O jornal Estado de Minas, assíduo freqüentador do confessionário da Opus Dei, na Universidade de Navarra, segue uma nova linha editorial. Os textos e os caracteres diminuíram e as fotos se agigantaram. Ele tem agora uma boa desculpa para a vacuidade de suas páginas: se houvesse pensamento não haveria lugar para as fotos… A diagramação ficou toda quadrada, em todos os sentidos, com especial destaque para os pejorativos. Um amigo se cansou de pescar no deserto e concluiu: ‘É difícil encontrar o que ler naquele jornal’.
O nome de maior destaque entre os cronistas do jornal é o do eterno coronel Jarbas Passarinho, que ficou famoso por ter balbuciado, na sinistra reunião dos estrelados generais e seus colaboradores, de 13 de dezembro de l968, enquanto assinava o AI-5: ‘Ao diabo (ou coisa parecida) todos os escrúpulos de consciência!’. Ele conta isto no tom e nos termos de uma paráfrase de Napoleão à frente de seus soldados diante da Pirâmide de Gizé, no Egito, em 21 de julho de l897: ‘Vinte séculos vos contemplam!…’ Dizem que ele abandonou, então, a caneta e a mesa com os passos cadenciados de quem escutava e seguia o ritmo dos tambores do grande general que arrancava, então, o Egito das mãos dos ingleses.
Com esforços argumentativos cansativos, estereotipados e apoiado numa literatura de direita, saudosista da guerra fria, à la Raymond Aron e outros colaboradores menores da CIA, o coronel não consegue disfarçar a sua subserviência à ditadura. Diz ele, com efeito, confessando-se o lambe-botas dos generais que sempre foi, que ‘Nenhum ministro civil teria condições de contestar os ministros militares e seus chefes de Estado-Maior’ sobre o AI-5! E acrescentou, remoendo, inaudivelmente, as palavras: ‘Muito menos, eu!…’
Fechar olhos e narizes
Passarinho disse num programa televisivo, que suas mãos estavam ‘livres do sangue de qualquer adversário’. O filho de Vladmir Herzog, participando do mesmo programa, respondeu, emocionado: ‘Me desculpe, mas as suas mãos não estão limpas. O senhor foi conivente com o regime que matou meu pai, então as suas mãos estão tão sujas quanto as da pessoa que deu o choque e o matou.’ Referindo-se ao AI-5, que inaugurou o período de terror mais aberto da ditadura, reiterou: ‘O senhor assinou, junto com aquelas pessoas, um modelo de Estado que permitiu que pessoas como o meu pai e Manoel Fiel Filho (metalúrgico morto por tortura em janeiro de 1976) fossem assassinadas. O senhor foi conivente com aquilo lá. Isso daí a gente não pode esquecer.’
Outro, que também é eterno (enquanto dura…), é o José Sarney, que, num dos seus últimos artigos, jurava, de pés juntos e regozijando-se, que George W. Bush era um dos seus mais assíduos leitores. Alguém me disse: ‘Eu acredito. Nos textos de Sarney não há mesmo o que interpretar.’
Outro que entende de Sarney é o amigo Carlos Alberto – autor de crônicas esquisitas (se disser mais vocês o identificam), não no sentido português do termo, mas no sentido francês de exquis, do espanhol esquisito, do italiano squisito, ou seja: excelentes, preciosas, deliciosas. Diz ele que Sarney ‘desabona, com a sua presença, a Academia Brasileira de Letras. Não entendo como o aceitaram lá. Escreve muito mal’.
Mas no Estado de Minas escrevem também outros que não são nem tão coronéis e nem tão eternos quanto os já citados. Eles fazem bem em fechar os olhos e os narizes para o que ali ocorre.
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Cientista político, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, autor de A história pela metade, cenários de política contemporânea, editora da Universidade Federal de Viçosa, 2008