Já é clichê dizer que o jornalismo vive em crise. Redações cada vez mais enxutas, acúmulo de funções, e vagas que, não raras vezes, pagam pouco, mas exigem muito. As descrições são quase as mesmas: vaga para quem gosta de desafios e busca aprendizado, ou habilidade para trabalhar em ambientes desafiadores sob a pressão de deadlines exigentes.
Os mais experientes e os especialistas, que acharam um bom nicho e hoje ganham bem, são os que, em geral, têm estas qualificações, mas raramente topariam trabalhar por salários nada condizentes com sua expertise.
Há coisas que a academia não ensina. Mesmo tendo passado por uma boa faculdade de jornalismo, onde hoje leciono após sete anos de uma sólida carreira profissional internacional, aprendi muita coisa na marra. Na garra. E na base da tentativa-erro.
O foca que sai da faculdade entra no mercado de trabalho praticamente em modo desespero. A fama de que a profissão de jornalista remunera mal assusta e leva jovens talentos a topar uma vaga exigente, mas pouco recompensadora. Pelo menos num primeiro momento.
Após sete anos de mercado, duas especializações, inúmeros cursos, um ano vivendo em Richmond, Virgínia, a antiga capital dos estados confederados da América, e anos atuando com cobertura especializada, vejo que há certas habilidades que dão o tom o separam homens de meninos no jornalismo.
Falo de um mindset pouco abordado nos cursos de jornalismo. Coisa que só a vivência nas ruas e o convívio com as fontes ensina.
A primeira característica é saber que, embora ainda não tenha um diploma, no caso daqueles que buscam e não completaram uma educação formal em jornalismo, o indivíduo já é um jornalista. No início ou fim da faculdade. Medíocre ou estelar. Mas em formação. É uma condição que, semelhantemente aos estados físicos da água, pode ser mudada e quimicamente trabalhada.
Desde o primeiro semestre da graduação, é preciso ver cada tarefa como um job. Cada contrato ou cada empregador como uma conta ou cliente.
O mindset do jornalista, especialmente nos dias atuais, deve ir além da reedição de textos de assessoria de imprensa, ou das aspas burocráticas de notas frívolas.
Mesmo nos textos fechados de assessoria, no silêncio de fontes e no desinteresse de relações públicas que praticamente blindam fontes e instituições, é possível fazer bom jornalismo.
Um press-release de um balanço financeiro que exalta logo nas primeiras linhas o crescimento da receita pode esconder um belo prejuízo. E em alguns casos, um prejuízo pode refletir planos de investimento e expansão agressivos, condizentes com a estratégia de longo prazo de uma empresa.
O mindset do jornalista atual inclui, mas não se limita ao zelo pela apuração consistente, ao hábito de ligar e buscar fontes, ao olho atento pelos dados escondidos e a criatividade para ir além das fontes convencionais e burocráticas.
Não há um currículo ou arcabouço teórico específico que ensine o mindset ideal do jornalista.
Mas há truques que bons profissionais podem repassar a seus alunos.
Aprendi que insistência, criatividade, boas fontes, apuração atenta e coragem para perguntar nem sempre são habilidades ensinadas na faculdade. Mas podem ser treinadas. Antes ou depois dela. Quanto antes, melhor.
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Leonardo Siqueira é jornalista, professor de Jornalismo do Unasp e especialista em Jornalismo Científico (Unicamp) e Comunicação Empresarial (Umesp).