No cenário ideal criado para a eleição do capitão do exército, Jair Messias Bolsonaro, especialmente depois do impeachment da então presidente Dilma Rousseff, dois episódios foram decisivos: a facada no candidato e o apoio a ele por parte do líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo.
O voto evangélico e dos católicos que comungam com valores morais tradicionais fez a diferença no segundo turno das eleições presidenciais no Brasil. Com o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, Bolsonaro apareceu para evangélicos e católicos tradicionais como aquele que aplicaria a lei de Moisés, por um lado, e estabeleceria uma espécie de reinado tal como Salomão.
O messianismo desse Messias não se explica apenas por isso, mas por condições que lhe deram poder para ser comparado ao discípulo Pedro, um dos mais inflamados do grupo. Não tardou para que o Partido dos Trabalhadores, transformado em “persona” pela população e pela mídia, fosse comparado a Judas, o discípulo traidor. Assim, Pedro, aquele que usa sua espada para defender o Cristo, ressurge no imaginário evangélico e católico na figura de Bolsonaro, cujos gestos usando uma metralhadora não significaram, para esses eleitores, um aceno à violência, mas um gesto que salvaguardaria os próprios valores tradicionais e cristãos, para eles outrora perdidos na sociedade.
O esfaqueamento de Bolsonaro é um dos episódios que intensifica a ideia de que ele é o escolhido por Deus para reconstruir a nação com base nos valores da família e dos costumes tradicionais e que, por isso, a vida dele estaria ameaçada. Cenas exibidas pelas redes sociais e pela grande mídia do candidato no hospital, prestes a fazer a cirurgia após a facada e de seu restabelecimento, foram interpretadas como uma espécie de via crucis pela qual esse `escolhido divino´ estaria passando para chegar, enfim, à vitória nas urnas e libertar a sociedade da ameaça comunista e da laicidade do Estado, ambas associadas aos bolsonaristas evangélicos aos governos petistas.
Bolsonaro, então, toca o arsenal simbólico não só de evangélicos, mas de cristãos católicos que o reconhecem como a melhor e única saída para as mazelas do país, ou seja, estabelece-se uma relação entre a figura do candidato e o forte messianismo do catolicismo popular e evangélico do pentecostalismo. É importante lembrar que católicos e evangélicos uniram-se à bancada evangélica, na Câmara dos Deputados, em uma só voz contra pautas relacionadas à descriminalização do aborto e o casamento gay.
Em 2015, o Projeto de Lei denominado Estatuto da Família foi aprovado na Câmara dos Deputados e está em discussão no Senado. O texto do Estatuto da Família versa sobre regras jurídicas e políticas públicas para uma definição de família tradicional, excluindo quaisquer outras formas de constituição familiar e foi proposto e é defendido pela Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, que reúne as bancadas católica e evangélica. Portanto, a homofobia expressa claramente na fala de Bolsonaro e a alusão à família tradicional, que ele diz ser o cerne da sociedade, confirmaram a ideia a grupos católicos e evangélicos de que ele seria o candidato da moralidade tradicional, embora tenha sido casado várias vezes.
A tudo isso soma-se o apoio de pastores evangélicos influentes como Malafaia (Assembleia de Deus), Marco Feliciano (também parlamentar) e, o mais famoso deles, Edir Macedo, dono de um império eclesiástico e midiático. Às portas do primeiro turno das eleições, Macedo não só declarou apoio a Bolsonaro como concedeu-lhe espaço em sua emissora, a Record, para uma longa entrevista, exatamente no mesmo dia e horário do debate de presidenciáveis na Rede Globo.
Após eleito, Jair Bolsonaro disse: “durante a campanha, o evangelho nos ajudou muito, na aproximação com evangélicos, com católicos, com demais grupos, bem como demais religiões, bem como em regiões do Brasil todo… Vai (olhando para o ex-senador evangélico Magno Malta) agradecer a Deus e pedir sabedoria pra que nós possamos continuar nessa jornada na presidência da República”.
Magno Malta, então, diz: “nós começamos essa jornada orando e o mover de Deus, e ninguém vai explicar isso nunca, o que acontece… os tentáculos da esquerda jamais seriam arrancados sem a mão de Deus. Chegamos, começamos orando e é mais que mais justo que agora oremos para agradecer a Deus”.
A laicidade do Estado nunca foi tão clara e publicamente desprezada em um momento tão decisivo para os rumos políticos da sociedade brasileira, que abriga uma imensa diversidade religiosa, mas que, por outro lado, tem um impressionante crescimento evangélico, sobretudo da vertente pentecostal, que poderia ser comparado ao do avanço feito por tentáculos, figura de linguagem usada pelo ex-senador, pastor e cantor gospel, Magno Malta.
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Ana Keila Mosca Pinezi é professora na UFTM e pesquisadora na área de religião e sociedade. É autora de artigos e livros como `A vida pela ótica da esperança: um estudo comparativo entre a Igreja Presbiteriana do Brasil e a Igreja Internacional da Graça´, Editora da UFABC, 2015.
Andrew Chesnut é professor Titular de Estudos Religiosos na Virginia Commonwealth University, Especialista nas religiões do Brasil e da América Latina e autor de artigos e cinco livros sobre o tema. O seu último livro “Devoted to Death” refere-se à Santa Muerte, o novo movimento religioso de maior crescimento nas Américas.