Ao final da caça ao italiano Cesare Battisti, acusado de ter cometido crimes, não provados, há mais de 40 anos, e sua encarceração numa solitária italiana para o resto da vida, fica a pergunta: quem é esse italiano?
Apesar de etiquetado como terrorista e do mistério dos seus 37 anos de fuga, até ser apanhado pela Interpol, Cesare Battisti não é um clone de Guevara, mesmo se foi também um presidente boliviano quem o entregou à Itália de direita do primeiro-ministro Salvini, como o presidente boliviano René Barrientos havia selado a sorte do Che.
Cesare Battisti era um foragido solitário que, apesar de 37 anos de fugas, não se tornou um especialista nem na arte de se esconder e nem de se disfarçar. Por isso sua história me comoveu e me levou a lutar por ele, logo depois de preso no Rio de Janeiro em março de 2007.
A escritora francesa Fred Vargas, especialista em romances policiais e que fez um longa pesquisa sobre Battisti, me convenceu de sua inocência. Enquanto Battisti iniciava sua vida de fugitivo, se escondendo da polícia por ter pertencido a um movimento terrorista, seus antigos companheiros presos lançavam sobre ele a culpa dos crimes cometidos.
Seu processo feito à revelia ou na sua ausência, foi marcado por fraudes e mesmo assinaturas falsas de advogado, comprovou o professor Carlos Lungarzo, num livro de pesquisas sobre o processo de Battisti. Enquanto estava no México, refúgio seguro, onde escreveu seu primeiro livro, pouco importava sua condenação, na Itália, à prisão perpétua.
Porém seu primeiro grande erro, foi o de ter trocado o México pela França, onde o presidente François Mitterrand garantia asilo seguro. Foi um erro porque ao terminar o segundo mandato de Mitterrand, a Itália reabriu a caça aos antigos terroristas e só faltava pegar Battisti.
Era preciso fugir novamente, mas para onde? Battisti contava que decidiu escolher o Brasil porque confiava no presidente Lula. Mas a Itália, com seus inspetores Javert, localizou sua proa e Battisti foi preso. Fez um longo período na prisão de Papuda, teve depressão, escreveu outro livro e deu sorte ter confiado em Lula, pois o presidente, no último dia de seu mandato, negou a extradição de Battisti à Itália, decisão não aceita pelo STF, custando isso mais longos meses de prisão.
Enfim livre, Battisti se tornou um refugiado comum, com papéis em dia e os processos contra ele prescreveram. Casou, teve um filho, foi viver em Cananéia, escreveu mais livros. Julgava-se salvo. Enganou-se.
Cesare Battisti não era um terrorista mítico e nem procurava ser. Desejava ser um cidadão esquecido no litoral sul de São Paulo. Mas o presidente Temer, o ministro Fux, o candidato Bolsonaro depois eleito, e o embaixador italiano no Brasil viam no quieto e mesmo tímido Battisti um objeto, um objeto de muito valor para ganhar prestígio e mesmo votos.
Cada um deles queria um pedaço de Battisti. Mas Temer e Fux passaram a perna em Bolsonaro, que também foi passado para trás por um novo perseguidor de Battisti, o boliviano Evo Morales, e também pelo embaixador italiano, desejoso de uma promoção junto ao ministro, agora por certo garantida.
Ignorando todos esses interesses, pessoas desinformadas postam nas redes sociais mensagens de ódio e vingança. Quanto tempo Battisti aguentará na prisão?
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.