Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornais populares fogem do
padrão “se espremer, sai sangue”

O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (14/04) pela TVBrasil discutiu o rumo dos jornais populares no Brasil. Em meio à crise financeira que abala a mídia impressa em todo o mundo, os veículos de perfil popular parecem ter sido os menos afetados. A receita para cativar os leitores é simples: prestação de serviços, noticiário da cidade, apelo sexual, informações sobre crimes e fofocas do mundo das celebridades. Textos curtos, leves e muita fotografia em uma clara aproximação com o formato da internet. Um produto para consumo imediato. A evolução do modelo – se comparado com os anos de 1960, por exemplo – é incontestável. Não é mais o ‘jornal que sai sangue ao ser espremido’. Mas política, macroeconomia e noticiário internacional continuam fora da pauta cotidiana dos jornais populares.


Participaram do programa ao vivo representantes de três veículos que têm experiência consolidada em jornalismo popular. No Rio de Janeiro, Alberto Dines recebeu o diretor de Redação de O Dia, Alexandre Freeland. Formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Freeland ocupa o posto de direção há dois anos. Também no Rio de Janeiro, participou Octávio Guedes, editor-chefe do Extra, do grupo Infoglobo, que edita O Globo e Expresso. Formado pela UFF, trabalhou no Jornal do Brasil, em O Globo e O Dia. Em 1998 passou a integrar a equipe que lançou o jornal Extra. Em São Paulo, o convidado foi Antonio Rocha Filho, Secretário de Redação do Agora São Paulo. O jornalista participou do processo de criação e lançamento da publicação. Trabalha há 20 anos no Grupo Folha, onde já exerceu diversas funções.


Mídia na Semana


Antes de iniciar o debate ao vivo, na coluna ‘A Mídia na Semana’, Dines comentou os fatos de destaque dos últimos dias. O caso do jogador Adriano, do Inter de Milão, foi o primeiro assunto da coluna. Para Dines, a imprensa não respeita conflitos pessoais. ‘O carnaval que se fez com a sua vida pessoal é um exemplo da perversa celebridade promovida pelos meios de comunicação. A submissão às manchetes em alguns casos pode ser pior do que a escravidão’, criticou.


O outro tema foi a cobertura da imprensa sobre os escândalos envolvendo o banqueiro Daniel Dantas e o delegado Protógenes Queiroz: ‘Ricardo Noblat levantou ontem (13/04) a questão – de que lado você está?’. O jornalista acredita que a polêmica que corre em blogs e comunidades da internet é enganosa. ‘Daniel Dantas está sendo processado porque cometeu irregularidades e o delegado da PF está sendo investigado porque cometeu arbitrariedades, exorbitou. Quem está efetivamente do lado da lei deve evitar os engajamentos. Sobretudo no caso de jornalistas’, advertiu.


Momento de consolidação


Ainda antes do debate ao vivo, em editorial, Dines comentou que enquanto jornais deixam de circular em todo o mundo, no Brasil o fenômeno da imprensa popular consolida-se. ‘A melhoria do transporte de massas e a estabilidade da moeda a partir de 1995 acionaram um processo de ascensão social do qual se beneficiaram muitos setores da economia. Principalmente a indústria jornalística’, disse. O jornalista alertou que o ‘deslumbramento’ com este modelo de imprensa não deve esconder as preocupações com a chamada ‘imprensa de qualidade’.


A reportagem exibida no programa mostrou a experiência do Super Notícia, publicado em Belo Horizonte. Lançado há sete anos, o jornal está entre os mais vendidos no país. Um dos fatores que contribui para o sucesso é a distribuição inovadora. Além das convencionais bancas de jornal, também é oferecido por vendedores ambulantes em pontos de grande circulação e em postos alternativos, como padarias. E o preço é convidativo: R$ 0,25 por exemplar. Lúcia Castro, Editora Executiva do Super Notícia, explicou que o jornal não só tirou leitores dos concorrentes, como também trouxe um público novo. O Diretor Executivo do jornal, Teodomiro Braga, ressaltou que é uma preocupação da empresa atender aos leitores de todas as classes sociais, por isto o diário é encontrado também em favelas e comunidades carentes de Belo Horizonte.


O programa entrevistou o jornalista Arnaldo César, que foi Editor Executivo de O Dia. A questão de fundo que precisa ser discutida, na opinião do jornalista, não é o crescimento ou a queda na circulação dos jornais – independentemente do perfil em que estejam enquadrados. A grande preocupação de Arnaldo César é sobre o futuro dos jornais impressos. Desde a virada do século, há uma migração de leitores dos impressos para a internet. Os jornais estão conseguindo exercer o papel de formadores da opinião pública do país, imprescindível em um ambiente democrático?


Uma volta ao passado


No debate ao vivo, Dines comentou que o fenômeno dos jornais populares não é novo. Hoje, tenta-se ‘reinventar o que sempre existiu’, disse Dines em referência a jornais do século passado. O jornalista ressaltou que o Extra, por exemplo, pertence à Infoglobo, empresa que tem tradição em jornalismo popular. O Globo e A Noite, no passado, encaixavam-se no perfil de vespertino popular. Já O Dia, mantém-se no mercado há mais de 50 anos sempre com o mesmo modelo, mas com alterações na linha editorial. O Grupo Folha também atua no segmento há décadas. Para Octávio Guedes ‘não está se inventando a roda’. O editor-chefe do Extra relembrou que no número de lançamento de O Globo, havia uma matéria especial sobre um problema que ainda é assunto de destaque nos jornais populares, os buracos nas ruas da cidade. Octávio Guedes ponderou que não há diferença entre jornalismo popular e ‘de qualidade’. O que difere é ‘bom ou mau jornalismo’.


Antonio Rocha Filho comentou que a estabilidade da moeda alcançada em meados dos anos de 1990 propiciou o ressurgimento dos jornais populares. O Agora foi produto deste período em que as empresas de comunicação passaram a investir em novos projetos. Desde o início, apresentou um modelo diferente dos jornais que circulavam em São Paulo ao privilegiar a prestação de serviços para o leitor. O que é importante para o cotidiano do leitor em diversos setores, como saúde e trabalho, é notícia. Nos últimos anos, o Agora passou a focar na chamada economia popular, voltando-se para a cobertura da Previdência Social, para atender a uma demanda dos leitores. Para o secretário de Redação do Agora, o que difere o jornalismo popular de hoje do que foi publicado no passado é o sensacionalismo. Atualmente, há conteúdo de apelo popular, mas com menor destaque.


A nomenclatura aplicada aos modelos de jornalismo também foi criticada por Alexandre Freeland. Se o jornalismo classificado como popular é dirigido para as classes econômicas menos favorecidas, o ‘jornalismo de qualidade’ deveria ser voltado somente para a elite? O diretor de Redação de O Dia afirmou que não faz ‘jornalismo para jornalistas’, mas sim para o leitor. O jornal deve ser um produto útil. Freeland relembrou que o salto de qualidade do jornal ocorreu nos anos de 1990, na gestão de Ary Carvalho. Houve uma ‘injeção de qualidade’ no jornal, mas com o foco no mesmo tipo de leitor. O jornalista ponderou que há espaço para política e economia nos jornais populares e citou como exemplo uma recente denúncia sobre funcionários fantasmas da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.


O leitor que participa


No Rio de Janeiro, um boneco de pano de tamanho humano faz sucesso entre os leitores do Extra. É o ‘João Buracão’. Confeccionado por um borracheiro carioca para chamar a atenção para um buraco que, apesar dos constantes pedidos, não era tapado pelas autoridades, o boneco foi descoberto por um repórter do jornal e logo foi ‘adotado’ pelo Extra. Agora, ‘João Buracão’ é disputado por moradores de ruas esburacadas. Problemas que levavam meses para serem resolvidos desaparecem em questão de dias. O leitor denuncia, ‘João Buracão’ vai ao local, o jornal publica a notícia e logo depois o buraco é tapado. Uma dor de cabeça para prefeitos e uma ferramenta para os leitores. Recentemente, O Dia lançou o ‘Repórter Lampião’, um concorrente para o boneco. Leitores levam um lampião para ruas com recorrentes problemas de iluminação pública para forçar as autoridades a tomar providências.


Dines perguntou sobre as características do jornalismo popular: o ‘mix’ da composição da informação é o mesmo do chamado jornalismo de qualidade, incluindo doses de política, economia e internacional? ‘O jornalismo popular fala do que o povo quer falar ou já está falando’, disse Freeland. O jornalista comentou que a participação dos leitores na produção do jornal é imprescindível. Freeland revelou que na cobertura do caso do jogador Adriano, o ‘principal repórter’ foi o leitor. Compradores do jornal telefonavam para a redação para oferecer informações sobre o paradeiro do atacante. ‘Neste caso, o leitor pautou e foi repórter’, disse.


A questão da concorrência com jornais gratuitos foi discutida no debate. Dines questionou se a gratuidade interfere na credibilidade do produto. Para Octávio Guedes, jornais como Metro e Destak devem se questionar se estão falando para o público certo e com o tom adequado. O jornalista comentou que no Rio de Janeiro há jornais compactos ‘semi-gratuitos’, que custam entre R$0,25 e R$0,60. Voltados para a venda em transportes públicos, atendem as classes C, D e E. Um fenômeno curioso levantado pelo jornalista foi a reciclagem dos exemplares. Ao final da viagem de trem ou ônibus, depois de ler o jornal, consumidores revendem o produto por um terço do preço a outros passageiros.


Jornalismo ‘quase’ de graça


Alexandre Freeland comentou que o fato de pagar pelo jornal estimula o leitor a cobrar qualidade. A venda em banca funciona como uma ‘assinatura’ renovada diariamente. É um investimento que ‘tem que dar retorno’, frisou. Freeland considera que os gratuitos, apesar da boa qualidade técnica, não ‘têm muita personalidade’. Em São Paulo, o fenômeno não se consolidou. Para Antonio Rocha Filho, apesar de bem executados, os jornais gratuitos ‘não atendem ao que se propõem’.


A migração dos leitores da mídia impressa para a internet foi outro tema discutido no Observatório. Octávio Guedes considera que a concorrência com a web obriga os jornais em papel a buscar sempre o melhor. O ‘jornalista preguiçoso’ não tem mais espaço no mercado de trabalho. Com a velocidade da internet, a busca por notícias exclusivas para não repetir a informação deve ser constante. Quando um jornalista comparece a uma entrevista coletiva e chega à redação para escrever a matéria que será publicada no dia seguinte, tanto a chefia quanto os internautas já sabem as informação por meio da rede mundial. ‘Está cada vez mais difícil ser repórter’, disse. Para Alexandre Freeland, a internet é uma ameaça à primeira vista, mas pode ser uma aliada ao obrigar o constante aperfeiçoamento. É uma importante ferramenta de diálogo com o leitor. Antonio Rocha Filho ressaltou que a busca por notícias na rede é ‘pura e simples’, cabe ao jornal impresso uma análise mais aprofundada dos fatos.


 


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Imprensa popular cresce na crise


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 498, no ar em 14/04/2009


Quando a imprensa é notícia, geralmente a notícia não é boa, alguma coisa está errada.


Nas duas últimas décadas, o noticiário sobre a mídia não tem sido alentador. Depois das bolhas relacionadas com as novas tecnologias, vieram os modismos que descaracterizaram a essência da imprensa. Agora estamos em plena temporada das catástrofes em série, com o fechamento de jornais em todo o mundo, alguns já centenários.


A boa notícia é brasileira: enquanto a chamada grande imprensa estaciona e patina nas mesmas tiragens, consolida-se o fenômeno da imprensa popular. Aquilo que aconteceu na Inglaterra e Estados Unidos no fim do século 19 começa a acontecer aqui no início do século 21.


A melhoria do transporte de massas e a estabilidade da moeda a partir de 1995 acionaram um processo de ascensão social do qual beneficiaram-se muitos setores da economia. Principalmente a indústria jornalística.


Nesta edição do Observatório da Imprensa vamos falar de um mercado que em 2008 exibiu cerca de um milhão e duzentos mil exemplares diários, o que pode significar, no mínimo, o dobro de leitores. Leitor não é um mero consumidor, é um cidadão que se integra ao processo de produção de conhecimento. processo irreversível, sem volta.


Mas este deslumbramento com a imprensa popular não deve esconder as preocupações com a chamada imprensa de qualidade. Sem ela, nivelamos tudo por baixo e quem paga é a democracia.