Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A arte de criticar por meio de cobranças

Rubem Braga assinava nos anos 1950-60 uma coluna semanal, ‘A poesia é necessária’. Hoje há centenas de colunas e blogs com o mesmo título.


A coluna de Carlos Eduardo Lins da Silva, aos domingos, na página 6 da Folha de S.Paulo deveria chamar-se ‘O ombudsman é indispensável’. Infelizmente a moda dos ombudsman, ouvidores ou defensores do leitor, não pegou. Poucos são os jornalistas que aceitam o repto do profissionalismo integral e se dispõem a levar o seu senso crítico às últimas conseqüências. Poucos são os jornais dispostos a serem criticados publicamente em suas próprias páginas. Carlos Eduardo Lins da Silva e a Folha aceitaram o desafio.


A última edição da coluna do ombudsman (12/4) comprova que a função representa um dos maiores avanços na direção da responsabilidade social do jornalista. São apenas dois textos e sumamente críticos. Cobranças concretas, certeiras, serenas, dirigidas aos leitores seriamente engajados na tarefa de fiscalizar a qualidade do jornal que compram.


A principal refere-se à reportagem publicada pela Folha no domingo anterior (5/4) revelando que a ministra Dilma Rousseff teria participado, durante a ditadura militar, de um suposto plano para sequestrar o então ministro Delfim Netto. A repercussão foi enorme, a Folha foi obrigada a retratar-se dois dias depois, de forma oblíqua.


Cobrança certeira


O mais importante da crítica do ouvidor da Folha é a revelação de que recomendou expressamente à Redação a transcrição da íntegra da entrevista concedida por um ex-dirigente do grupo guerrilheiro VAR-Palmares, por meio da qual se originou a denúncia. A Redação deu uma desculpa, Carlos Eduardo não a aceitou e cobrou novamente a publicação da entrevista – mesmo em áudio – na Folha Online. O assunto não pode ser engavetado. É sério demais para ficar protegido por reticências.


Evidencia-se assim que o ombudsman não é um juiz, é um cobrador. Juiz será o leitor capaz de acompanhar e entender as cobranças.


Na mesma matéria, Carlos Eduardo Lins da Silva critica o jornal por ter identificado Victor Martins, diretor da Agência Nacional de Petróleo acusado de irregularidades, como ‘irmão do ministro Franklin Martins’. Prática perversa e bastante comum nas páginas de política: usar o parentesco para transferir acusações. Não é assim que um grande jornal deve se comportar.


Na mesma coluna, o ouvidor reclama da Redação por recusar-se a esclarecer uma polêmica a respeito do tratamento de AVCs (acidente vascular cerebral) sob a alegação de que não havia ‘gancho’ (justificativa recente).


Mais graves do que as críticas do ouvidor são as desculpas dos criticados.