O mineiro José Alencar foi entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, apresentando-se, mais uma vez, como um homem sensato à frente do governo brasileiro, um presidente em exercício, ocupando o posto, enquanto Lula participava de um fórum internacional.
O grupo de jornalistas era do mais alto time, preparado para questioná-lo de cabo a rabo, e se viu diante de um mestre da sabedoria e placidez. Lá estavam Rui Nogueira, chefe de redação da sucursal do jornal O Estado de S. Paulo, Ricardo Noblat, colunista de política do jornal O Globo e titular do Blog do Noblat, Augusto Nunes, colunista do site da revista Veja e Denise Rothenburg, colunista de política do jornal Correio Braziliense.
Em muitos momentos, suas respostas tiveram teor mais filosófico do que político, como, por exemplo, ao ser inquirido, por que participara da festa de aniversário do ex-ministro José Dirceu. Alencar foi exímio ao discorrer sobre a desconfiança mineira, sobre sua origem de homem do vale, cercado de montanhas misteriosas, onde, por trás delas, nunca se sabe o que acontece. Explicou de um jeito tão doce e convincente que os entrevistadores sorriram ao ouvir dele que não condenaria a priori ninguém e que não está contra qualquer investigação, mas nunca iria se afastar de um amigo.
As boas maneiras da mineirice
Em torno de si, com a célebre e conhecida voz pausada, formou-se uma certa aura de admiração e respeito, capaz de dar ao programa, usualmente palco de discussões acaloradas, sob a condução passiva e atenta do profissional Heródoto Barbeiro, a feição de que ali se encontrava um dos remanescentes da lucidez empresarial brasileira, costurando história recente da República e esbanjando experiência.
Não bastasse sua vida pessoal, alvo recente dos noticiários, por sua luta contra o câncer e a coragem explicitada em muitas outras entrevistas em que sempre declarou a humildade do seu trajeto diante do imponderável. Isso lhe valeu uma crescente admiração do povo brasileiro, que lotou de mensagens suas caixas postais e o encheu de orações e votos de recuperação quando da última cirurgia a que se submeteu, em São Paulo.
Alencar conquistou o direito de passar a ser um membro da família brasileira comum e, no dia-a-dia, já pode ser visto como um velho cacique da tribo, um conselheiro respeitado, e assim foi na távola redonda que formata o tradicional programa Roda Viva.Ninguém duvidou que no meio daquela roda estava um equilibrado e audacioso homem do nosso tempo, atrevido a ponto de não defender a campanha que, segundo ele próprio, ainda não começou, da ministra Dilma à presidência. Falou de tudo um pouco, lúcido e prudente, como recomenda o manual das boas maneiras da mineirice oficial.
Destreza e propriedade
Também, quando o debate ferveu em torno das críticas ao Senado Federal, ele, como ex-senador, foi enfático sobre a necessidade da reforma administrativa para aquela casa legislativa, lembrou que há um convênio assinado com a Fundação Getulio Vargas com essa finalidade, mas foi ‘brando’ e ‘amigo’, como o classificou o jornalista pernambucano Ricardo Noblat.
Na verdade, pôde-se observar o tempo todo que o José Alencar presente aos estúdios saía-se bem em cada fase da entrevista, na medida em que não se furtava a responder, mas enfatizava que o seu temperamento é assim mesmo, calmo e comedido, talvez bem menos belicoso do que desejariam seus afoitos entrevistadores.
Arrancou-lhes sorrisos e proporcionou-lhes calmaria em meio a cada prenúncio de tempestade. Sua postura ou performance fazia lembrar antigos estadistas que, diante da gravidade dos temas, conseguiam versar o lado apaziguador ou vencedor de cada tema sem perder a linha, sem chafurdar em qualquer lama, mantendo-se a certa altura, com palavras bem escolhidas e olhares sábios.
Assim, naquela roda que se fez mais viva do que nunca, um político que é vice – que é o chefe da nação, se o dever o chama – demonstrou encarnar um ponto de referência importante no comando do Brasil, sem ser um mero acompanhante da história, mas sim, um interlocutor da saga brasileira, atento ao espaço que dispõe no cenário nacional.
Alencar levou ‘no bico’, como diriam os mais velhos, o tal staff inteligente de perguntadores ávidos por declarações bombásticas. Saiu-se com destreza e propriedade, deu a volta na roda e na vida, e esteve mais vivo do que nunca na noite do telejornalismo do dia 30 de março de 2009.
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ