Quem gosta de futebol geralmente não dispensa as tradicionais resenhas e entrevistas de pós-jogo, seja para tirar dúvidas, checar pontos de vista ou simplesmente saber o que os experts e personagens têm a dizer sobre o que rolou nos gramados. É o ato final do que, com a devida licença poética, chega a ter o status de batalha estilizada, mas que no fundo, cá para nós, quase sempre está mais para ópera bufa ou até tragédia grega – os argentinos que o digam – do que outra coisa.
A verdade é que, seja lá o nome que se der – que tal, simplesmente, jogo? –, a fruição não se esgota nos míseros noventa minutos regulamentares: é preciso repassar, reavaliar, enfim, esmiuçar a coisa como se disseca um cadáver. Ritual que se estende, democraticamente, mesmo às mais reles peladas, esquadrinhadas – e aí, o grande barato da coisa – com o mesmo fervor marqueteiro que toma conta do estereotipado futebol de hoje em dia.
Já escrevi aqui, mas não custa repetir: ninguém engana mais seu público do que a crônica esportiva, a ludopédica, para ser mais exato. A diferença em relação a outras áreas do jornalismo é o fato de ser uma tapeação de certa forma consentida, ou compartilhada, uma espécie de faz de conta para deixar todo mundo feliz. Daí a proibição velada a críticas mais realistas que parece vigorar nas redações, principalmente nas emissoras que detêm os direitos de transmissão dos principais eventos. Não é à toa que as intermináveis rodas de bate-papo que recheiam as programações esportivas, afora uma ou outra exceção, não passem de um desfile de velhos clichês repetidos à exaustão, quase sempre passando ao largo das questões mais sérias e relevantes.
Formalismo e superficialidade
Não que a prosa futebolística exija um tratamento mais sofisticado, até porque nesse meio – como já dizia o saudoso velho guerreiro Chacrinha há mais de vinte anos – nada se cria, tudo se copia. Mesmo o vetusto formato das chamadas mesas-redondas, que sequer são mesas e muito menos redondas, eventualmente ainda funciona bem, dependendo da pauta e dos participantes, é claro. É o caso do Bem, amigos…, pelo menos quando calha de ser apresentado pelo regra três Luis Roberto, cuja fluência funciona muito melhor do que o estrelismo e o pedantismo do titular Galvão Bueno.
Estigma de resto peculiar a outras figuras carimbadas da crônica esportiva e que só não são mais intragáveis do que aqueles que fazem do jornalismo esportivo um balcão de negócios. E aqui, um parêntese: não só do jornalismo esportivo, que qualquer apresentador trasvestido de garoto-propaganda é duro de engolir. Ou há algo que soe mais falso do que esse pessoal alardeando a excelência de tudo que é produto? Muitos dos quais, verdadeiras empulhações, caso das supostas maravilhas de produtos bancários que embutem o maior spread bancário do mundo. Sem falar do atendimento precário da maioria, pois continua sendo corriqueiro o desrespeito à lei que prevê um tempo de espera nos caixas de no máximo de quinze minutos. Fecha parêntesis.
Voltando à bola, inevitável não associar os problemas crônicos de nosso futebol à Globo, que há décadas detém a exclusividade e o monopólio da transmissão dos principais eventos no país e que, por isso, tem a obrigação de oferecer um produto à altura. No que até vem enganando bem, em função da excelência de recursos técnicos e do concurso de profissionais – verdade seja dita – do que existe de melhor no mercado. As restrições ficam por conta do formalismo e da superficialidade que pairam como uma espécie de marca registrada do jornalismo global, que mesmo mais flexível em relação à cobertura futebolística, nem sempre consegue estabelecer a necessária empatia com o telespectador.
Superstar do dia para a noite
Se a falta de renovação é inegavelmente um dos problemas mais sérios da televisão em geral, na área futebolística não poderia ser diferente, daí os elevados índices de rejeição a medalhões como Galvão e o dublê de apresentador e garoto-propaganda Milton Neves, cujo nome virou literalmente grife do jornalismo mercantilista. Não é à toa que seu itinerante Terceiro Tempo se transformou numa espécie de pastiche do gênero, com sua troupe de tipos folclóricos que fazem da gaiatice a grande atração do programa.
Menos mal para a Bandeirantes que sua programação esportiva não se esgota nesse estilo, digamos, trash, de jornalismo. Ainda que recheada de veteranos da crônica esportiva, nomes como Luciano do Valle, Téo José e Sílvio Ruiz continuam dando conta do recado e prestigiados por um fã clube cativo. Nada que faça sombra à Globo, que desde o ano passado divide com a Band um naco das transmissões, mas para quem não suporta o proselitismo global, melhor uma opção do que baixar o volume da TV. Eu mesmo não troco por nada o estilo escrachado do impagável Sílvio Ruiz, até mesmo para não pegar no sono com um futebol cada dia mais chinfrim, como bem atestam os inacreditáveis 6 a l perpetrados pela insipiente Bolívia sobre a até então toda-poderosa Argentina.
Uma bolinha tão insossa, com esses estaduais decadentes e uma seleção brasileira com a qual nos identificamos cada vez menos, talvez porque quanto mais rica menos a legião estrangeira prestigiada por Dunga joga, que pensando bem, há que se dar um certo desconto à condescendência com que nosso futebol vem sendo tratado. Afinal, estão todos no mesmo barco e é preciso evitar a todo custo que a situação deteriore a ponto de afetar o interesse do público e comprometer um faturamento que já nem dá para o gasto.
Não a ponto, é claro, de justificar exageros como o oba-oba desenfreado em torno do retorno de Ronaldo ao futebol com a camisa corintiana e do próprio début do garoto Neymar, do Santos, alçado à condição de superstar do dia para a noite. Afinal, mesmo superando as melhores expectativas, Ronaldo ainda tem um longo caminho pela frente para poder pensar em vôos mais altos, como voltar à seleção, e Neymar mal e mal saiu dos cueiros, ou seja, não passa de um principiante talentoso, como tantos que passaram pelo futebol e não vingaram, e cujo endeusamento excessivo é mais um desserviço que a imprensa presta ao futebol.
Renovação é viável
Enfim, nada de novo no front, tudo como dantes no quartel de Abrantes. A não ser quando se trata de advogar em causa própria, com a adesão à picaretagem que faz o jornalismo esportivo de trampolim, ou quando se trata de defender mal-disfarçadas preferências clubísticas. Como é o caso dos que se batem pelo que consideram um ato de justiça e reparação aos campeões da antiga Taça Brasil, que precedeu o Brasileiro, o que colocaria o Santos, com as seis conquistas daquela época, mais os dois recentes títulos nacionais, no topo da hierarquia de nosso futebol, o que está longe de ser consensual.
De fato, o que se quer é equiparar disputas totalmente diferentes, já que a antiga Taça Brasil seguia o mesmo molde da atual Copa do Brasil, ou seja, no estilo mata-mata, com a diferença de que aquela se restringia aos campeões estaduais. É onde a coisa engasga, pois como equiparar uma competição curta e casuística, como sói acontecer nos sistemas eliminatórios, com uma disputa com a abrangência e o grau de dificuldades de um Brasileirão que já chegou a ter cem participantes? Penso que o Santos, especificamente, não precisa de um reconhecimento fadado a controvérsias, a exemplo do postiço título mundial do Corinthians, para corroborar as glórias que todo mundo reconhece.
Melhor seria que a dupla Odir Cunha e Antonio Carlos Teixeira, que encabeça a campanha, encampasse lutas mais importantes para nosso futebol, como destravar a emperrada reforma da verdadeira colcha de retalhos em que se transformou a famigerada Lei Pelé. Sim, pois pior do que a omissão e a superficialidade da cobertura global é uma concorrência que se limita a macaquear as irrelevâncias e anátemas que daí decorrem.
Nesse sentido, talvez seja até o caso de rever a sistemática que garante à Rede Globo o monopólio de transmissão do Campeonato Brasileiro, de modo a permitir que outras emissoras, mesmo de menor porte, também tenham direito às transmissões. Uma negociação mais aberta e transparente fatalmente viria beneficiar todos, a começar pelos próprios clubes, que poderiam pleitear cotas maiores dentro de um pacote acessível às demais emissoras. Para o público, além da variedade de opções, a simples perspectiva de não precisar se sujeitar à ditadura imposta pela Globo, entre as quais o esdrúxulo horário das 22 horas nos jogos do meia de semana, por causa da novela das oito, já seria uma mão na roda.
Em tempo: para não dizer que não falei das flores, um voto de louvor à bem-sucedida repaginada do Globo Esporte, edição de São Paulo, e em especial ao carismático apresentador Tiago Leifert, que com sua descontração e irreverência está sacudindo a poeira do engessado e chato formato tradicional dos programas do gênero. Prova de que a tal renovação que aqui venho cobrando é perfeitamente viável.
Renovação com qualidade, bem entendido, pois carinhas novas com discurso antigo também não estão com nada.
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Jornalista, Santos, SP