Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O quase-candidato de novo

Mais uma vez Romulo Maiorana Júnior se lança como candidato político, usando seus veículos de comunicação. Diz que pode sair para o governo ou o senado. Como de outras vezes, pode não passar de balão de ensaio. Para outros fins.

Com a instituição da reeleição, invenção danosa do consulado de Fernando Henrique Cardoso, todo político em cargo eletivo é candidato natural a um novo mandato. A governadora Ana Júlia Carepa não só segue o figurino como já está em plena campanha – embora não declarada – pela reeleição. Desde o dia 29 ela tem um adversário em potencial pela frente: o empresário Romulo Maiorana Júnior, o principal executivo do grupo Liberal.

Na edição dominical do jornal da família do dia 29/3, o redator de plantão do ‘Repórter 70’ recebeu para incluir na coluna uma nota, que abriria a seção ‘Em poucas linhas’. A nota anunciava que Romulo Júnior ‘foi convidado por dois partidos políticos para ser candidato ao Governo do Estado ou ao Senado em 2010’. Acrescentava que no convite, ‘os líderes políticos diziam que Romulo desponta como uma forte liderança empresarial, sendo um novo rumo na combalida política paraense, a toda hora envolvida pelos escândalos de corrupção’. E arrematava que o empresário ‘pediu tempo para pensar’.

Parece que a reflexão será demorada: O Liberal não falou mais no assunto, que não teve repercussão alguma, talvez justamente pelo ceticismo em torno da informação escassa. O ‘Repórter 70’ não identificou os partidos políticos que teriam feito o convite ao empresário, nem quais seriam os seus representantes na aproximação. Tanto anonimato induziu a interpretação de que a notícia era apenas um balão de ensaio, lançado pelo vitorioso presidente-executivo de Delta Publicidade.

Incentivos fiscais

Não foi o primeiro desses balões que ele lançou na atmosfera política para sondar as possibilidades de ingressar na carreira política. No final da década de 80 ele tentou iniciá-la: junto com o atual deputado federal (e seu amigo de infância) Vic Pires Franco, se filiou ao PMDB. Quem abonou a ficha foi o atual belzebu dos Maiorana, o então governador Jader Barbalho, em seu primeiro mandato.

O ensaio não deu certo, talvez porque a política tem uma característica que não casa exatamente com o modo de ser do dinâmico empresário: exige que o candidato vá atrás dos votos no meio do povo, suando e se desgastando na campanha eleitoral. Mais desgastante ainda num Estado que tem área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, o segundo maior do Brasil. O estilo de Rominho parece estar mais para que o mandato seja levado em mãos até o seu suntuoso gabinete na sede do jornal, como o reconhecimento – e o preito – da sociedade paraense diante da evidência da sua ‘forte liderança empresarial’.

É provável que nenhum empresário paraense tenha recebido tantas medalhas e diplomas quanto o capo do grupo Liberal. Uma semana antes da nota plantada pelo ‘R-70’ ele se regozijava com a 24ª medalha do Mérito Lojista, que lhe foi conferida pelo SPC Brasil e a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas. Mas Romulo Júnior desta vez não foi receber o sugestivo Troféu Deusa da Fortuna: mandou representante. A honraria foi concedida a outros 24 jornais, mas, estranhamente, não incluiu nenhum de São Paulo e do Rio de Janeiro, os dois principais mercados do país. E também onde estão presentes os mais influentes órgãos da imprensa nacional.

Certamente, para quem recebeu a Deusa da Fortuna, esse é um detalhe irrelevante. Tanto que, como de hábito, a renovação da premiação – pela 24ª vez – foi motivo para fartas fotografias do empresário e anúncios de página inteira no jornal da ‘casa’. Como a peça publicitária publicada no dia 22/3 chegou ilegível aos leitores, por má impressão (apesar do sofisticado parque gráfico do jornal), foi preciso repeti-la, o que aconteceu na edição do dia 24 de março.

É inegável a influência de Romulo Júnior na formação da opinião pública do Pará. Tão evidente que ele mesmo não pode se dar ao luxo de desprezá-la. Sugestivamente, na véspera da edição dominical de lançamento da sua pretensa candidatura ao governo e ao senado, O Liberal publicou a notícia do almoço que ele e o irmão, Ronaldo, o nº 2 da empresa, ofereceram ao prefeito e ao secretário de cultura de Pontassieve, na Itália. Os italianos foram levados pelo ex-vereador Raul Meireles, presidente do serviço de água do município e atual ‘lua-preta’ do prefeito Duciomar Costa, que, recentemente, começou a publicar artigos em O Liberal.

Como a Itália é o país nativo de seus avós, a terra mediterrânea do sol por excelência da Europa, o capo do jornal decidiu trajar uma de suas blusas tipo havaiana, cheia de cores e desenhos, tão adequada para o encontro quanto as latinhas de Coca-Cola e Antártica servidas no almoço. Criaram um contraste com a ausência do fantástico refrigerante Fly, de propriedade de Ronaldo (porque Rominho saiu da polêmica firma, embora não a tempo de não responder solidariamente por ela, envolvida em irregularidades que bateram à porta da justiça federal, embasando uma ação em curso contra os empresários, quase uma década depois de constatados os maus feitos com recursos dos incentivos fiscais da Sudam).

Interesse diretos

Por esse ensaio, realizado quando o candidato em potencial já teria recebido o convite dos dois dirigentes de partidos políticos não identificados, pode-se ter uma idéia de como poderia ser o estilo do futuro senador – ou governador – no desempenho da função pública. Estilo que autorizou o ‘Repórter 70’ a profetizar que Romulo Júnior daria ‘um novo rumo na política paraense’, livrando-a de estar ‘a toda hora envolvida pelos escândalos de corrupção’.

O Pará aguarda ansioso por esse novo messias, mas será que o executivo do grupo Liberal cabe nessas expectativas? É esse um modelo tão apropriado quanto o de suas blusas ‘cheguei’? Ele poderia liderar uma renovação na política do Estado, livrando-o de gerações de parasitas e de frustrações?

A primeira pergunta que se deve fazer para matar a charada é simples: o candidato plenipotenciário conhece o Estado que pretende dirigir administrativamente ou representar no parlamento? Claro que conhece, haverá de responder um áulico de ocasião. Romulo Júnior comandou o programa ‘Andando pelo Pará’, à frente de uma caravana que foi a alguns municípios ver ‘in loco’ o que acontecia. Por suas características, entretanto, esse périplo teve o valor cultural e pedagógico das excursões turísticas por 30 países em duas semanas que as agências de viagem costumam oferecer a viajantes apressados (e desatentos). Ao final, o relato da jornada costuma estar mais para o ‘samba-do-crioulo-doido’ do que para um entendimento do que se viu.

A caravana do líder do ‘andando pelo Pará’ chegava num dia e ia embora poucas horas depois. Circulava a jato pelos ambientes, vistos pela ótica dos óculos profundamente escuros do capo, que o protegiam do sol e de todas as outras circunstâncias hostis a um freqüentador mais usual de outros ambientes, como os cassinos norte-americanos, por exemplo.

Como o tal projeto tinha patrocinador, que pagava uma boa verba de propaganda para desfrutar os dividendos de se associar a tão edificante iniciativa, o líder se permitiu realizar uns tantos circuitos pelo hinterland. Mas não tanto que chegasse a consumar o que fora anunciado. Não era propriamente pela causa que ele se sujeitava à empreitada, mas pelos seus resultados comerciais – como, de resto, são quase todas as promoções da ‘casa’.

Por trás da retórica das suas campanhas, apregoadas como se fossem a defesa dos superiores interesses do Pará, esconde-se um interesse comercial direto, como já se disse e se provou das campanhas. Como a que foi promovida contra a Rede/Celpa. Ou contra o Banco da Amazônia, que acaba de ceder três páginas e meia de publicidade do seu último balanço, de 2008, contra meia página em 2001, quando provocou o furor apolíneo do executivo. Ou contra a Vale do Rio Doce, a patrocinadora do ‘andando’, que tentou sair da arapuca do patrocínio de outro ‘evento’ e quase se ferrou, sendo obrigada a voltar ao caixa. E, mais recentemente, contra Y. Yamada.

Erro primário

O que faria Romulo Maiorana Júnior se, além do império de comunicação, com seu maior suporte atual na afiliação à Rede Globo de Televisão, também contasse com um poder político direto? A indisfarçável tentação que um mandato eletivo exerce sobre ele não o levou a utilizar o esquema que outros personagens idênticos adotaram para chegar lá: ficar numa suplência de senador, por exemplo, ou mesmo aceitar o lugar de vice-governador, ocupando a titularidade em alguma circunstância favorável (ou induzida). Será porque Rominho não aceita não ser o nº 1? Ou porque, salamaleques à parte, os políticos de maior expressão (e maior apetite) temem tê-lo ao lado – se é que tê-lo ao lado lhes renderá os votos populares?

Protegido por seus poderosos veículos de informação e tendo a seu favor a imagem de empresário, não diretamente envolvido na luta pelo poder político, ainda assim o executivo do grupo Liberal exibe flancos que, numa luta política frontal, poderiam se mostrar fatais. De qualquer modo, não autorizam a crença do ‘Repórter 70’ de que ele poderia servir de contraste às práticas viciadas da política paraense.

Qual foi o negócio novo que Romulo Júnior criou e que se revelou perene? Sua força vem da estrutura que herdou do pai, especializada em comunicação. As derivações autônomas não se mostraram nem inovadoras e nem consistentes. Algumas tiveram um início convincente, mas não duraram muito. E durante o tempo em que duraram, se sustentavam principalmente nos veículos de comunicação. De fato, o império criado por Romulo pai cresceu e se diversificou, mas há vários anos os rústicos balanços de Delta Publicidade (a única empresa do grupo obrigada a publicá-los, por ser a única sociedade anônima) são terríveis: registram prejuízos constantes, dívidas crescentes e patrimônio líquido negativo. Se os números refletem a realidade, exibem uma empresa doente, a gastar mais do que arrecada. Nessa progressão, a enfrentar uma futura insolvência. E já enfrentando uma concorrência incomparavelmente maior do que na época em que o grupo estava todo nas mãos do pai, que o comandava com controle total.

Mesmo assim, Rominho age como se fosse o dono da cidade e do Estado. Nas parcerias que faz, quer sempre ser o primeiro e o maior, de qualquer jeito. Talvez aí esteja a razão de não vingarem as sugestões de aliança política que costuma fazer nas pré-temporadas de caça aos votos.

Ainda não deu para tirar a prova dos nove dessa incógnita porque sempre a notícia do lançamento da candidatura de Romulo Jr. a senador ou governador se revela um balão furado. Tempos atrás ele chegou a se desincompatibilizar da direção dos órgãos de comunicação da família para poder se apresentar como candidato. Mas acabou não confirmando a intenção – ou por ter desistido na hora do ‘vamos ver’ ou porque cometeu um erro primário: seu nome saiu do expediente principal do jornal, mas continuou no expediente secundário, na revista Troppo, que é encartada na edição dominical de O Liberal, freqüentemente com notícias do sucesso do principal executivo da ‘casa’ e muitas de suas fotos.

Muito desse sucesso é virtual. A carreira política de Romulo Maiorana Júnior corre o risco de continuar assim: virtual. Para o bem do povo e felicidade geral do Estado.

 

Curvatura

Não há mais dúvida: em posição de fragilidade financeira, o grupo Y. Yamada cedeu ao grupo Liberal. Depois de dois encartes dominicais sucessivos, anúncio de página inteira na contracapa do caderno Atualidades de O Liberal do dia 5/4, com Fafá de Belém chamando (de volta?) todas as gentes boas à ‘maior e melhor rede de supermercado do Norte’. Mais um ‘case’ de sucesso ao estilo da ‘casa’.

 

Sangria prossegue

Na enxurrada de matérias sensacionalistas a que se dedicam três dos quatro jornais diários de Belém, o Diário do Pará conseguiu se igualar a O Liberal na edição do dia 6/4.

O jornal dos Maiorana bateu o recorde de falta de ética ao publicar a foto do cadáver de uma jovem que, depois da explosão e incêndio do carro que dirigia, ficou reduzido à ossatura do crânio. A folha dos Barbalho abriu a foto de um homem que foi encontrado aos pedaços, com o corpo retalhado, como se página de jornal fosse extensão do Instituto Médico-Legal. Sabendo que não podia ficar atrás, O Liberal exibiu a mesma imagem de outro ângulo.

Enquanto isso, dorme sono solto na justiça a ação proposta contra essa selvageria por uma imprensa que não se dá ao respeito e viola os compromissos com a opinião pública.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)