A próxima São Paulo Fashion Week, que acontecerá em junho, já virou notícia. Só que, desta vez, não foi graças aos divulgadores dos desfiles falando das ‘tendências’, ‘temas’ ou top models que assanham editores de moda e fotógrafos com sua presença. O tema é um pouco mais sério: preconceito.
Foi o que mostrou a Folha de S.Paulo de domingo (12/04/2009), na matéria ‘Promotora quer cota para negros em desfiles’:
‘As semanas de moda de Paris, Milão e Nova York não perdem por esperar a tendência que a São Paulo Fashion Week está para lançar. De acordo com uma proposta do Ministério Público, as grifes do evento poderão ser obrigadas a cumprir cotas raciais em seus desfiles, no estilo do que já fazem as universidades públicas. Desde o ano passado, a Promotoria abriu um inquérito para apurar a prática de racismo na SPFW. A ideia das cotas é da promotora Déborah Kelly Affonso, do grupo de atuação especial de inclusão do Ministério Público. O percentual de modelos negros no evento [em torno de 3%] é bem menor que o de brancos. O objetivo da Promotoria é fazer um acordo de inclusão social. Estabelecer um número mínimo de modelos negros a desfilar, afirma ela.’
‘Brasil não é lugar de raça pura’
Mas o que pensam estilistas, donos de agência de modelos, enfim, as pessoas que vivem – e ganham dinheiro – do mundo da moda?
** A estilista Glória Coelho deu sua opinião: ‘A cota pode interferir na obra do estilista. Nosso trabalho é arte, algo que tem de dar emoção para o nosso grupo, para as pessoas que se identificam com a gente. Na Fashion Week já tem muito negro costurando, fazendo modelagem, muitos com mãos de ouro, fazendo coisas lindas, tem negros assistentes, vendedoras, por que têm de estar na passarela?’
** Alexandre Herchcovitch não se opõe: ‘Pra mim, isso (cota) não é problema. Nunca excluí modelo por causa de cor’, diz. Ele não acha que a cota possa interferir na obra do estilista. ‘Quando se escolhe o modelo, a roupa já está criada. Isso é o mais importante’, diz.
** O dono da agência de modelos Mega, Eli Hadid, que diz ter 13% de negros em seu casting, se mostra indignado: ‘Acusar a Fashion Week de racismo é um absurdo. O mercado é quem manda. Você acha que alguém seria idiota de dispensar uma negra que fatura milhões?’
** Dono de uma agência de modelos negros, Hélder Dias de Araújo é o único a acusar abertamente a SPFW de prática de racismo: ‘Claro que existe [preconceito]. É mais social do que racial. Se fosse um Pelé, um Barack Obama, ninguém iria ignorar. O Brasil tem é de tomar vergonha e ver que não é um lugar de raça pura.’
Roupas para mulheres normais
A promotora Débora Kelly, que abriu um inquérito para verificar se existe racismo na SP Fashion Week, promete ir em frente, alegando que a criação de cotas é apenas uma forma de garantir empregos para negros.
Talvez a promotora esteja preocupada à toa. Depois que a Vogue americana publicou – no ano passado – um artigo que discutia o racismo no mundo da moda, e depois que Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos, os negros ganharam um lugar de destaque no mundo da moda. Em vez de, como disse a estilista Gloria Coelho, serem considerados bons apenas para trabalhar nos bastidores, estão se tornando ícones da moda. É só ver o caso de Michelle Obama, disputada pelos maiores estilistas, apesar dos quadris largos e da pele negra. Se Michelle é ícone no mundo fashion, logo as negras terão oportunidades por aqui também, e não apenas nos desfiles de verão, eventos em que encontram espaço, pois enfatizam a sensualidade.
Resolvida a questão das negras, a promotora Kelly poderia procurar alguém para liderar outra campanha: uma campanha, junto aos criadores de moda, para exigir que desfiles incluam – se não modelos – roupas que possam ser usadas por mulheres normais, e não apenas aquelas que tem as proporções perfeitas de uma Gisele Bündchen ou a altura e o porte de uma Michelle Obama.
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Jornalista