha, o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, revelou que agiu “no limite” ao declarar pelo Twitter “preocupação com a impunidade”, no dia 2 de abril, véspera do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula pelo Supremo Tribunal Federal.
“A coisa poderia fugir ao nosso controle se não me expressasse”, explicou o general.
Fugir ao controle, como assim? Que controle? Que poder é esse numa democracia? O que ele temia? Um golpe militar? E quem o daria, o general Hamilton Mourão, eleito vice de Bolsonaro, que já havia feito várias ameaças de intervenção militar?
O eleitorado brasileiro, que fez papel de figurante em toda esta história, agradeceria se o general pudesse responder a estas singelas perguntas.
Na mesma entrevista ao repórter Igor Gielow, Villas Boas garantiu que a vitória de Jair Bolsonaro “não representa a volta dos militares ao comando do país”.
Pelas suas próprias palavras, eles já voltaram ao comando do país antes mesmo da vitória do capitão, quando o comandante do Exército intimou o Supremo Tribunal Federal a negar o habeas corpus a Lula, mantendo-o preso para não disputar a eleição.
O voto decisivo foi da ministra Rosa Weber, que mais tarde, já na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, completou o serviço, ao impugnar a candidatura do ex-presidente, que naquela altura tinha o dobro das intenções de voto de Bolsonaro em todas as pesquisas. Tudo se deu com a precisão de um relógio suíço.
Ali se decidiu a eleição “manu militari”, com o acoelhamento do Judiciário. O resto foi consequência.
Bolsonaro assumiu a liderança das pesquisas, disparou em todas elas, após sofrer um misterioso atentando a facada, cercado de seguranças em Juiz de Fora, e correu para o abraço nas redes sociais, acionadas por dinheiro gordo no embalo do antipetismo que derrotou o substituto de Lula.
Daqui a cem anos, quando os historiadores do futuro contarem como se decidiu a eleição de 2018, o “no limite” do general e a facada de um psicopata, mais a subserviência do Judiciário e as fake news, explicarão como um obscuro deputado, filiado às pressas num partido de aluguel, chegou à Presidência da República do Brasil.
As declarações do general Villas Boas, oito meses após a sua convocação ao STF, ajudarão os pesquisadores a explicar o fenômeno.
Outra boa fonte podem ser as colunas do jornalista Janio de Freitas, com larga experiência em golpes e ditaduras militares, que escreveu neste domingo, por coincidência, no mesmo jornal:
“Se as coisas desandarem, o importante para antever o seu rumo será desvendar quanto os militares estarão dispostos a empenhar em barragem de proteção a Bolsonaro. O que dependerá da identificação, ou confusão, entre o Exército e o governo conduzido por ex-ocupante das suas casernas”.
Janio de Freitas lembra ao general Villas Boas que “fazer tocar o Hino do Exército, por exemplo, no saguão do hotel onde ocorrem as reuniões do círculo de Bolsonaro, é abusivo”.
Prestes a deixar o cargo, o comandante do Exército revelou também preocupação sobre o risco de “politização dos quartéis”.
Esse risco não existe mais. Já aconteceu, na verdade, e foi decisivo para a chegada de Jair Bolsonaro ao poder.
E vida que segue.
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Ricardo Kotscho é jornalista.