“Não se espantar com nada talvez seja o único meio…”
(Horácio, 65-8 a.C)
Tempos danados de confusos. Tempos sujeitos a inimagináveis chuvas e trovoadas, a súbitos dilúvios lamacentos. A berros esganiçados de sirenes anunciando o apocalipse, concitando pacatos cidadãos a deixarem suas casas em desabalada carreira sem saber ao certo quando ou se a elas poderão retornar. Tempos amalucados de insídias apelidadas de “fakes”, disseminadas com impetuosidade sorrateira de grama tiririca. Tempos de insanidades propagadas via eletrônica por vespas anônimas que vêm das sombras e que nas sombras se refugiam. Tempos de perplexidade nutrida por realidades incômodas e dilacerantes, impostas por diversificadas modalidades de desvario comportamental. Tempos de confusão de espírito que dificulta para muitos diferenciar na avalancha de notícias circulantes o que é verdadeiro do que é falso.
Divulgou-se intensamente, nos últimos dias, que a alta direção da Vale estava careca de saber que a represa de Brumadinho poderia romper a qualquer momento, mas furtou-se a adotar qualquer medida preventiva tecnicamente recomendável em tentativa que pudesse evitar a brutal tragédia que enlutou a Nação. Priorizando a conveniência de garantir lucros mais polpudos para abonados acionistas, ignorou solenemente suas responsabilidades humanitárias, sociais e institucionais, as regras éticas mais comezinhas, concorrendo assim para que a catástrofe ocorresse, ceifando vidas preciosas, devastando propriedades e desfigurando o meio ambiente. Ao tomar conhecimento de tão insólita informação, este desajeitado escriba, tanto quanto uma legião imensa de ingênuos cidadãos, pôs-se a conjecturar se tais revelações não seriam fruto de nauseante perfídia. De alguma “fake” revestida de suprema crueldade. Todos nos equivocamos. Pasmo dos pasmos! Não se tratava de “fake” coisíssima alguma…
Em entrevista a revista de grande circulação, o ilustríssimo Ministro da Educação Ricardo Véles Rodrigues, colombiano naturalizado brasileiro em 1955 aos 54 anos, teria deixado cair espantosa afirmação: “O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba o acento salva-vidas no avião, ele acha que sai de casa e pode carregar tudo.” Acreditei, piamente, num primeiro momento, na mais cândida inocência, que se tratasse de “intriga da oposição”. A frase atribuída a Sua Excelência jamais teria sido proferida. Tudo se resumiria a mais uma “fake”, decorrente de sensacionalismo jornalístico barato. Torci pacas para que assim “sesse”. Não era.
Li, nas assim denominadas redes sociais – que nalguns instantes provocam perturbadoras reações na mente das pessoas – e, ao depois, em jornal, que o ilustre senador Renan Calheiros, ex-governador, ex-presidente da Câmara Alta, teria sido acometido de reação furibunda, botando pra fora insuspeitada prepotência machista, diante da crítica de uma jornalista que o chamou de arrogante. Assim teria se pronunciado o conhecido parlamentar, figura de proa, há anos, na cena política brasileira: Ela (a jornalista) “acha que sou arrogante. Não sou. Sou casado e por isso sempre fugi ao seu assédio. Ora, seu marido era meu assessor e preferi encorajar Geddel (Vieira Lima, ex-deputado baiano, aquele cara que guardava fortuna em caixas de sapato num apartamento alugado em Salvador) e Ramez (Tebet, senador já falecido), que chegou a colocar um membro mecânico para namorá-la. Não foi presunção. Foi fidelidade.” Li, reli, tornei a ler e a reler. Inclinei-me fortemente a admitir que se tratasse de “fake” de supremo mau gosto. Acredite, se quiser! Não, não era “fake”…
Conhecida de muitos anos, modesta funcionária pública estadual comenta seu desaponto com relação a uma decisão que alega ter sido tomada pelo governo recém-empossado. Ela está se referindo ao Excelentíssimo Governador Romeu Zema, que chegou ao Palácio da Liberdade lastreado em apoio popular impressionante, autor de uma declaração recente que tem dado o que falar, a respeito da catástrofe de Brumadinho, da qual resultaram mais de 300 mortos e desaparecidos: “Parece que desta vez eles reconheceram o erro apesar do incidente”. Referia-se à Vale… Referia-se, ora, veja, pois, à Vale…
Voltemos agora à decisão que molestou a funcionária. Ato do Executivo teria determinado, em função do pesado endividamento recebido como legado dos antigos administradores do Estado, que o décimo-terceiro salário correspondente a 2018, ainda não quitado, fosse pago em 11 parcelas mensais, para todos os servidores. Retificando: para o grosso do contingente de servidores. Algumas categorias especiais de agentes públicos, por sinal os mais bem remunerados, seriam poupadas dessa desagradável contingência. Redargui, com certa veemência, ao que estava sendo transmitido pela funcionária. “Duvido que isso possa acontecer”, sustentei, argumentando com a tese de que todos são iguais perante a lei. Cheguei a dizer que a revelação não passaria, no duro da batatolina, de outra “fake”. Pois não é que tornei a me equivocar? Tive que me curvar perante a contundente evidência de que a notícia transmitida não era “fake”, servindo para comprovar, de novo, que agora como sempre tem sido alguns são mais iguais perante a lei …
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César Vanucci é jornalista.