Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘Vazamentos de informações podem ser de grande utilidade para o jornalismo e para o público.

Um dos melhores momentos da história do jornalismo, o caso Watergate, que acabou com a renúncia do presidente americano Richard Nixon, não teria ocorrido sem vazamentos.

Mas, como tudo, quando eles são usados de maneira exagerada e sem discernimento, provocam malefícios, tanto à profissão quanto à sociedade.

O jornalismo brasileiro sofre há muito tempo de excesso de condescendência com grampos e vazamentos, utilizados com pouco ou nenhum senso crítico e sem cuidados elementares que precisam ser observados em situações que colocam em risco reputação de pessoas, empresas e entidades e até a estabilidade institucional do país.

Na semana passada, mais uma vez, um grampo provocou manchetes que prenunciam revelações sensacionais, mas tendem a se desvanecer, sem esclarecimentos sobre o que as provocaram, até caírem no esquecimento.

Há algo de profundamente errado nesses ciclos sucessivos, que distraem e fatigam a opinião pública, desviam energia de debates fundamentais de políticas públicas, acirram a rivalidade rancorosa entre simpatizantes de correntes políticas antagônicas.

Neste caso do grampo no STF, a Folha, outra vez, tem se limitado a recolher, registrar e repercutir informações e declarações. É claro que ela não poderia ignorar a notícia.

Mas deveria escolher uma das seguintes alternativas: manter distanciamento crítico para dar a devida dimensão ao fato, investir pesadamente para apurar o que ocorreu independentemente do que dizem vazadores e autoridades ou esclarecer ao leitor quais são os interesses que estão em jogo. Ou, melhor ainda, fazer essas três coisas ao mesmo tempo.

A tal gravação pode ter sido feita pela Abin, por alguém da Abin de moto próprio, pela PF, por alguém da PF por iniciativa individual, pelo Senado, por particulares. Por que não tentar apurar com todo vigor todas as alternativas, em vez de se restringir a reproduzir o que os personagens dizem?

No caso Watergate, o ‘Washington Post’ adotou e seguiu rigidamente dois mandamentos básicos: nunca publicar nada que tivesse sido divulgado por outro veículo de comunicação, a não ser que fosse verificado e confirmado autonomamente pelos seus próprios repórteres; qualquer informação passada por uma fonte que quisesse permanecer anônima tinha de ser corroborada por pelo menos outra fonte independente (de preferência por duas ou três).

Essas exigências deveriam ser obedecidas estritamente sempre. Assim como outra, recomendada há 21 anos pelo Twentieth Century Fund, uma ONG que se dedicou a estudar o fenômeno dos vazamentos: sempre identificar o interesse ou o grupo político com que o vazador se identifica.

O leitor tem o direito de saber qual é o objetivo de quem vaza, ainda que seu nome seja preservado. Conhecer a motivação da fonte é um elemento essencial para o leitor poder julgar a informação que recebe.

Neste caso atual: por que o tal vazador da Abin resolveu agir? A quem ele é ligado politicamente? Quem potencialmente se beneficia ou é prejudicado com o vazamento?

São questões fundamentais para entender o problema. Sem resposta a elas, tudo se resumirá a muita espuma e pouca substância, como em várias outras situações similares no passado.’

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‘Do trololó ao futebol’, copyright Folha de S. Paulo, 7/9//08.

‘Em 12 de agosto, a Folha publicou no alto da página B6 que o governador José Serra afirmara que os dados do governo federal sobre investimentos do PAC no Estado de São Paulo eram ‘trololó’.

Em minha crítica à Redação, escrevi: ‘O jornal tem a obrigação de tentar apurar de maneira independente e avalizada se o governador está certo em sua denúncia e publicar com destaque o resultado da apuração que fizer’.

Nem isso foi feito nem os dados e informações que o governo federal passou ao jornal sobre o assunto foram publicados. O jornal errou. O leitor foi informado só da acusação do governador; não teve acesso à defesa do governo federal.

Na sexta passada, a Folha publicou reportagem em que revelava ter antecipado resultado de licitação do Metrô e afirmou que a companhia não quis se manifestar.

De fato, o Metrô não comentou o texto cifrado. Mas falara longamente à Folha na quinta sobre a licitação em si. A Folha Online publicou as explicações do Metrô na sexta à tarde. No sábado, a edição impressa mencionou em um parágrafo as explicações do Metrô. O jornal errou ao não dar na própria sexta e com mais espaço o que a companhia lhe havia dito na véspera.

Treze ciclistas encaminharam mensagens de protesto contra reportagem publicada na quarta em que repórter relata os percalços que sofreu ao testar viabilidade de projeto de alugar bicicletas em oito estações do Metrô. Os leitores contam que sua experiência de pedalar pela cidade não é tão difícil como a do repórter.

O jornal deve ao público este outro lado da questão.

Cento e quarenta e oito torcedores do Santos F.C. se queixaram de que na série DNA paulistano seu time não foi incluído entre os prediletos dos moradores de São Paulo.

O Datafolha informa que a pergunta sobre o clube futebolístico de preferência do entrevistado é aberta. Portanto, nenhum time foi excluído. A Redação publica apenas os três primeiros colocados. Na região oeste, objeto da mais recente edição, eles foram: Corinthians (27%), São Paulo (25%) e Palmeiras (17%). O Santos teve 5%.’

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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 7/9/08.

‘‘Katharine Graham – Uma História Pessoal’, de Katharine Graham. Tradução de Ana Luiza Dantas Borges, DBA, 1998 (a partir de R$ 21,32) – excelente autobiografia da ‘publisher’ do ‘Washington Post’, com ótimos capítulos dedicados aos casos Watergate e Documentos do Pentágono

‘Todos os Homens do Presidente’, Carl Bernstein e Bob Woodward, Francisco Alves, 1976 (a partir de R$ 21, em sites que negociam livros usados) Relato histórico dos repórteres que apuraram o caso Watergate

PARA VER

‘Todos os Homens do Presidente’, dirigido por Alan J. Pakula, com Robert Redford e Dustin Hoffman, 1976 (a partir de R$ 29,90) Clássico filme com a história dos jornalistas que investigaram o caso Watergate

ONDE A FOLHA FOI BEM…

Jovens torturados

Jornal vem noticiando com destaque e isenção episódio em que três jovens foram soltos após passarem anos presos por crime que dizem ter confessado após tortura

Cigarrilha do presidente

Com senso de oportunidade e inteligência, repórter registra na quinta a sincera opinião do presidente da República sobre as leis que proíbem o fumo

Ficha dos candidatos

Iniciativa de colocar as fichas dos candidatos à disposição do leitor na Folha Online ajuda o eleitor a decidir-se

…E ONDE FOI MAL

Proibição do fumo

Cobertura sobre projeto de lei que proíbe o fumo em todos os ambientes públicos fechados em São Paulo tem sido desequilibrada a favor da proposta

Frases de Lula

Destaque para frases descontraídas e heterodoxas do presidente na cerimônia do pré-sal foi exagerado e descabido: o hábito presidencial de expressar-se inusitadamente é mais do que conhecido de todos

Vice de McCain

Na quinta, jornal avaliou mal impacto do discurso de Sarah Palin; na sexta, recuperou-se e mostrou que ele havia agradado ao seu público-alvo (os americanos conservadores)

Assuntos mais comentados da semana

Torcida do Santos F.C. no DNA paulistano

Reportagem sobre ciclistas em São Paulo

Caso dos grampos no STF’