O certificado do Pulitzer está pendurado em cima do fax, uma dezena de outros prêmios estão empilhados contra a parede em meio a uma centena de livros e de blocos de papel amarelo com linhas cheias de anotações e rigorosamente numerados. Seymour Hersh, que completa 72 anos na próxima semana, discute no telefone com os pés sobre a escrivaninha. Calça tênis, é bronzeado e não demonstra a sua idade. Está brigando com a New Yorker, a revista para a qual escreve há 15 anos, porque querem encurtar a sua investigação sobre as tratativas de paz entre a Síria e Israel e sobre as medidas de Obama nos bastidores.
A reportagem é do jornal La Repubblica (1/4/2009). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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Um novo modelo de jornal
O jornalista que denunciou, em 1969, o massacre de My Lai, no Vietnã, e, 35 anos depois, os horrores de Abu Ghraib, está convencido de que o jornalismo não desaparecerá, mesmo admitindo: ‘Estamos verdadeiramente em apuros, mas investigar é o que nos mantém vivos, o que torna os jornalistas preciosos para o público. Pode-se cortar tudo, mas não isso, ou senão estamos acabados.’
O que o senhor pensa da profecia que prevê o desaparecimento iminente do papel impresso?
Seymour Hersh – Não acredito nisso. Os grandes jornais existirão ainda por um longo tempo: nos Estados Unidos, haverá sempre o Wall Street Journal e o New York Times. E onde os jornais locais fecham, nascerão revistas ou jornais menores que os substituirão.
Porém, a cada dia um grande jornal fecha ou declara falência nos EUA.
S.H. – Há a crise econômica, a crise da publicidade e a mudança dos hábitos nos jovens, mas o problema começou há 40 anos, quando as grandes corporações compraram os jornais que lhes eram muito úteis. Mas os trataram de modo errado, como se fossem produtos como os outros, reivindicando uma utilidade de 20%. Durante anos, esmagaram a verba dos jornais e agora, que vêem que estão se debatendo, jogam-nos fora. Deveremos voltar ao jornal de propriedade de uma família, que certamente tem utilidade, mas não pensa só nisso. Requer uma mentalidade que reduz as expectativas e pensa em um novo modelo de jornal. Quando eu trabalhava no New York Times, nos anos 60, a família Sulzberger se envergonhava se ganhava pouco. Por isso, reinvestia o dinheiro.
Todos queriam ser Woodward e Bernstein
A crise dos jornais e a falta de recursos não colocam em crise a função de controle do poder que a imprensa deveria ter?
S.H. – A idéia de que os jornais possam nos salvar está morta com as armas de destruição de massa que George Bush defendia que Saddam possuía. Desiludimos as pessoas: não conseguimos descobrir o que Bush estava fazendo e assim perdemos credibilidade e peso. Se houver uma revolução social nos EUA será bom não contá-la na imprensa. Melhor, não saberemos nem o que está em curso por pelo menos seis meses. Somos muito mais burocráticos e convencionais do que os leitores crêem.
A sua análise é feroz e sem esperança.
S.H. – Não, reconheço que há também jornalistas fantásticos, mas nos últimos anos, nos EUA, a imprensa não fez bem o seu trabalho.
Há uma idade de ouro do jornalismo investigativo?
S.H. – Para mim, era a dos tempos do Watergate. Havia uma competição incrível entre o Times e o Washington Post, mas depois todos queriam ser Woodward e Bernstein e começaram a aumentar as matérias, a não controlar os particulares, a se sentir muito importantes e perdemos credibilidade. Com a guerra no Iraque, caímos aos pedaços e voltamos ao ponto de partida: éramos como os recém-nascidos que se deixavam nutrir pela Casa Branca.
Quero pegar o jornal na mão
Qual é a receita para fazem bom jornalismo e se salvar?
S.H. – Ser curiosos, confiáveis, transparentes e corretos. Nunca procurar atalhos: se uma fonte lhe relata uma coisa e pede que você não a escreva, você não pode enganá-la. E se você comete um erro, deve admiti-lo e corrigi-lo o mais rápido possível.
Como se faz uma boa reportagem?
S.H. – Deve-se ler muito, ver muita gente, fazer dezenas de entrevistas e fazer muitas anotações, deve-se ter uma quantidade excessiva de material. Depois, deve-se encontrar o modo de comunicá-la no jeito mais simples possível. Se você tem na mão uma história fantástica, não deve dizer isso, mas deve encontrar o modo de fazê-la falar por si mesma.
O senhor lê os jornais online ou em papel?
S.H. – Toda manhã, eu os olho na rede, mas depois quero pegá-los na mão: sou velho e sempre vou querer os jornais. Meu filho, que tem 27 anos, pelo contrário, está todo o dia na internet e, em cinco anos, os jornais serão publicados apenas para os que tiverem 50, 60 anos. Espero que rapidamente alguém encontre o modo de ganhar dinheiro na internet, e imagino um site de investigações com jornalistas de todo o mundo, lido em todo o mundo. Quando a New Yorker publica na internet uma boa matéria, ela tem mais de 100 mil leitores por dia e, em poucas semanas, podem chegar a milhões. Todos ficam sabendo imediatamente. Não é como no tempo em que eu tinha que chamar os amigos para lhes mostrar o que eu tinha escrito.
Eles são muito inteligentes
O que o senhor pensa sobre Obama?
S.H. – É muito bonito e as mulheres o adoram. Não gosto do seu plano para o Afeganistão, mas estou disposto a lhe dar um tempo. Estava muito feliz na tarde em que Bush saiu de cena. Fui para a cama e pensei: ‘Durmo com uma princesa belíssima.’ Na manhã seguinte, porém, eu disse: ‘É uma rã e devo tratá-la como uma rã.’ Penso que os jornalistas estão ainda um pouco apaixonados por ele, mas sempre devemos controlar o poder e não nos deixar encantar, mesmo porque, na Casa Branca, a única imprensa que eles amam é aquela que podem usar. E essa administração é muito boa em fazer isso.
Eles colaboraram com a sua última investigação?
S.H. – Não quiseram falar sobre muitas coisas comigo. São muito inteligentes: na Casa Branca, eles não gostam de coisas que fazem com que o presidente pareça menos do que perfeito.