Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma releitura da Folha e da fonte

O Observatório da Imprensa publica, sob o título ‘Fonte desmente `sequestro de Delfim´ e acusa jornal de má-fé’, a carta enviada pelo jornalista Antonio Roberto Espinosa à Folha de S.Paulo em 5 de abril. O jornal se limitou a publicar hoje (7/4), na seção ‘Erramos’, o seguinte: ‘O sobrenome de Antonio Roberto Espinosa, ex-colega da hoje ministra Dilma Rousseff na guerrilha, foi grafado incorretamente como `Spinoza´ no texto `Grupo de Dilma planejou sequestro de Delfim Netto´.’


Espinosa, que tem muitos títulos mas certamente não é o filósofo, teve sua carta publicada em outros sites. O jornalista Urariano Mota se encarregou, segundo Paulo Henrique Amorim, de enviar a carta por e-mail ao Conversa Afiada, que a publicou ontem (6/4), com destaque. Até as 10h07 de hoje havia ali 137 comentários, nenhum em defesa da repórter Fernanda Odilla, autora da reportagem. O que eu escrevera às 17:07, defendendo-a, ficou pendente de aprovação até as 10 da noite, e não foi publicado.


Reportagem importante


Hoje, às 10:39, no espaço de comentários do ‘Quem somos’ do blog, escrevi:




‘Paulo Henrique Amorim. Tenho lido com certa freqüência os seus artigos e de vez em quando envio um comentário. Todos foram aprovados. Causou-me surpresa, portanto, não ter sido publicado o que enviei ontem, conforme abaixo:


`Espero que a jornalista Fernanda Odilla publique na internet a íntegra da entrevista do colega Antonio Roberto Espinosa, pois só assim saberemos se houve ou não distorções no texto publicado neste domingo (mas suspeito que ela seria acusada de ter omitido ou acrescentado falas). Por enquanto, é a palavra de Espinosa contra o trabalho de Odilla, uma repórter que merece todo o meu respeito.


Em 31 de março do ano passado, publiquei um artigo no blog Tamos com Raiva, que foi republicado em vários sites, dizendo que havia começado a caça a Dilma Rousseff.


Na reportagem que li ontem, atentamente, talvez por ingenuidade, não identifiquei o que Paulo Henrique Amorim e agora Espinosa incluem com tanta ênfase em mais um capítulo dessa caçada. Pelo contrário, vi na reportagem um brilhante trabalho de jornalismo. Eu gostaria de ter tido acesso à informação sobre o plano para seqüestrar Delfim Netto e os recursos e o talento de Fernanda Odilla para produzir tão importante reportagem.


Valorizar o contraponto




Lamento que, no afã de defender a ministra Dilma Rousseff, que aliás já havia se expressado muito bem na entrevista, o jornalista Espinosa tenha sido tão agressivo com uma colega que estava tentando publicar uma boa reportagem, ao fim de quatro meses de pesquisas – o que por si só mostra que não foi uma tarefa fácil, num país em que a História não é respeitada nem pelos protagonistas, que sempre procuram reescrevê-la para ficar bem na foto.


Quando Paulo Henrique Amorim foi demitido do JB por Nascimento Britto – por causa de um caderno especial sobre os 20 anos (não estou bem certo da data) da TV Globo –, a maioria dos colegas que tomaram conhecimento do fato se solidarizou com ele, por acreditar que a intenção era produzir um material jornalístico relevante, e não puxar o saco de Roberto Marinho, conforme interpretação neurótica de Nascimento Britto. É por isso que também não compreendo os ataques que ele faz agora à repórter Fernanda Odilla.


Gostaria de saber o motivo da não publicação, pois pretendo escrever um artigo para o Observatório da Imprensa a respeito dessa reportagem e da resposta do Espinosa e tenho sido um crítico da censura em blogs. No caso, ela me parece mais grave, pois talvez fosse o único comentário, entre 137, que defendesse o trabalho de uma repórter.


Você, com toda a sua experiência no jornalismo, certamente valoriza o contraponto, e não acredito que seja meu chefe de Redação do JB nos anos 80 (eu era editor regional em Minas Gerais, não sei se se lembra) a aprovar esse tipo de censura.


Preciso de uma resposta urgente, pois pretendo enviar o artigo ainda hoje´.’


Uma ‘pessoa especial’


Meu comentário não foi publicado, nem obtive a resposta no meu e-mail.


Na edição anterior do OI, no artigo ‘Por uma gota de diálogo’, Eugênio Bucci diz:




‘Para ser merecedores – e vetores – dessa rede de confiança, que atinge a envergadura de confiança pública, precisamos ser treinados a respeitar as múltiplas versões dos fatos e das idéias, precisamos contemplar, nos relatos, ângulos diversos, humores antagônicos, dores e alegrias que se desequilibram, mas que devem coexistir. Por dever de ofício, temos de saber ouvir e narrar as coisas de tal modo que inúmeros sujeitos não se sintam excluídos, expulsos da narrativa. Mais recentemente, o nosso compromisso com as condições de diálogo se tornou mais premente. Podemos até dizer que se tornou mais trágico, no sentido pleno da palavra.’


Concordo com Bucci. PHA, aparentemente, também concorda, pois ele escreveu em seu blog, na seção citada: ‘Por aqui, aceitamos sua idéia, sua opinião, seu palpite, sua crítica, sua consideração, sua forma de pensar alegria, forma de pensar tristeza…. Aqui o espaço é livre, as portas estão abertas.’


Já vi comentários meus serem censurados nos blogs de Mino Carta e Ricardo Noblat e no Comunique-se, sem qualquer explicação. Devia estar acostumado com isso, mas não me conformo e por isso não escrevo mais lá.


Não compreendo quando sou cortado e o Conversa Afiada aprova comentários como este: ‘Essa jornalista Fernanda Odilla é conhecida por ser uma péssima jornalista. Escrever sobre assuntos que ela não conhece e inventar mentiras é lugar comum na carreira dela’ (postado dia 6/4/, às 17:00, por alguém que se identifica como O Editor).


Esse comentário chama a atenção, embora não seja diferente, essencialmente, dos outros 136, com exceção do seguinte: ‘É preciso que não invertamos certos valores. O fato de Dilma ter sido guerrilheira, ter ou não pegado em arma, ter ou não sabido do possível sequestro do Delfim, só remete a um fato: ela é pessoa especial’ (postado por ‘Paco’, ontem, às 23:44).


A fábrica de bombas


De fato, a ministra da Casa Civil, provável candidata do governo Lula à presidência da República, é exatamente isso. Sua biografia tem enorme interesse jornalístico e Fernanda Odilla, que se formou em jornalismo na PUC Minas, começou a carreira trabalhando nos jornais Hoje em Dia e Estado de Minas e está se destacando como repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, fez muito bem em gastar quatro meses, embora não em tempo integral, pesquisando para escrever a reportagem contando o plano para seqüestrar Delfim Netto.


Toda boa reportagem é polêmica. Antonio Roberto Espinosa não é a primeira e nem será a última fonte a reclamar da edição de três horas de sua entrevista telefônica. É pena que ele não faça uma crítica pontual, mas genérica, para que a própria repórter possa se aperfeiçoar, se for o caso. Além disso, parece desconhecer que repórter, em geral, não opina na hora da edição. Do jeito que escreve, dá a impressão de ter ficado magoado (ou pelo menos apreensivo) mais com Dilma Rousseff do que com Fernanda Odilla, por causa de alguns trechos da fala da ministra, como estes, retirados da íntegra da entrevista publicada no mesmo domingo pela Folha Online:


FOLHA – A senhora não se lembra dos planos de seqüestrar Delfim e de montar a fábrica…


Dilma Rousseff – Nem sabia que houve. Qual era o outro?


FOLHA – Construir uma fábrica de bombas acionadas por controle remoto.


D.R. – Ah, pelo amor de Deus. Nenhuma das duas eu lembro e nunca me perguntaram. Veja bem, nunca ninguém do Exército, da Marinha e da Aeronáutica me perguntou isso.


‘Saí do Rio em setembro’


FOLHA – Antônio Roberto Espinosa [ex-comandante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares] me disse que, logo depois do racha, a VAR começou a se reestruturar e a traçar alguns planos. Apesar de estar mais focada na mobilização operária e estudantil, havia dois planos que considerava ousados e que não deram certo: o sequestro do Delfim Netto e o outro…


D.R. – Eu não participei disso.


FOLHA – Ele diz que era o responsável direto da ação e que informou ao comando, que seria composto pela senhora, o Carlos Aberto Soares de Freitas, o Loyola [Mariano Joaquim da Silva] e o Max [Carlos Araújo, segundo ex-marido de Dilma].


D.R. – Deixa eu te explicar uma coisa, eu tinha saído do comando. Quando houve a fusão, eu saí do comando e fui para São Paulo. Quando recompôs, eu fui presa. Eu não sei o que eles iam fazer.


FOLHA – O que Espinosa fala é que, depois do racha, a senhora era do comando.


D.R. – Ah, minha santa, eu não me lembro disso mais. Não sei se fui, se não fui. É um período muito pequeno até a queda. Eu sou uma das primeiras a cair. Eles só vão cair lá para a metade do ano.


FOLHA – O Espinosa cai antes…


D.R. – Na minha cabeça eu achava que ele tinha sido preso depois.


FOLHA – Ele foi preso em novembro de 1969, com o Chael [Schreier, morto pela repressão] e a Dodora [Maria Auxiliadora Lara Barcelos].


D.R. – Tá certo. Eu saio em setembro do Rio.


‘Racha foi contra ação armada’


FOLHA – Eu encontrei no inquérito da VAR um mapa que foi apreendido na rua Aquidabã, quando a Dodora, o Chael e ele [Espinosa] foram presos. O mapa, que o Delfim reconheceu, era um lugar que ele freqüentava. É um sítio do cunhado dele no interior de São Paulo e o Espinosa disse que a ação seria no interior de São Paulo.


D.R. – Ô minha santa, aí é ele quem sabe disso.


FOLHA – Te surpreende um plano para seqüestrar o Delfim naquele momento?


D.R. – Eu acho que não era o que a gente [queria], não era essa a posição do pessoal da VAR. Nós não éramos a favor de ações armadas desse tipo.


FOLHA – De qualquer forma, depois do racha o dinheiro do cofre [com US$ 2,4 milhões do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros] foi dividido, não? E o sequestro daria visibilidade à organização.


D.R. – Acho muito difícil ter acabado [o dinheiro do cofre]. Eu não cuidava dele. O que uma fábrica de bombas traz dinheiro? Não entendo. Precisava estar numa linha de luta armada e a gente não estava muito [nessa linha]. A gente não acreditava nisso (…).


FOLHA – Quando tem o racha, quem assume o comando da nova VAR?


D.R. – Quando tem o racha? Eu não me lembro. Se o Espinosa está dizendo que eu estava… Eu lembro que eu fui em outubro para São Paulo e nunca mais voltei [ao Rio] (…).


FOLHA – Só para deixar claro, a senhora não se recorda desse plano para seqüestrar o ministro Delfim Netto?


D.R. – Não. Eu acho que o doutor Espinosa fantasiou essa.


FOLHA – Será?


D.R. – Sei lá o que ele fez, eu não me lembro disso. E acho que não compadece com a época, entendeu? Nós acabamos de rachar com um grupo, houve um racha contra ação armada e vai seqüestrar o Delfim? Tem dó de mim. Alguém da VAR que você entrevistou lembrava-se disso?


‘Antes era o cofre, agora, o Delfim’


FOLHA – O Juarez [Brito], ainda no Colina, tinha pensado em…


D.R. – Ah, santa, então isso é coisa dele.


FOLHA – Ele não conseguiu executar e o Espinosa disse que, depois do racha, continuaram com o plano. O levantamento estava todo pronto, havia o mapa e eles iriam fazer [o sequestro] num fim de semana de dezembro de 1969. Seria num sítio no interior de São Paulo…


D.R. – Então isso é por conta do Espinosa, santa. Ao meu conhecimento, jamais chegou.


FOLHA – Ele disse que comunicou à direção da VAR. Eram cinco integrantes, entre eles a senhora e que a direção deu o aval para continuar o plano, apesar de não saber detalhes.


D.R. – Eu não me lembro disso, minha filha. E duvido que alguém lembre. Não acredito que tenha existido isso, dessa forma.


FOLHA – Ele fala que a responsabilidade de fazer a ação era dele, mas que a direção sabia, foi informada e autorizou.


D.R. – Isso está no grande grupo de todas as ações que me atribuem. Antes era o negócio do cofre do Adhemar, agora parou isso e vem o Delfim. Ah, tem dó, minha filha. Você sabe que tem isso. Todos os dias arranjam uma ação para mim. Agora é o sequestro do Delfim? Ele vai morrer de rir.


Os caminhos da guerra


FOLHA – Delfim Netto disse que não tinha medo, não. Às vezes o mandavam tomar mais cuidado, um pouco de cautela, mas que ele nunca levou muito a sério esses conselhos.


D.R. – Tá certo.


FOLHA – De qualquer forma, muito obrigada por tocar nesse assunto delicado…


D.R. – Eu estou te fazendo uma negativa peremptória, para mim não disseram. Tá?


Há mais de um ano, escrevi: ‘Começou para valer a sucessão do presidente Lula e a temporada de caça à ministra Dilma Rousseff, possível candidata petista à presidência da República em 2010, se até lá ela conseguir sobreviver.’ E concluí:




‘Até agora, a direita e a linha dura das Forças Armadas não têm criado grandes problemas à ex-guerrilheira. Como pré-candidata, talvez a coisa mude. Sobretudo, se tiver como concorrente José Serra, um ex-presidente da UNE e que sabe jogar um jogo político da pesada.


Vai ser interessante acompanhar esse jogo bruto da política brasileira, mesmo sabendo que vamos nos irritar profundamente em muitos momentos da partida.


Muito mais interessante será se, com Dilma Rousseff, tivermos pela primeira vez uma mulher na presidência da República.’


Continuo acreditando nisso. Só não havia previsto que a guerra enveredasse por caminhos como o narrado acima.

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Jornalista, Belo Horizonte, MG